O maior golpe da Operação Lava-Jato contra a ex-presidente Dilma Rousseff veio de um casal que partilhou da sua intimidade e catapultou suas duas campanhas vitoriosas ao Palácio do Planalto: os marqueteiros João Santana e Mônica Moura.Em colaboração premiada firmada na Justiça Federal, o casal de publicitários baianos afirma que Dilma e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, estavam cientes de uma série de delitos que viabilizaram campanhas vitoriosas de políticos, no Brasil, Latino América e África.
Dilma, inclusive, teria recomendado ao casal abertura de conta num paraíso fiscal e criado uma conta coletiva de e-mail que, entre outras funções, acabou avisando sobre ordens de prisão dos marqueteiros.
Mônica diz que o caixa 2 (doação empresarial não declarada à Receita Federal) era regra. Malas de dinheiro iam e vinham, no país e no Exterior. Até na sauna foram acertadas propinas.
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Para investigadores da Lava-Jato, a delação dos marqueteiros não tem o tamanho da feita pelos 77 executivos da empreiteira Odebrecht, mas impressiona pela riqueza de detalhes e por outra característica: Santana e Mônica se envolviam diretamente nos pagamentos. "Metiam a mão na sujeira, ao contrário dos engravatados da Odebrecht", define um procurador da República.
Confira abaixo as quatro principais citações a Dilma nas delações do casal, cujo teor foi liberado na quinta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Conta em Cingapura
Mônica Moura diz que a presidente Dilma Rousseff sugeriu em 2015 mudar a conta que o casal de marqueteiros possuía de um paraíso bancário para outro: da Suíça para Cingapura.
– Ela sugeriu uma vez que a gente mudasse para Cingapura, que ela ouviu falar que era um lugar muito seguro, que a Suíça já estava muito (visada) – afirmou a publicitária.
Mônica relatou que Dilma manifestou preocupação com a conta diversas vezes, mas que o casal se recusava a mudar porque entendia não estar fazendo nada errado.
– Ela tinha preocupação com essa conta. Ela me sugeriu uma vez, por que vocês não transferem essa conta para outro lugar? Eu disse que isso não vou fazer de jeito nenhum. Não vou mexer em nada. Não tenho culpa – disse a delatora.
E-mail avisa sobre prisões
Mônica diz que Dilma Rousseff propôs a criação de um e-mail secreto, para driblar a Operação Lava-Jato. A presidente teria dito:
– Precisamos manter contato de uma forma segura para que eu lhe avise sobre o andamento da operação, estou sendo informada de tudo frequentemente pelo José Eduardo Cardozo (então ministro da Justiça).
Mônica afirma ter acertado então um meio seguro de ser avisada sobre o andamento das ações da Polícia Federal, em especial no que referia a ela e o marido, João Santana. Ela mesma criou, no notebook da presidente, na Biblioteca do Palácio da Alvorada, um e-mail do Google (Gmail), com nome e dados fictícios. A senha era de conhecimento das duas e do assessor de Dilma, Giles Azevedo, que acompanhou a criação do e-mail. Foi combinado que novidades sobre a Lava-Jato seriam tratadas por meio da conta – os e-mails nunca seriam enviados, mas ficariam salvos na pasta de rascunhos.
– O que efetivamente ocorreu – assegura Mônica.
O pseudônimo de Dilma era Iolanda, numa referência à mulher de Costa e Silva, presidente do regime militar brasileiro.
A metodologia adotada e combinada foi a seguinte: sempre que a presidente fosse municiada pelo então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo sobre as informações da operação, Giles encaminharia uma mensagem no celular de Mônica com assuntos completamente irrelevantes – como por exemplo, "veja aquele filme", "gostei do vinho indicado", ou qualquer tipo de mensagem de conteúdo fictício. Era o sinal para que a marqueteira checasse os rascunhos no e-mail criado.
Mônica afirma ter sido avisada numa sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016, pelo e-mail secreto, de que já existiam mandados de prisão assinados contra eles pela Lava-Jato.
Cabeleireiro que vale ouro
Na campanha presidencial de 2010, o paulista Celso Kamura foi contratado para ser o cabeleireiro de Dilma Rousseff. Recebia de forma legal, com nota fiscal, pelo trabalho prestado em campanha.
Vitoriosa a eleição, porém, Dilma teria continuado a usar os serviços dele para eventos importantes, e o Palácio do Planalto não poderia arcar com um valor tão alto para arrumar cabelos, comenta Mônica Moura. Não existia rubrica para isso e nem tempo para superar a burocracia de uma contratação.
Foi então, diz a marqueteira, que Anderson Dornelles, assessor de Dilma, solicitou a Mônica que pagasse pelos serviços de Kamura, como uma espécie de favor. Teria feito isso a pedido de Dilma.
Mônica informa ter pago o cabeleireiro diversas vezes, entre 2010 e 2014, de várias formas: na maioria das vezes em dinheiro entregue em espécie no escritório do cabeleireiro em São Paulo, por um funcionário dela. Em outras, reembolsando a assessora da presidente, Marly, através de depósitos bancários.
Na delação, a marqueteira anexa extratos bancários e recibos de voos de Kamura a Brasília, pagos por ela. Cada diária de Kamura (deslocamento e os serviços de cabelo e maquiagem) no Palácio da Alvorada custava em torno de R$ 1,5 mil. Ele teria dispendido em torno de R$ 50 mil em quatro anos.
– Esses favores eram prestados por se tratar de uma cortesia a uma cliente importante para nós. A Dilma, além de presidente, tinha feito a campanha de 2010 conosco e existia a possibilidade de vir a fazer a campanha de 2014 – justifica Mônica.
Uma bolada para Dilma Bolada
Em 2014, no dia 23 de julho, no meio da campanha à reeleição, o publicitário Jefferson Monteiro retirou do ar a página do Facebook Dilma Bolada, paródia criada por ele em homenagem à então presidente e que contava mais de 1,4 milhão de seguidores. Em reunião no comitê central da campanha em Brasília, Mônica soube que Dilma Rousseff estava "furiosa" pela saída de cena do personagem e que esse problema teria que ser imediatamente resolvido pela Polis (agência de Mônica).
– Faltava a eles meio de sanar o problema com a urgência necessária – descreve Mônica.
Ela afirma ter então ligado para Jeferson Monteiro e acertado que um funcionário dela o procuraria para resolver o assunto. Então teria sido utilizada parte dos pagamentos que ela recebia "por fora" (propina em espécie) e realizada a entrega de R$ 200 mil ao criador da personagem, em espécie. Jefferson reativou a página no dia 29 de julho do mesmo ano. Mônica comentou à força-tarefa que fez isso como um ato de boa vontade, pois o contrato da Polis não previa este tipo de responsabilidade.