Os depoimentos prestados por executivos da Odebrecht ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no início de março trazem novos detalhes de como funcionava o Setor de Operações Estruturadas da empreiteira – conhecido como departamento de propinas – e como os recursos irrigaram a campanha da chapa Dilma-Temer, nas eleições de 2014. O vazamento das declarações, tornadas públicas pelo site O Antagonista, motivou fortes críticas do presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, que exigiu apuração das responsabilidades.
Ao ministro Herman Benjamin, relator do processo de cassação da chapa Dilma-Temer no TSE, o ex-presidente do grupo Marcelo Odebrecht disse, em depoimento no dia 1º de março, que a ex-presidente Dilma Rousseff sabia de pagamentos via caixa 2 para o marqueteiro João Santana, durante sua campanha à reeleição em 2014.
"Ela nunca me disse que sabia que era caixa dois, mas é natural, ela sabia que toda aquela dimensão de pagamentos não estava na prestação do partido", ressaltou o empresário.
Segundo Odebrecht, a empreiteira doou R$ 150 milhões à campanha de Dilma-Temer naquele ano, sendo R$ 50 milhões como contrapartida de uma medida aprovada no Congresso em 2009 de interesse do grupo empresarial. De acordo com o ex-presidente da empreiteira, "talvez quatro quintos" do valor destinado à campanha de Dilma tenha sido via caixa dois. Quem fazia a interlocução do PT com a empreiteira para os pagamentos a Santana, de acordo com Odebrecht, eram os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega.
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Compra de apoio
Em depoimento no dia 6 de março, o ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Alexandrino Alencar afirmou que a empresa pagou R$ 21 milhões em dinheiro a três partidos para garantir apoio e, consequentemente, mais tempo na propaganda eleitoral de TV para a chapa de Dilma-Temer nas eleições de 2014. O dinheiro, via caixa 2, teria sido entregue em hotéis e flats de São Paulo.
Segundo o ex-diretor, PROS, PCdoB e PRB receberam, cada um, R$ 7 milhões. Os pagamentos teriam sido intermediados pelo então tesoureiro da campanha de Dilma, o ex-ministro Edinho Silva.
Movimentação em conta atribuída a Lula
Ao TSE, Marcelo Odebrecht também entregou documentos que apontam o detalhamento da suposta movimentação da conta-corrente do Setor de Operações Estruturadas realizada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre os documentos está uma curta planilha em que aparece o codinome "Amigo", que seria uma referência a Lula. A lista revela que, em 22 de outubro de 2013, o saldo de "Amigo" era de R$ 15 milhões. Já em 31 de março de 2014, o valor passou para R$ 10 milhões – não foi explicado o que foi feito com R$ 5 milhões.
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Repasses ao PMDB
Marcelo Odebrecht deu detalhes do jantar ocorrido no Palácio do Jaburu em 2014, do qual participaram o empresário, o então vice-presidente de Relações Institucionais da empreiteira Cláudio Melo Filho, o então vice-presidente da República Michel Temer e o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil). Na ocasião, foi negociada uma doação de R$ 10 milhões da empreiteira ao PMDB, dos quais R$ 6 milhões abasteceriam a campanha de Paulo Skaf ao governo de São Paulo.
Odebrecht, porém, negou que Temer tenha feito qualquer "pedido específico" na negociação. "Teve um determinado momento, que eu me lembro bem, o Temer saiu da mesa, já no fim do jantar, e aí, eu, Cláudio e Padilha firmamos: 'Oh, tá bom então. Vai ser doado dez, conforme você já acertou com o Cláudio, Padilha; desses dez, seis milhões vou direcionar para a campanha do Paulo, que ele me pediu, e vocês ficam com quatro para direcionar para os candidatos que vocês quiserem' (...) Não me lembro em nenhum momento de o Temer ter falado dos dez milhões, ter solicitado um apoio específico. Obviamente que fica aquela conversa de que: 'Olha, a gente espera a contribuição de vocês; a gente tem aí um grupo que a gente precisa apoiar", disse o empresário.
Em relação aos R$ 4 milhões restantes para outras campanhas, o ex-executivo da Odebrecht José de Carvalho Filho afirmou, também ao TSE, que os endereços para o pagamento dos recursos foram passados pelo ministro Eliseu Padilha. Um dos locais indicados por Padilha foi o escritório de José Yunes, amigo e ex-assessor de Michel Temer.
