Dois dias depois de uma das mais polêmicas retomadas de prédios invadidos já ocorridas no Rio Grande do Sul, detalhes do episódio começam a surgir e provocam nova celeuma. A Brigada Militar assegura que a Ocupação Lanceiros Negros não era apenas formada por famílias pacíficas, mas por militantes dispostos a resistir com armas caseiras à retirada determinada pela Justiça. A organização que ocupava o prédio nega ter fabricado ou portado esse armamento.
Os PMs que realizaram a retirada das 70 famílias que desde 2015 ocupavam um prédio público invadido no centro de Porto Alegre asseguram ter encontrado, no prédio ocupado, 11 garrafas de coquetéis molotov (explosivo caseiro), três galões de cinco litros de combustível, seis caixas com 49 foguetes e rojões que poderiam ser usados como armas e estilingues com bolas de gude. Tudo poderia ser usado como projétil.
O "arsenal caseiro" foi levado pelos PMs para o plantão da 2ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento, no Palácio da Polícia, e apreendido pelo delegado plantonista Maurício Alves de Sampaio. O material será usado como indício para possível instrução de processo criminal contra os ocupantes do prédio, por invasão de prédio público.
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O arsenal não chegou a ser usado – e a BM reconhece isso. O que os oficiais responsáveis pela reintegração de posse salientam é que o cerco aos ocupantes do edifício foi feito à noite justamente para evitar maiores aglomerações, possíveis confusões e, sobretudo, afluxo de outros militantes ao prédio já ocupado pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), organização que batalha pelos direitos dos sem-teto.
A retirada das 70 famílias da Ocupação Lanceiros Negros encontrou resistência dos militantes que ocupavam o prédio, situado na esquina das ruas Andrade Neves e General Câmara. Tanto que alguns foram algemados e detidos, incluindo o deputado estadual Jeferson Fernandes (PT), quando tentava negociar a não retirada dos moradores do edifício. O oficial de Justiça Iuri da Fontana Vieira disse, em seu relato à Polícia Civil, que o parlamentar incitou, ao megafone, os manifestantes a não se retirarem do prédio e, por isso, foi retirado pela BM do local. Jeferson relata ter sido algemado e arrastado pelos policiais.
A versão dos PMs a respeito do armamento é desmentida por Renata Ferraz, uma das coordenadoras do Movimento Lanceiros Negros. Ela negou com veemência a presença dos artefatos no prédio desocupado.
– Isso só pode ter sido plantado lá. Não temos o mesmo porte de maldade deles - acusa ela.
As narrativas do governo estadual e dos integrantes do MLB, aliás, diferem em tudo. Diversos integrantes do aparato governamental salientam o fato de que vários dos moradores do prédio desocupado eram militantes partidários e não famílias em situação de miséria. Alguns, inclusive, com carro, destaca um integrante do primeiro escalão do governo Sartori. A ocupação seria comandada por conhecidos ativistas do PSOL, PCR e PT. Já o MLB assegura que a maioria dos ocupantes do prédio são pessoas sem teto e sem militância.
O governo estadual também assegura que foram feitas duas reuniões com os integrantes da Ocupação Lanceiros Negros na Casa Civil, cinco audiências de conciliação com presença do Ministério Público e Justiça Estadual e ainda uma reunião coordenada pela juíza que expediu o mandado de reintegração de posse. E que foram ofertadas inscrições em programas habitacionais. Nenhum acordo surgiu, "os ocupantes do prédio se mostravam irredutíveis", resume um dos representantes do governo nos encontros.
Já o MLB garante que, em um ano e sete meses de ocupação não foi recebido pelo chefe da Casa Civil e que jamais foram apresentadas alternativas de habitação para as famílias que invadiram o prédio abandonado do governo.
Ainda não há local definido para abrigar os que foram retirados do prédio da Ocupação Lanceiros Negros. O clima é de animosidade total. De parte da Brigada Militar e do Ministério Público, há grandes chances de processo criminal contra os invasores do prédio, por esbulho possessório (invasão) e posse de armas artesanais. Já de parte dos partidos de oposição e dos militantes expulsos do edifício a intenção é processar o governo por agressão de parte da BM.