Homem de confiança e colega de partido do governador José Ivo Sartori (PMDB), o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, insinuou que o recebimento de recursos via caixa 2 é uma prática generalizada em campanhas políticas, e deu a entender que as atuais restrições à doação de empresas a partidos e candidatos tendem a fortalecer candidaturas ligadas a atividades ilícitas, como o tráfico de drogas e o jogo do bicho. As manifestações foram feitas na última segunda-feira, durante palestra promovida pela Associação Comercial e Industrial de Carlos Barbosa, e publicadas pelo Jornal Contexto, do município na Serra.
– Vamos ser francos, entre nós, em casa, em off pessoal. Anjo não se elege nem vereador em Carlos Barbosa. A gente tem que tirar, afastar essa hipocrisia. Pessoal, eu tenho 10 eleições nas costas, 12 anos de vereador desde os meus 18 anos. Eu não perdi uma eleição, graças a Deus, sou filho de peão de fábrica. Não falo isso para (inaudível), falo isso porque a cada dois, quatro anos, estou fazendo um baita de um concurso. Então, fui 12 anos vereador, fui 12 anos prefeito, fui 12 anos deputado estadual, (inaudível) deputado federal. Em off, "me dá uma mão para a campanha? Sim, mas aqui eu tenho R$ 5 mil, R$ 1 mil, R$ 10 mil, R$ 50 mil (inaudível), mas não coloca o meu nome aí na tua prestação de conta". Quem dizia que não? Tá bom. Precisa. Tinha que acabar um pouco com essa hipocrisia.
Feltes disse que a última campanha foi "menos suja" – neste ano, começou a vigorar a nova lei eleitoral que impede a contribuição de empresas para partidos e candidatos. Diante de uma plateia de comerciantes e políticos locais, o secretário sugeriu, porém, que as restrições poderiam beneficiar candidatos ligados a atividades com recursos não contabilizados, como jogo do bicho, tráfico de drogas e igrejas.
– Vou depor contra mim. Quem tem dinheiro de caixa 2 que não contabiliza nunca? Jogo do bicho. Então eles podem eleger vocês. Igrejas de qualquer credo, tráfico. Já pensaram nisso? Em off: em Novo Hamburgo elegeram um traficante para a Câmara de Vereadores. Eu conheço outras cidades que também elegeram. Lá é dos Manos, mas deve ter alguém dos Bala na Cara eleito para vereador em alguma outra cidade que não se sabe. E a gente não quer saber de política. Desculpa a provocação, mas todos temos um pouco de culpa nessa (inaudível).
As declarações foram registradas pelo Jornal Contexto em áudio, ao qual Zero Hora teve acesso. À reportagem de ZH, o secretário disse que se referia a distorções provocadas pela mudança na legislação eleitoral e rejeitou ter recebido caixa 2 ao longo de sua trajetória política.
– Eu sempre digo que anjo não se elege, porque o eleitorado também não tem uma postura angelical. Historicamente, nos períodos passados, antes dessa legislação, dificilmente alguém deixaria de utilizar recursos que eventualmente estivessem à disposição para bancar gasolina, locar um veículo, alguma coisa assim. Você tem uma legislação hoje que é bastante positiva, que diminuiu bastante os custos de campanha, mas que produz efeitos, na minha ótica. Existem algumas áreas de atuação, como, por exemplo, o jogo do bicho e o tráfico de drogas, que, se quiserem, podem utilizar esse dinheiro e eventualmente colocar candidatos a ocupar cargos públicos.
Questionado se suas declarações insinuavam que todos os políticos recebem contribuições via caixa 2, Feltes recuou:
– Não estou dizendo isso. Eu não posso dizer que a maioria fez, mas dificilmente alguém diria "não", mesmo precisando de recursos para a campanha, e para a campanha tão somente, alguém diria "não" e rejeitaria. Não admitir que isso possa ser bastante razoável ou verdadeiro seria uma certa hipocrisia, acreditar que todo mundo diria "não". É isso que eu quero dizer, um pouco contra essa hipocrisia que existe do ponto de vista político, usando alguns exemplos.
Após Feltes conceder a entrevista, a Secretaria da Fazenda divulgou nota oficial em que "lamenta que frases esparsas e sem vinculação com o tema principal (da palestra) acabaram ganhando repercussão", e argumentou que o secretário fez as declarações "de maneira genérica, sem vinculação a um fato objetivo e específico". "O secretário reconhece que foram colocações fora do contexto e infelizes", diz o texto.
Veja a íntegra da nota da Secretaria da Fazenda:
"Na última segunda-feira (12), a convite da ACI (Associação Comercial e Industrial) de Carlos Barbosa, o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, realizou palestra abordando a situação das finanças públicas e os desafios para colocar o Rio Grande do Sul em um patamar de equilíbrio fiscal.
Falando por quase duas horas para uma plateia formada por empresários da cidade, o secretário tratou dos problemas estruturais do Estado, traçou uma retrospectiva histórica sobre as medidas já adotadas por diferentes governos e destacou os projetos que buscam a reforma do Estado ora em análise pela Assembleia Legislativa.
Como tratou-se de uma explanação longa, o secretário lamenta que frases esparsas e sem vinculação com o tema principal acabaram ganhando repercussão após publicadas por um jornal local, mesmo com o alerta preliminar de que se tratavam de manifestações em caráter reservado.
São expressões que o secretário se utilizou de maneira genérica, sem vinculação a um fato objetivo e específico. O secretário reconhece que foram colocações fora do contexto e infelizes.
Porto Alegre, 14 de Dezembro de 2016."