O pagamento teria sido realizado no dia 4 de setembro de 2014. "Todos os endereços, esses e os outros que eu não me lembro me foram dados pelo Eliseu Padilha", disse Carvalho Filho. "Procurei depois o Eliseu Padilha, no escritório dele, comentei o fato, ele já sabia, evidente, e solicitei dele os endereços que eles poderiam receber e quem fez essa operação foi Operações Estruturadas. A sistemática era: eu chegava para expor até ele e ele me fornecia o endereço, eu transmitia ao sistema de Operações Estruturadas a sra. Maria Lúcia (ex-secretária da Odebrecht), que uns dias depois, me entregava uma senha. Eu pessoalmente entregava essa senha, entreguei essa senha ao senhor Eliseu Padilha", afirmou José de Carvalho Filho, que explicou que a distribuição dos recursos dentro do PMDB cabia ao atual ministro da Casa Civil.
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Belo Monte
Em depoimento no dia 2 de março, o ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura Benedicto Júnior, conhecido como BJ, afirmou que o PMDB recebeu recursos pela obra da usina de Belo Monte. De acordo com BJ, o partido foi o único a ser financiado pelo esquema, já que o então presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, teria feito um veto ao PT.
"Quando recebi o projeto, foi-me informado que havia alguns compromissos assumidos lá na partida. E esses compromissos estavam destinados a dois partidos, sendo que um dos partidos... havia uma orientação de Marcelo de que não deveríamos fazer as contribuições – era o PT. E o PMDB tinha as pessoas que tratavam lá com os executivos anteriores a mim. O que conheço do assunto é isso. Não houve nada ao PT especificamente feito por Belo Monte por orientação do próprio Marcelo", declarou BJ. Questionado sobre os políticos beneficiados, o executivo citou o senador Edison Lobão (PMDB-MA) e "um deputado do Pará".
Funcionamento do setor de propinas
À frente do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht por quase 10 anos, o executivo Hilberto Mascarenhas detalhou ao TSE o funcionamento da área conhecida por distribuir propinas a políticos em contrapartida à participação em obras públicas. De acordo com ele, o Setor de Operações Estruturadas ficava no meio de duas outras áreas da empresa: a de geração de caixa 2 e a de requisição, que reunia as solicitações de pagamentos.
A vantagem da Odebrecht sobre outras empreiteiras, segundo ele, era que a empresa tinha muitas obras no Exterior. Isso, segundo o delator, fazia com que "99,9%" da geração de caixa para o setor fosse feita no Exterior. Em regra, os pagamentos operacionalizados pelo setor no Exterior eram feitos em contas bancárias, enquanto os pagamentos no Brasil eram em dinheiro em espécie.
De acordo com ele, só não eram feitos pagamentos nos Estados Unidos porque era um "país complicadíssimo". "Além de fiscalização rígida, eles se envolvem profundamente quando descobrem que houve alguma circulação de moeda no país deles, independente de a prestação de serviço ter sido fora", disse Mascarenhas.
Por causa disso, a Odebrecht sugeria que os pagamentos fossem em euro. "É uma boa moeda também e não passa pelo Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA). E se você pagar alguma coisa acima de um determinado valor que não é muito alto, qualquer pagamento passa pelo Fed americano. E aí eles querem saber o porquê, o que é isso, por que está pagando", disse o ex-executivo.
Hilberto Mascarenhas também afirmou que não havia diferenciação na empresa entre o que era caixa 2 de campanha e o que era propina. Questionado em depoimento no dia 6 de março, Mascarenhas afirmou que os valores para os dois tipos de pagamentos saíam das mesmas contas do setor abastecidas com caixa 2 da empreiteira.
Mascarenhas relatou ainda ter alertado Marcelo Odebrecht algumas vezes sobre o "volume insano" de movimentações financeiras realizadas pela empreiteira. "Vai dar problema um dia ou outro", teria dito ao patrão.
O ex-chefe do setor de Operações Estruturadas da Odebrecht Hilberto Mascarenhas afirmou ao ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que avisou Marcelo Odebrecht algumas vezes sobre o "volume insano" de movimentações financeiras realizadas pela empreiteira. "Vai dar problema um dia ou outro", disse o executivo ao patrão.
* Zero Hora, com agências