Maior e mais robusta investida no combate à corrupção no país, a Lava-Jato está sob ataque. Após condenar 120 pessoas a penas que somam 1.257 anos, a investigação que expôs as entranhas de um bilionário esquema criminoso se tornou alvo dos políticos que tanto fustiga. Enquanto o Congresso volta a discutir a anistia ao caixa 2 eleitoral e o Planalto preserva ministros citados em delações, a operação diminui o ritmo ao passo em que perde delegados que foram fundamentais para desvendar o funcionamento do esquema.
A repercussão dos últimos atos foi tamanha que levou o levou o presidente Michel Temer a fazer um pronunciamento emergencial. Numa convocação à imprensa feita às pressas nesta segunda-feira, Temer negou que haja um movimento do governo para desestabilizar as investigações.
– Quero anunciar em caráter definitivo e talvez pela enésima vez que o governo jamais vai interferir nessa matéria – disse Temer.
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Numa tentativa de mostrar que não irá transigir diante de irregularidades, o presidente anunciou a disposição de afastar ministros que eventualmente venham a ser investigados formalmente pela Lava-Jato. Os auxiliares que forem alvo de denúncia do Ministério Público Federal serão desligados provisoriamente. Se o ministro virar réu, a exoneração será definitiva:
– Quero enfatizar com letras maiúsculas: não há nenhuma tentativa de blindagem.
A mensagem de Temer, contudo, deixou implícita a maneira como ele pretende manter seus ministros mais próximos. Diante da iminente divulgação do conteúdo das delações da Odebrecht, Temer assegura a permanência do governo de quem for citado nos cerca de 900 depoimentos dos 77 executivos da empreiteira. Dessa forma, seus mais influentes conselheiros, o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, citado 45 vezes num única delação, e o ministro da Secretaria-Geral, Moreira Franco, citado 34 vezes, não deixariam o Planalto tão cedo. O próprio Temer é citado.
– O presidente se antecipa porque sabe que há gente no governo implicada nessas delações. É uma atitude preventiva, mas que também busca consolidar as últimas decisões, como o status de ministro concedido a Moreira Franco – avalia o cientista político Gustavo Grohmann, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Com essa postura, Temer ganha tempo. Em maio, quando vieram à tona as gravações feitas pelo ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado, ele demitiu o então ministro do Planejamento Romero Jucá (PMDB-RR), flagrado afirmando que era necessário "estancar a sangria" representada pela Lava-Jato. Somente na semana passada, nove meses depois, o Supremo Tribunal Federal autorizou a abertura de inquérito para investigar Jucá. Se o mesmo ritmo for mantido na condução das delações da Odebrecht, Temer pode concluir seu mandato sem precisar afastar qualquer ministro.
– Há um golpe à Lava-Jato sendo tramado na Câmara e no Senado diante da chamada delação do fim do mundo. É a isso que o presidente Temer está respondendo – diz o cientista político David Fleischer.
A manifestação de Temer ocorreu no mesmo dia em que a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) remeteu carta ao Planalto pedindo a substituição do diretor-geral da corporação, Leandro Daiello. No texto, a entidade acusa Daiello de enfraquecer a Polícia Federal e transferir policiais envolvidos em grandes operações. O trecho não cita a Lava-Jato, mas faz referência ao afastamento delegado Márcio Anselmo, autor do inquérito-mãe e que há três anos estava à frente das apurações.
A saída de Anselmo é mais um ingrediente a conturbar o prosseguimento das investigações, cujo ritmo vem caindo paulatinamente. Policiais e procuradores não escondem a decepção com a inércia dos movimentos de rua que outrora tanto contribuíram para fortalecer a operação. Diante da sucessão de manobras contra a Lava-Jato, eles enxergam ameaças por todos os lados: da indicação de Alexandre de Moraes ao Supremo Tribunal Federal (STF) ao foro privilegiado de Moreira, da preocupação do ministro Gilmar Mendes com as "alongadas prisões" em Curitiba às futuras nomeações de Temer para a chefia do Ministério Público Federal e para o Tribunal Superior Eleitoral.
– Claro que está em curso uma grande operação de autoproteção. Mas o tempo da investigação não é o mesmo tempo da política. Vamos continuar apurando tudo, contra todos – avisa um dos integrantes da Lava-Jato.
SETE FATOS QUE PREOCUPAM A LAVA-JATO
1 - Anistia ao caixa 2
Na madrugada de 24 de novembro, durante a votação do pacote anticorrupção proposto pelo Ministério Público Federal, deputados articularam a inclusão de uma emenda que anistiaria políticos que tivessem praticado caixa 2 em eleições anteriores, o que poderia livrar dezenas de parlamentares de eventuais denúncias dentro da Operação Lava-Jato. Diante da forte reação da opinião pública, os deputados recuaram, e aprovaram o pacote sem incluir a anistia.
O tema, porém, segue em discussão no Congresso, e há a expectativa de que volte a ser incluído na pauta de votações. Indicado pelo PMDB para ocupar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o senador Edison Lobão (MA) afirmou, em entrevista, que considera a anistia ao caixa 2 "constitucional".
