Antes mesmo da retirada do sigilo das delações da Odebrecht, o avanço da Lava-Jato corrói o núcleo do Palácio do Planalto. Com a tensão provocada pela iminência dos novos pedidos de abertura de inquéritos junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), os principais escudeiros do presidente Michel Temer dão sinais públicos de atrito e traçam suas próprias estratégias de sobrevivência.
As declarações de José Yunes, que diz ter recebido um "pacote" do doleiro Lúcio Funaro a pedido do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, ilustram o momento vivido no Planalto, que pretendia passar o feriadão do Carnaval no ritmo dos dados positivos da economia, com inflação em queda, redução na taxa de juro e superávit nas contas públicas em janeiro.
A situação abala a harmonia do governo, já prejudicada pela disputa interna por poder. Essa prática é considerada natural dentro do PMDB. Paira o receio por novas baixas na Esplanada a partir de março e análises indicam chance de Temer ficar sem seus nomes de confiança.
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Da formação original do primeiro escalão de conselheiros do presidente, empossada em maio, durante o impeachment de Dilma Rousseff, apenas Padilha e Moreira Franco seguem no governo, ambos desgastados. Recém-empossado ministro na recriada Secretaria-Geral da Presidência, Moreira lida com as críticas de que levou o cargo apenas para ficar com foro privilegiado, uma vez que é citados na delação da Odebrecht.
Padilha enfrenta pedidos de demissão defendidos pela oposição. Líder da bancada do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP), cobrou a saída do gaúcho em nota. Outro escudeiro de Temer, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) deixou o Planejamento após as gravações do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, cuja delação ainda derrubou Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) do Turismo. Antigo secretário de Governo, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) caiu ao tentar usar o cargo para viabilizar um edifício em Salvador (BA).
Yunes, ex-assessor especial, saiu depois do vazamento da delação de Claudio Melo Filho. Durante a semana, ainda houve a saída de José Serra (PSDB-SP), que deixou o Itamaraty alegando motivos de saúde.
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Sobreviventes, Padilha e Moreira não mantêm boa relação. Estão em uma disputa por influência junto a Temer. Com seu genro Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara, Moreira se empoderou, situação que desagrada outros peemedebistas. Na última semana, Jucá e Moreira discutiram via imprensa sobre o posicionamento das bancadas da legenda na reforma da Previdência. Por trás da rusga também passa o rateio de recursos do fundo partidário para quitar dívidas de campanha e financiar as atividades da Fundação Ulysses Guimarães, comandada por Moreira.
Além das disputas no Planalto, Temer ainda precisou lidar com a revolta do PMDB da Câmara, irritado com o espaço dado ao PSDB. Assim, indicou o deputado Osmar Serraglio (PR) para o Ministério da Justiça e emplacou Lelo Coimbra (PMDB-ES) na liderança da maioria na Casa. A opção por Serraglio fez Fábio Ramalho (PMDB-MG) romper com o governo, sinalizando indignação da ala mineira por não ter ministro.
Para superar a Lava-Jato e as crises internas, aliados de Temer avaliam que a chave está em manter as vitórias em votações no Congresso, a exemplo da PEC do Teto e da indicação de Alexandre de Moraes para o STF. O desafio, no momento, é garantir essa maioria nas reformas da Previdência e trabalhista.
– Com todas as dificuldades, houve aumento do Bolsa Família, liberação do FGTS e a economia melhora. O presidente segue aprovando projetos e não se intimida. Um governo com menor poder de articulação estaria paralisado – avalia o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra.