Tratada como boia de salvação pelo governador José Ivo Sartori, a possível adesão do Estado ao plano de recuperação fiscal em discussão no Congresso terá um preço a ser pago no futuro.
A Secretaria da Fazenda reconhece que o fôlego propiciado por três anos de carência no pagamento da dívida com a União representará, ao final do período, aumento de R$ 10,5 bilhões no passivo – que em dezembro de 2016 atingiu marca de R$ 57,5 bilhões, equivalente a 86,7% da dívida da administração direta, de R$ 66,25 bilhões.
Titular da pasta, Giovani Feltes admite o ônus, mas diz que não há saída. Sem o socorro federal, o secretário afirma que os salários dos servidores do Poder Executivo continuarão sendo parcelados e que o quadro financeiro tende a piorar, apesar dos esforços para conter os gastos.
– É a melhor solução para o Rio Grande do Sul? Definitivamente, não. Mas é a alternativa possível. Estamos no limite – afirma Feltes.
O governo argumenta que, como terá R$ 9,5 bilhões das parcelas não pagas à União para utilizar, o encargo adicional decorrerá de juro e correção, no valor de cerca de R$ 1 bilhão.
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Entidades contrárias à adesão, como o Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado (Ceape-Sindicato), projetam endividamento maior – de R$ 16 bilhões. O cálculo não se resume ao efeito dos juros e da correção sobre o saldo devedor nos 36 meses de suspensão. Inclui, também, o impacto da ampliação do prazo de pagamento em 20 anos, sancionada em dezembro. Na avaliação do presidente do Ceape-Sindicato, Josué Martins, a dúvida sobre o valor exato da conta é "irrelevante" diante do que ele classifica como "questão de fundo":
– Na prática, a dívida já foi paga. É isso que deveria estar sendo discutido. Essa negociação com a União só vai consolidar e aumentar o saldo.
A decisão de Sartori de aderir à proposta, que implica uma série de contrapartidas, é classificada como "inadmissível" pelo presidente do Sindicato dos Técnicos Tributários da Receita Estadual, Carlos de Martini Duarte.
– A União está agindo como aquelas financiadoras que oferecem crédito para negativados. As condições, nesses casos, são péssimas. Aceitar é abraçar o diabo – conclui o sindicalista.
Tanto Martins quanto Duarte consideram o plano em gestação "pior" do que o acordo assinado em 1998, durante o governo de Antônio Britto (PMDB), que federalizou a dívida. A opinião é compartilhada pelo deputado estadual Luis Augusto Lara (PTB), um dos principais críticos do plano.
– Vão nos jogar nas garras de um contrato leonino, que só vai servir para resolver o governo Sartori. E depois? Prorrogar a carência por mais três anos e aumentar ainda mais a dívida? Isso não serve – diz.
Uma das alternativas, segundo ele, seria exigir a compensação pelas perdas da Lei Kandir, principal responsável pelas renúncias fiscais de Estados exportadores, estimadas em mais de R$ 40 bilhões no caso do Rio Grande do Sul. A concretização dessa hipótese, no entanto, é considerada remota.
– Essa história da Lei Kandir não passa de uma miragem. Não está escrito em lugar nenhum que o ressarcimento deve ser integral. A lei nem regulamentada está – ressalta Darcy Carvalho dos Santos, especialista em finanças públicas.
Como o economista Liderau dos Santos Marques Junior, da Fundação de Economia e Estatística (FEE), Darcy concorda que o governo terá um ônus se aceitar o auxílio federal, mas também não vê opção no curto prazo.
– O Estado é um doente em fase terminal. Se não fizer nada, morre. Se fizer o tratamento imediato, que é aderir a esse plano, tem alguma possibilidade de se salvar. É uma troca da morte certa por uma morte provável, com chances de não morrer e de viver por muitos anos – analisa Darcy.
O ideal, segundo Liderau, seria o Piratini poder negociar em melhores condições com o poder central, o que ocorreria se o Brasil tivesse uma lei de falência para Estados e municípios, tal qual os Estados Unidos. Como não é esse o caso, o economista também não vê caminho diferente, mas tem dúvidas se Sartori terá força política para levar a intenção adiante, já que precisará do aval da Assembleia e enfrenta a fragmentação da base aliada.
