Mais indícios da ligação do ex-ministro Geddel Vieira Lima com um suposto esquema de corrupção na Caixa Econômica Federal foram apresentados na delação premiada do empresário Alexandre Margotto, ex-sócio do corretor Lúcio Bolonha Funaro – apontado como operador financeiro de Eduardo Cunha. A delação do empresário, homologada na última semana pelo juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, foi obtida com exclusividade pelo programa Fantástico, da Rede Globo.
Ela pode ter impacto na ação penal na qual o próprio Margotto, Funaro, Fábio Cleto – ex-vice-presidente da Caixa –, Cleto, Cunha e o ex-ministro Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) são acusados de negociar suborno para liberar aportes da Caixa em grandes empresas, entre elas a Eldorado Celulose, da J&F.
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A ligação de Geddel com o esquema já havia sido revelada em janeiro, durante a operação Cui Bono, da Polícia Federal. Nessa época, ele já havia deixado o governo em meio a denúncias de uso do cargo para benefício próprio.
Em depoimento prestado à Procuradoria da República no Distrito Federal, Margotto confirmou que o grupo de Cunha operava com Cleto e também com Geddel Vieira Lima, que na época era vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa. Margotto contou que Funaro tinha grande influência sobre Geddel na Caixa, mas não soube especificar a origem da relação entre os dois.
– Não faço ideia. Quando eu cheguei no escritório já tinham esse relacionamento. Segundo o Lúcio, ele mandava no Geddel –, declarou.
O empresário contou ainda na delação premiada que, para Lúcio Bolonha Funaro, Geddel era mais eficiente para o esquema do que Fábio Cleto, com quem Funaro chegou a brigar e ameaçar de morte. De acordo com o depoimento, Funaro ganhou muito dinheiro com Geddel.
– Somente o que Lúcio me comentava, que ganhava mais dinheiro com o Geddel do que com o próprio Fábio –, disse o empresário.
De acordo com o programa Fantástico, Funaro era quem ajudava a pensar o esquema e a administrar o dinheiro. Ele cobrava propina e fazia repasses. O empresário Alexandre Margotto trabalhava diretamente com Funaro, que está preso no presídio da Papuda, em Brasília.
Partilha da propina
Na delação, Margotto chegou a descrever como era feita a divisão da propina, que era separada com base em percentuais. A maior parte do dinheiro deveria ir para Eduardo Cunha, mas outros políticos, como Geddel e Henrique Eduardo Alves – que foi presidente da Câmara e ministro dos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer –, são citados como destinatários da propina. Segundo ele, Cunha receberia 70% e "distribuiria para os outros políticos, como Geddel também".
No caso do desvio de verbas da Caixa para financiar projetos do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, por exemplo, Margotto citou os valores da propina que foram acertados para cada um. Essa obra foi financiada com recursos do fundo de investimento do FGTS, gerido por um conselho com participação da Caixa.
O acordo de Margotto com a Justiça aponta ainda o suposto envolvimento do empresário Joesley Batista, dono do grupo J&F, com as operações irregulares no banco federal.
Ele confirmou duas informações já dadas à Justiça por Fábio Cleto. Para mostrar que o empresário tinha grande intimidade com integrantes do esquema, Margotto relatou uma viagem ao Caribe de Funaro, Joesley e Cleto, acompanhados das namoradas. E uma casa que Joesley teria dado a Funaro, localizada em São Paulo, que, segundo Margotto, valeria mais de R$ 20 milhões.
– Mas conta a história dessa casa. Quanto você sabe dessa casa? – questiona o procurador.
No que Margotto responde:
– Que ela foi feita para o pagamento de dívida de propina. E o Lúcio me falava que, inclusive, não só a casa, mas que já chegou a cogitar de ficar com o jato, já chegou a cogitar de ter outros tipos de pagamento que não em espécie. Mas sei que a casa foi uma delas.
Alexandre Margotto também disse, no depoimento ao Ministério Público, que Funaro ofereceu a Joesley facilidades na Caixa Econômica Federal.
– Eu tenho o vice-presidente da Caixa, ele vai atender às suas demandas com o menor prazo possível, e tudo o que for dentro do que for possível ele vai fazer sob os nossos comandos –, declarou.
Caso de honestidade
O depoimento do empresário revelou também uma surpresa: pela primeira vez o escândalo apontou ao menos uma pessoa que se recusou a praticar corrupção.
É o caso de Flávio Turquino, indicado por Joesley para ocupar um cargo no Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura, já que ele queria colocar um nome de confiança dentro do governo federal.
Após negociação com Funaro e Eduardo Cunha, Turquino foi nomeado ao cargo, em agosto de 2013, o que motivou protestos contra a nomeação política para um cargo sempre ocupado por técnicos do ministério.
À primeira vista, a estratégia deu certo, mas, segundo Margotto, depois Turquino não aceitou as condições do esquema. E com menos de dois meses pediu demissão.
Acusados negam envolvimento
Ao programa Fantástico, a defesa de Geddel Vieira Lima afirmou o cliente não mantém qualquer contato com Alexandre Margotto e que irá prestar esclarecimentos assim que tiver acesso aos autos.
Henrique Eduardo Alves negou que tenha recebido propina, e disse que a acusação do delator é absurda e irresponsável.
A J&F reitera que suas relações comerciais com Lúcio Furnaro são lícitas, legais e devidamente documentadas. Sobre os assuntos que estão sob investigação, a empresa esclarece que está à disposição do Ministério Público Federal e da Justiça caso haja algo a acrescentar. A J&F esclarece ainda que Joesley Batista não teve e não tem qualquer relação com Alexandre Margotto.
Já a Caixa Econômica Federal afirmou que está em contato permanente com as autoridades, prestando irrestrita colaboração com as investigações em curso.
O Fantástico não conseguiu contato com as defesas de Lúcio Funaro, Eduardo Cunha, Fábio Cleto e Flávio Turquino.