Com 19 anos de atuação no Ministério Público Estadual (MP), o promotor Fabiano Dallazen, 43 anos, tomou posse na sexta-feira (9) como chefe da instituição. Natural de Carazinho, o novo procurador-geral de Justiça afirma que o órgão deve qualificar a atuação extrajudicial, ou seja, reforçar a busca de soluções de problemas pelo diálogo e não pela via judicial. Sobre a turbulência no cenário nacional, decorrente do que vem sendo revelado pelas investigações da Lava-Jato, Dallazen diz que o MP vai combater a corrupção de forma "intransigente". Confira trechos da entrevista concedida a ZH.
O senhor tem destacado que o MP deve apostar na atuação extrajudicial. As coisas se resolvem só conversando?
O cidadão quer o problema resolvido, seja da forma que for. A via judicial está demonstrado que demora. Temos de investir na negociação, na conversa. Um exemplo: criamos 10 promotorias regionais de educação. A de Passo Fundo atende 145 municípios. Temos parceria com TCE (Tribunal de Contas do Estado) na questão da meta de vagas para a pré-escola.
A promotoria tem reunido os prefeitos e já acertou com 95 deles, sem ajuizar nenhuma ação, por meio de TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), com prazos e metas. E é uma atuação mais difícil para nós. Seria muito mais fácil receber o problema e mandar para o Judiciário. Na saúde, quando recebemos pedido de remédio, não vamos só dizer que a pessoa tem direito a ganhar. Temos de ver se o remédio está na lista do SUS, se não está, se deveria estar, fazer a articulação para que esteja, se for o caso, ver se tem fraude. Enfim, ter um olhar de organização do sistema (para evitar que cada promotoria decida de uma forma) e de detecção de fraudes, um olhar de fiscalização, mais amplo.
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Porto Alegre tem problemas históricos de alagamentos e uma só promotoria reúne casos que tramitam por anos na fase da conversa, sem solução definitiva para o cidadão. Alguma previsão de mudança?
A ideia é fazer reunião de todos os expedientes que tratam sobre o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), seja de patrimônio público, seja criminal, e vamos tentar dar encaminhamento único. No que puder firmar extrajudicial, vamos firmar, no que não puder, vamos judicializar. Essa solução virá rápido.
É aceitável uma apuração criminal tramitar, por exemplo, cinco anos no MP sem ter denúncia ou desfecho?
Não pode demorar cinco anos. Tem de ter desfecho. Há algumas deficiências, mas estamos com atuação forte da corregedoria para identificar esses atrasos e cobrar soluções.
Há quem diga que o MP virou uma instituição de um assunto só nos últimos anos, ou seja, a investigação sobre fraudes no leite, que tem bastante visibilidade. O senhor avalia que o MP está atuando pouco no combate à corrupção ou crime organizado?
Não. Em dois anos, tivemos 49 operações dos assuntos mais variados, de compra de voto, concursos públicos, milícia, lavagem de dinheiro. Não é pouco. As ações do leite foram 12, que estão dentro do nosso programa de segurança alimentar, que é bem mais amplo.
Seu antecessor falava da necessidade de o MP qualificar a busca da prova criminal. O MP pode, por exemplo, trabalhar com ações controladas, como estamos vendo na Lava-Jato?
Podemos. Tivemos exemplos aqui que resultaram em duas denúncias criminais contra deputados em que houve acompanhamento de ações com autorização judicial durante a apuração.
Políticos, prefeitos reclamam que o MP mistura improbidade com atos decorrentes de desconhecimento, que não tiveram má-fé. O MP tem essa tendência?
O que os prefeitos reclamam é algo que sabemos. Em grande parte das políticas públicas, a delegação coloca o ônus da concretização para o município. E o cidadão não cobra do governador ou do presidente. Vai cobrar do prefeito e vai até a promotoria cobrar a fiscalização. E eu, MP, tenho de cobrar a execução dessa política. Isso cria margem de tensionamento, claro. Há certa dose de razão no sentido de que temos de diferenciar a cobrança da política, a impossibilidade da sua execução, da má-fé. Mas o MP avançou muito.
