O deputado cassado Mário Jardel disse, em entrevista a um canal esportivo português, na quarta-feira, que foi "punido por fazer as coisas certas". Durante os dois minutos dedicados ao assunto, de um total de 57, ainda errou a data da cassação e o tipo de sessão em que a decisão foi tomada, além de ter dito que estava de férias quando houve a decisão, mas, na verdade, estava de licença alegando depressão.
A entrevista concedida ao Sporting TV exatamente três meses após a cassação na Assembleia Legislativa do Rio de Grande do Sul, durante passagem do ex-jogador por Portugal, onde virou ídolo como goleador.
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Quando o apresentador introduziu o assunto, aos 32 minutos do vídeo, depois de exaltar os gols e os títulos do ex-atacante de clubes como Grêmio e Sporting, Jardel logo disse que "não gostaria de tocar muito nesse assunto". Ele conta que entrou para a política porque foi convidado e, em seguida, que foi cassado. Diz que venceu na Justiça num primeiro momento e que um ano depois perdeu o mandato.
– Em dezembro me cassaram de novo. No dia 24 de dezembro – afirma ele, quando, na verdade, a votação final na Assembleia foi dia 22.
– Por quê? – questiona o apresentador.
Jardel abre os braços, sinalizando não saber, e diz:
– Eu estava de férias... Eles fizeram essa (sessão) extraordinária para me cassar.
A frase contém dois equívocos. O ex-jogador estava afastado da Assembleia desde abril do ano passado, quando pediu 30 dias de licença-saúde para tratar depressão. Além disso, a sessão que culminou na cassação do seu mandato parlamentar foi "ordinária", tendo ocorrido no último dia de votações de 2016 antes do recesso parlamentar.
Jardel acabou sendo condenado sem se defender pessoalmente das acusações reveladas pelo Ministério Público na Operação Gol Contra, deflagrada em 29 de novembro de 2015. As denúncias apuradas dão conta de que Jardel estaria exigindo parte do salário dos funcionários – vídeos comprovaram a irregularidade –, teria falsificado diárias e comprovantes de reembolso de combustível, além de financiar o tráfico de drogas com dinheiro público.
Durante a entrevista ao Sporting TV, Jardel ainda conta que ganhou 43 mil votos por causa da conquista da Libertadores pelo Grêmio, onde "foi o melhor marcador". Em seguida, volta a falar da cassação:
– Eu não vou deixar o político acabar com o ídolo. Eu saio na rua, é um carinho enorme. E eu poderia tá lutando pra voltar, mas eu não acho certo a gente ter uma responsabilidade que eu acho que Deus não me capacitou para isso. E por eu fazer as coisas certas, eu fui punido – diz ele, rindo. – Por isso durmo com a minha consciência tranquila. Graças a Deus.
Jardel contou que está morando em Fortaleza, onde realiza um projeto para jovens jogadores, para quem narra sua história e busca ensinar "o dom do cabeceio". Para o futuro, o ex-deputado diz que quer investir na carreira dentro do futebol, provavelmente como treinador.
– Já tive propostas. Tenho propostas pra vir trabalhar em Portugal, mas eu acho que ainda não é o momento de vir... Tô esperando uma coisa melhor. Posso trabalhar em qualquer área. De futebol eu entendo. Isso é fato. Você bota um papelzinho aqui e eu sei o que fazer. E o melhor de tudo: quando eu entrar eu vou ganhar títulos.
O ex-jogador conceceu outras entrevistas em Portugal e muitos sites estão repercutindo as declarações do "antigo avançado", como era chamada a posição de Jardel no país.
RELEMBRE
O processo de cassação de Jardel em 10 atos
29 de novembro de 2015 – O Ministério Público Estadual deflagra a Operação Gol Contra, com o deputado Mário Jardel (PSD) e membros do seu gabinete como alvos. São feitas buscas na residência do ex-jogador, que é afastado judicialmente do cargo parlamentar. As denúncias apuradas dão conta de que Jardel estaria exigindo parte do salário dos funcionários, teria falsificado diárias e comprovantes de reembolso de combustível, além de financiar o tráfico de drogas com dinheiro público.
3 de dezembro de 2015 – A Comissão de Ética da Assembleia abre investigação sobre a possível quebra de decoro por parte do deputado na Operação Gol Contra.
23 de dezembro de 2015 – O relatório do corregedor da Assembleia, Marlon Santos (PDT), é aprovado por unanimidade pela Comissão de Ética da Casa e é aberto o processo de cassação do deputado Mário Jardel (PSD). No documento, Marlon afirma que o parlamentar foi "agente direto, partícipe contumaz dos atos, e tudo envolve ele e alguns de seus assessores e ex-assessores diretos", quando refere-se às suspeitas envolvendo o deputado.
18 de abril de 2016 – Em meio ao processo de cassação, enquanto diversas testemunhas eram ouvidas e os deputados tentavam agendar o depoimento de Jardel, o parlamentar pede licença-saúde de 30 dias para tratar depressão.
8 de junho de 2016 – A subcomissão de Ética que analisava a situação de Jardel faz relatório pedindo a cassação do deputado. O documento é aprovado por unanimidade e o Projeto de Resolução (PR) que declara a perda do mandato parlamentar é enviado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde também é aprovado.
5 de julho de 2016 – Minutos antes de entrar em votação no plenário, o Projeto de Resolução (PR) que declara a perda do mandato de Jardel é retirado da pauta por decisão judicial. Uma liminar do Tribunal de Justiça (TJ) acolhe pedido da defesa, que alegava que o deputado não tinha sido ouvido no processo.
15 de agosto de 2016 – Em julgamento no TJ, o pleno da Corte decide que o processo de Jardel é nulo por ele não ter sido ouvido.
14 de outubro de 2016 – A Comissão de Ética reinicia o processo a partir do momento em que Jardel deveria ser ouvido. O deputado é notificado para depor, mas não comparece alegando que a avó está doente.
7 de dezembro de 2016 – Por unanimidade, a Comissão de Ética aprovou o novo relatório da Subcomissão Processante que orienta a cassação de Jardel (PSD).
22 de dezembro – Após mais de um ano da abertura da investigação, Jardel enfim é cassado pelos deputados. No total, 51 votaram a favor da cassação e nenhum contra.