Longas horas dentro do plenário, discursos recorrentes e repetidos, seguidas verificações de quórum. A sessão da Assembleia Legislativa da última segunda-feira, que durou 13 horas e resultou na votação de apenas três dos 26 projetos que compõem o pacote de mudanças deSartori, trouxe à tona novamente uma tática comumente adotada pela oposição: a de protelar ao máximo as votações.
Utilizada em parlamentos ao redor do mundo – nos Estados Unidos, por exemplo, parlamentares já ficaram mais de 48 horas na tribuna para evitar uma votação – ela nem sempre traz os resultados esperados, mas pode servir para colaborar com o debate e, muitas vezes, reverter os votos dos mais indecisos. Mas o que exatamente está por trás dessa estratégia?
Conforme o professor Rodrigo González, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Políticas da UFRGS, a manobra é utilizada principalmente quando a oposição não é maioria, e tem como um dos principais objetivos ampliar a pressão sobre a base aliada ao dar mais tempo para que deputados sejam induzidos a mudar o voto.
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No caso específico do pacote de Sartori, há também a possibilidade de aumentar a pressão da sociedade sobre a votação, apoiando-se nas manifestações que vêm ocorrendo do lado de fora da Assembleia.
– Esse protelamento dá tempo também para que sejam negociadas as retiradas de pontos específicos dos projetos com o objetivo de avançar na votação. Assim, a oposição reduz os efeitos negativos (do seu ponto de vista) dos projetos – complementa o especialista.
Por outro lado, explica González, o governo também se prepara para essa estratégia, incluindo pontos excedentes no pacote de projetos que irá para votação, já prevendo a resistência da oposição, como forma de ter margem de negociação.
É no que acredita também o cientista político Bruno Lima Rocha. Professor de Relações Internacionais da Unisinos, Rocha explica que essa é uma das manobras regimentais mais comuns, e que existe desde a criação do parlamento:
– Uma pauta votada com celeridade quase sempre vai ao encontro do mais forte. Quanto mais o debate for prolongado e quanto mais houver comoção social, mais a oposição ganha força para dividir a base do governo. Com isso, no caso do pacote Sartori, pode conseguir, por exemplo, salvar alguma fundação. Ou seja, não aprovar o pacote na íntegra.
Para tal, além dos longos discursos, a oposição aposta no artifício da conferência de quórum, que consiste em verificar, de tempos em tempos, a quantidade de parlamentares presentes na sessão:
– Muitas vezes, apesar de o plenário registrar o número suficiente de parlamentares no momento da conferência, ao longo das horas de sessão, os deputados saem. Por isso o pedido para checar recorrentemente o quórum. Caso não haja número mínimo de deputados presentes, a sessão não pode continuar. Então, perde-se tempo buscando os políticos que estão pelos corredores – explica González.
Rocha acredita, ainda, que o período em que está sendo realizada a votação do pacote Sartori esteja influenciando a estratégia da oposição, por ser final de ano e véspera semana de recesso parlamentar:
– Esta também é uma jogada política, pois, se adiada (a votação), dá tempo de aumentar a circulação de informações sobre alguns pontos do projeto, como, por exemplo, o das fundações. As pessoas têm mais tempo para analisar quais os reais benefícios de extinguir ou mantê-las.
Em contrapartida, explica González, o governo quer aprovar ainda no final deste ano o pacote para que, durante o verão, o impacto das medidas seja absorvido pela sociedade e o ano inicie em um clima mais pacífico:
– Se deixar para votar em fevereiro ou março, o impacto será muito grande, pois é época de início do ano letivo.
Oposição ainda busca reverter votos
Apesar de reconhecer que a tática acaba por protelar a votação, o deputado Luiz Fernando Mainardi, líder do PT na bancada, afirma que a principal motivação dos longos discursos é o fato de o governo não ter dialogado com "absolutamente ninguém" sobre os projetos:
– Não debateram com a sociedade, com os poderes, sindicatos. Por isso, utilizamos o espaço regimental para fazer esse diálogo, uma vez que o governo foge do debate. Estamos usando uma prerrogativa que temos pois é a forma de expor para a sociedade as nossas opiniões.
Além disso, Mainardi acredita que o governo já está em um processo de perda de base e que esse protelamento pode fazer com que aumentem os números contrários a várias medidas propostas.
Já o líder do governo na bancada, Gabriel Souza (PMDB), apesar de reconhecer como legítima a estratégia de retardar ao máximo a votação, não acredita que ela vá mudar os votos dos deputados.
Para Souza, a repetição do discurso da oposição não trará efeitos práticos para o resultado final do pacote:
– Mais importante do que a velocidade da votação é a direção que ela está tomando. Pelo que vejo, está no caminho certo, de aprovação dos projetos. O governo já demonstrou que tem maioria, e a sociedade, também em sua maioria, está apoiando as propostas.