2 - Manutenção de ministros citados na Lava-Jato
Michel Temer anunciou nesta segunda-feira que pretende afastar ministros que eventualmente venham a ser denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no âmbito da Lava-Jato, e exonerá-los caso se tornem réus. Enquanto não houver denúncia formal, portanto, os políticos continuarão integrando o primeiro escalão do governo.
Com isso, Temer prepara terreno para a permanência de quem for citado nas delações dos executivos e funcionários da Odebrecht, como o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha (foto), o ministro da secretaria-Geral, Moreira Franco, e o próprio presidente.
3 - Saída de delegado da PF
Em nota divulgada nesta segunda-feira, a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) pede a saída do diretor-geral da PF, Leandro Daiello Coimbra (foto), e afirma que, por falta de apoio da direção, "delegados que coordenavam operações policiais foram deslocados para outras áreas e locais, devido ao esgotamento físico, mental e operacional a que são submetidos".
O comunicado coincide com a saída do delegado Márcio Adriano Anselmo da Lava-Jato. Considerado um dos cabeças da operação, ele foi transferido para a Corregedoria da PF no Espírito Santo, alegando justamente "esgotamento físico e mental" depois de mais de três anos de investigações.
4 - Gilmar Mendes e as "alongadas prisões"
No primeiro julgamento de processos da Lava-Jato após a designação de Edson Fachin como relator do caso no STF, o ministro Gilmar Mendes fez críticas à atuação do juiz Sergio Moro, responsável pelos julgamentos em primeira instância.
– Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba. Temos que nos posicionar sobre esse tema, que conflita com a jurisprudência que construímos ao longo desses anos – disse Gilmar.
A declaração de Gilmar Mendes foi interpretada por membros da força-tarefa da Lava-Jato como uma sinalização de que está em curso uma operação para libertar o quanto antes o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso em Curitiba.
– Ficou claro que Cunha vai falar. E Gilmar parece estar preparando o terreno para começar a soltar o pessoal – especula um dos procuradores envolvidos na operação.
5 - Alexandre de Moraes no STF
A indicação de Alexandre de Moraes ao STF foi alvo de críticas pelo fato de o advogado integrar o primeiro escalão do governo Temer e ser filiado ao PSDB, o que levantaria dúvidas quanto à sua independência no julgamento de questões relativas ao meio político. Caso seja confirmado no Supremo, Moraes se tornaria o revisor dos processos da Lava-Jato na Corte.
Além disso, é vista com preocupação pela força-tarefa da Lava-Jato a articulação de uma ala do PMDB para exigir a indicação de um ministro contrário à possibilidade de prisão para réus condenados em segunda instância. Em 2016, o STF aprovou a medida, por 6 votos a 5. Como Teori Zavascki – de quem Moraes seria o substituto – foi um dos magistrados favoráveis à prisão em segunda instância, há o receio de que o indicado de Temer garanta o voto necessário para reverter o placar.
6 - Foro privilegiado de Moreira Franco
Citado 34 vezes em apenas uma das delações premiadas de executivos da Odebrecht, o peemedebista Moreira Franco (dir.), nome da confiança de Temer e sogro do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi promovido de secretário-executivo do Programa de Parceria de Investimentos (PPI) para o cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República no início do mês.
Ao ser elevado ao status de ministro, Moreira Franco passou a ter, também, foro privilegiado: as eventuais ações a que responderia só poderiam ser julgadas pelo STF. A ação é vista pela oposição e por membros da força-tarefa da Lava-Jato como uma manobra para escapar do juiz Sergio Moro, responsável pelos julgamentos em primeira instância, e foi questionada judicialmente. Três decisões liminares suspenderam a nomeação de Moreira Franco. Duas caíram e liberaram a posse. Na terceira, um juiz do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) permitiu que Moreira Franco seja ministro, mas sem o direito a foro privilegiado. A expectativa é de que o ministro do STF Celso de Mello analise duas ações de Rede e PSOL ainda nesta semana e dê uma decisão definitiva.
7 - Possível troca de comando da PGR
Além de nomear Moraes ao STF, Temer terá até o fim do ano a chance de fazer mais duas indicações para a cúpula do Judiciário e uma para a Procuradoria-Geral da República, que poderão influir na continuidade de sua gestão e no andamento da Lava-Jato. Ainda no primeiro semestre, saem dois ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em setembro, termina o mandato do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Desde o início do governo Lula (2003-2010), o Planalto tem seguido a tradição de indicar o mais votado na lista tríplice da PGR. Janot, responsável pelos processos da Lava-Jato no STF, já manifestou a vontade de concorrer a um terceiro mandato. Como não há impedimento legal para a recondução ao cargo e há na Procuradoria um sentimento de que a manutenção do atual procurador seria benéfica para a continuidade da Lava-Jato, Janot desponta como favorito entre os colegas, a despeito das pretensões de outros candidatos naturais. Caso ele vença a eleição interna, colocará o Planalto numa situação incômoda. Não indicá-lo pode soar como uma tentativa de interferir nas investigações contra políticos com foro privilegiado, uma vez que Janot está à frente da Lava-Jato desde o início.