Um dos maiores entraves, no momento, é a aprovação da proposta de emenda à Constituição que extingue a necessidade de plebiscito para a privatização da CEEE, da Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e da Sulgás, ativos que seriam oferecidos como contrapartida.
– É uma proposta dura, que exige um esforço fiscal enorme do Estado, por anos, e medidas de desestatização. Ao mesmo tempo, apesar de todo o ônus envolvido, é necessária, se quisermos resolver os problemas – avalia Liderau.
Cálculos de impacto
O passivo com a União
Representa 86,7% da dívida da administração direta de R$ 66,25 bilhões, que também é composta por débitos externos (13%) e outros. Em 31 de dezembro de 2016, chegou a R$ 57,5 bilhões.
O fôlego e o preço a pagar
Ao aderir ao socorro federal e receber carência de três anos no pagamento da dívida com União, o Estado terá fôlego de R$ 9,5 bilhões no período.
O dinheiro será usado para pagar em dia servidores, terceirizados e fornecedores, diz o Piratini.
Enquanto isso, a dívida seguirá crescendo, com juro de 4% ao ano e correção pelo IPCA, limitado à taxa Selic.
As projeções de custo
Segundo estimativa preliminar da Secretaria da Fazenda, a dívida com a União deverá ser de R$ 56,2 bilhões em 30 de abril. O valor é menor do que em dezembro, devido à alteração do indexador e a redução do juro, aprovadas no fim do ano.
Se o RS aderir ao plano de recuperação, a dívida poderá chegar a R$ 73,5 bilhões em 2020, considerando IPCA de 4,5% ao ano.
Se não aderir, o valor também vai crescer, mas em menor ritmo, chegando a R$ 63 bilhões na data, já que o Estado continuará pagando as parcelas.
Conforme a Fazenda, a dívida subirá R$ 10,5 bilhões. Mas, para o órgão, o custo adicional decorrerá só de juro e correção, estimado em R$ 1 bilhão (R$ 10,5 bilhões menos R$ 9,5 bilhões que o RS pagaria mesmo sem o novo acordo com a União).
Com base em critérios diferentes, o Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado projeta impacto de R$ 16 bilhões.
Essa estimativa considera a carência de três anos e o IPCA a 4,5% ao ano, mais juro de 4%, além da ampliação do prazo de pagamento em 20 anos, aprovada em 2016, com a correção do saldo devedor.
A Fazenda argumenta que o prolongamento do prazo não tem relação com o plano de recuperação. Por isso, não inclui o item no cálculo.
Plano polêmico
A votação do projeto de lei que cria o Regime de Recuperação Fiscal foi adiada mais uma vez ontem, na Câmara dos Deputados. Ficou para a próxima semana.
Em fevereiro, a União enviou à Câmara dos Deputados projeto de lei que institui o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal.
A proposta servirá de base para os planos de socorro financeiro dos Estados, entre eles o Rio Grande do Sul.
Em troca da suspensão do pagamento da dívida com a União pelo período de três anos, prorrogáveis por mais três, e da viabilização de novos financiamentos, há uma série de contrapartidas.
As exigências incluíam, inicialmente, privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento, redução de 20% dos incentivos fiscais e desistência em ações que questionem a dívida na Justiça, entre outros pontos.
O Piratini considerou parte das exigências excessivas e passou a defender alterações no projeto, cuja votação vem sendo adiada há duas semanas.
Nesta quarta-feira, o Piratini conseguiu obter a alteração de dois pontos do projeto: que a redução de incentivos seja de 10%, e não de 20%, e que as privatizações incluam outras áreas (como imóveis).
A expectativa do Piratini é de aderir ao plano no mês de maio, porém isso ainda dependerá da aprovação no Congresso e da chancela da Assembleia.
O Piratini também precisa privatizar órgãos públicos (como CEEE, CRM e Sulgás), mas, até agora, não tem aval para isso.