O plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) autorizou nesta quarta-feira, 23, que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) devolva R$ 100 bilhões ao Tesouro Nacional, que havia emitido títulos para então fazer o aporte na instituição. Os recursos, enfatizou a corte de contas, devem ser utilizados para abater a dívida pública, que desde setembro supera o patamar inédito de R$ 3 trilhões.
O julgamento sobre a regularidade da operação havia sido suspenso em 26 de outubro, depois do pedido de vista feito pelo ministro Vital do Rêgo. Nesta quarta, ele declarou voto favorável.
– Manifesto concordância integral com relator Raimundo Carreiro. A medida deve contribuir para redução do estoque da dívida – disse Vital do Rêgo. – Não há ofensa ao artigo 37 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), desde que recursos sejam utilizados para abatimento da dívida pública.
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Vital do Rêgo frisou, assim como o parecer de Carreiro, que o dinheiro deve ser utilizado integralmente para o abatimento da dívida. Na semana passada, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, chegou a dizer que os recursos devolvidos pelo banco poderiam compor uma equação de socorro aos Estados, que enfrentam grave crise financeira. Depois, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, negou a hipótese.
– Está mais do que claro que os recursos devem ser usados para pagar dívida pública, e não, como já foi noticiado, ser abocanhado para pagar 13º salário de Estados que pediram ajuda ao governo federal – disse Carreiro.
Segundo o relator, todos órgãos federais foram ouvidos no processo e, portanto, essa questão "está muito clara".
Recursos
Carreiro notou em seu parecer que o próprio BNDES apontou que tem condições de devolver os recursos, uma vez que possui um "colchão de liquidez" próximo a R$ 150 bilhões. Nos planos do governo, o banco de fomento fará a devolução em três parcelas, uma de R$ 40 bilhões neste ano e outras duas de R$ 30 bilhões em 2017 e 2018. A presidente do banco, Maria Silvia Bastos Marques, já afirmou que um primeiro pagamento maior não pode ser descartado.
Segundo os auditores do TCU, a operação pretendida pelo governo "não parece se enquadrar" no artigo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que proíbe o recebimento antecipado de valores de instituições controladas pela União. Durante a discussão, alguns ministros avaliaram a operação sob a mesma ótica.
Os ministros também criticaram a operação que originou a dívida - sucessivas emissões de títulos pelo Tesouro que injetaram mais de R$ 500 bilhões no BNDES. A legalidade dessas emissões está sendo analisada em outro processo pelo TCU, bem como a regularidade do pagamento de R$ 40 bilhões em dividendos à União. O objetivo é apurar se há necessidade de devolução desses recursos pelo Tesouro ao banco.
Carreiro pediu ainda que seja autuado novo processo de representação sobre a legalidade de distribuição de participação de lucros entre 2011 e 2015 para os funcionários. Segundo cálculos da área técnica, foram pagos R$ 978 milhões aos servidores no período (cerca de R$ 125 mil por funcionário).
– Isso pode ser mais uma contabilidade criativa. Os recursos vão para o banco e depois retornam como dividendos – disse o ministro Augusto Sherman, demonstrando apoio.
Subsídios
Segundo cálculos da área técnica, os recursos injetados pelo Tesouro no BNDES e que ficaram ociosos (encarteirados) no banco custaram R$ 7,4 bilhões aos cofres públicos entre 2008 e 2014. Esse custo ocorre por causa do custo implícito envolvido na operação – o Tesouro emite títulos no mercado e paga taxa Selic (hoje em 14% ao ano), independentemente do repasse dos recursos via empréstimos (a TJLP, sempre inferior à Selic e hoje em 7,5%) ou de ficarem depositados.
Em outubro, cinco ministros, além do relator, já haviam declarado voto favorável à devolução, formando a maioria necessária para dar aval à operação.
– Não teria a mínima dúvida de adiantar meu entendimento de que esse repasse (do Tesouro ao BNDES) foi inteiramente ilegal à luz da LRF – disse o ministro Walton Alencar na ocasião. Segundo ele, a operação de agora seria, então, apenas "anulação" da transação anterior.
O ministro Benjamin Zymler chegou a afirmar que a instituição de fomento vem lucrando às custas do contribuinte e de "agiotagem de títulos da dívida pública".
– A simples estocagem garante um lucro extraordinário. Eu soube que esse lucro permite que o BNDES pague quatro salários aos seus funcionários como participação de lucros. Esse é um bom negócio. Não haveria problema, se não fosse às custas da sociedade brasileira e do aumento da dívida pública – afirmou na sessão de outubro.
*Estadão Conteúdo