A questão da improbidade não pode ser usada como desculpa para não fazer ou fazer algo. Não se ajuíza ação de improbidade sem haver ato ilícito.
É aconselhável um prefeito procurar o MP antes de executar ação específica já para evitar problemas?
Temos aconselhado que, sempre que somos procurados, que seja feito o atendimento, o diálogo. Em alguns casos, como uma obra grande, sentam todos os entes envolvidos e estabelecem cronograma, uma linha de informação, de transparência que destrava, que impede a burocracia. Mas isso ainda é raro, porque nossos mecanismos de controle são formais.
O tema segurança é o que mais inquieta a população e envolve a área prisional. O que é possível fazer nessa esfera?
Nos presídios, há duas coisas. Uma: sabemos quem são as facções e quem são os líderes, temos de trabalhar isso e também a questão patrimonial das quadrilhas. Isso está sendo trabalhado. O segundo ponto é vaga. Temos o retrocesso de ter presos em delegacias. Acho que o Estado está buscando, mas não está conseguindo sair do nó burocrático. Tem de abrir o presídio de Canoas e é interessante a ideia de mandar para lá presos que não são de facções. Tem de dar opção para essas pessoas. Temos de estudar possibilidades de permutas e da Apac (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados). Temos de ter RDD (regime disciplinar diferenciado), ter condições de isolar as pessoas.
Não lhe parece que MP e Judiciário tratam com naturalidade a existência de facções?
Não se pode ter como natural. Mas é uma constatação do que acontece. Onde há vácuo do Estado, ele é tomado pelo crime. Ocorre no Brasil todo. É difícil, é doloroso, mas tem de ser feito algo. Em primeiro lugar, tem de dar opção para quem não queira entrar, tem de parar de recrutar para as facções. Em segundo, fazer quebra patrimonial dessas facções.
Não me sinto confortável com essa situação, não tenho a resposta de que forma isso vai ser vencido, mas temos de avançar. Assim como temos de avançar no uso de tecnologias. Um exemplo é a implantação de videoconferências nos presídios. O custo médio de transporte do preso ultrapassa R$ 500, quando se pode ter uma sala de videoconferência, sem violar direitos. O custo é pequeno e o benefício é muito grande.
Um assunto que tem repercutido nacionalmente é a possibilidade de familiares de vítimas da boate Kiss serem julgados por suposta calúnia e difamação contra promotores antes que ocorra o julgamentos dos réus do processo que apura a morte de 242 pessoas. Essa situação é ruim para a imagem do MP?
A intenção dos colegas (ao entrar com ação) era fazer com que aquilo (o que julgavam se tratar de calúnia) cessasse. A repercussão que isso tem tido na opinião pública é ruim. Mas o MP tem atuado nesse processo de acordo com o que está dentro da legalidade. Levou a discussão ao Judiciário, que vai dizer se estamos com a razão ou errados. Não podemos nos pautar pela opinião pública numa questão técnica.
A frase que o senhor citou em sua posse – "os lugares mais quentes do inferno são reservados para àqueles que em tempo de crise escolheram a neutralidade" – era dirigida a quem?
Citei a frase ao tratar da preocupação do cenário nacional no combate à corrupção. É uma frase direcionada para dizer o seguinte: tem muita gente falando que quem está combatendo a corrupção e revelando os esquemas seriam os responsáveis pelo problema econômico e o caos no Brasil. Quis dizer que o MP tem posição clara, não seremos neutros no que toca ao combate à corrupção. Nossa posição é de combatê-la de forma intransigente. Outro ponto é que a saída tem de ser sempre institucional, não temos espaços para saídas de exceções. O caminho passa pelas instituições funcionando. Não podemos ter ataque às instituições. Temos de atacar as pessoas que, dentro das instituições, não tenham comportamento adequado.