Apesar da perspectiva de recuperação da economia em 2017, os prefeitos que irão assumir o comando dos 497 municípios gaúchos, a partir de 1° de janeiro, terão mais uma vez um ano de cobertor curto pela frente. A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) projeta queda de R$ 353 milhões nos repasses da União, por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que é a principal fonte de receita especialmente para médias e pequenas cidades.
Nos últimos cinco anos, as perdas com o FPM somam R$ 3,4 bilhões, de acordo com a entidade. É a diferença entre o valor projetado e o que, de fato, é repassado para as prefeituras pelo governo federal. O problema é que o orçamento é construído em cima dessa estimativa que acaba não se confirmando. Dados do Tesouro Nacional indicam que os municípios gaúchos deverão receber R$ 5,38 bilhões em 2017, o que daria aumento de 12,7% em relação a 2016.
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Na avaliação da assessora técnica da Área de Receitas Municipais da Famurs, Cinara Ritter, esse crescimento de quase 13% dificilmente irá se confirmar. No melhor dos cenários, se houver alta moderada do FPM, ainda assim a defasagem ficará na casa dos milhões.
Devido à crise econômica e à consequente queda na arrecadação da União, as transferências do governo federal deverão fechar em queda em 2016 pelo segundo ano consecutivo. Mesmo com o extra da repatriação de recursos, que rendeu R$ 356 milhões para as prefeituras gaúchas, o volume global será 3,2% menor do que o repassado em 2015.
Para o economista François de Bremaeker, gestor do Observatório de Informações Municipais, 2017 será mais um ano de penúria para os municípios. Ele lembra que o FPM é a principal fonte de recursos para 80% das prefeituras.
– Há uma perspectiva de melhora da economia, mas é possível que só dê para colocar o nariz para fora da água no final de 2017. Os prefeitos terão de fazer o máximo de economia, cortando gastos supérfluos para preservar saúde e educação. Mesmo assim, certamente os investimentos irão sofrer – avalia Bremaeker.
Entidade negocia venda da folha de pagamento
Levantamento realizado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) em outubro, após o primeiro turno das eleições, mostrou que 372 municípios do Rio Grande do Sul – ou 74,8% do total – estavam com as contas no vermelho. As dificuldades financeiras, aliás, fizeram com que muitos prefeitos desistissem de concorrer à reeleição no Estado: mais de um terço dos que estavam aptos (126 no total) não quiseram pleitear um segundo mandato.
Para fechar as contas e evitar parcelamento de salários, a Famurs negocia a venda da folha de pagamento de cerca de 400 prefeituras, operação que pode render cerca de R$ 200 milhões extras ainda neste ano. Presidente da entidade, Luciano Pinto diz que a principal orientação para os novos gestores é que "tenham cautela". Segundo ele, o enxugamento da máquina, com cortes no número de secretarias e cargos de confiança, deverá ser uma tendência em 2017.
– Por isso, é importante um novo pacto federativo. O bolo tributário tem de ser melhor distribuído. Hoje, a cada R$ 100 que se arrecada, R$ 18 é dividido entre 5.568 municípios, R$ 25 entre 27 Estados e o restante fica para um só. Há desigualdade muito grande com essa centralização de recursos no governo federal – diz.
De acordo com o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, a conjuntura que ele classifica como "terrível, quase caótica", ainda pode piorar com a aprovação da chamada PEC do teto de gastos, que tramita no Senado como proposta de emenda à Constituição (PEC) 55.
– O projeto será uma pá de cal nas prefeituras. Não vai ter dinheiro novo para nada por pelo menos 10 anos – lamenta Ziulkoski.
Corte à vista no funcionalismo
Assim que for empossado prefeito da segunda maior economia do Estado, Daniel Guerra (PRB) pretende cortar pelo menos metade do atual quadro de cargos em comissão (CCs) e extinguir os chamados penduricalhos nos salários desses funcionários. A prefeitura de Caxias do Sul tem pouco mais de 7 mil servidores, dos quais 292 são CCs. Com essas medidas, espera economizar cerca de R$ 20 milhões por ano.
Essa verba, segundo o prefeito eleito, é suficiente para abrir a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Zona Norte, que foi concluída em 2014, mas segue fechada. A meta é manter a UPA funcionando 24 horas, sete dias por semana.
Formado em Direito e especializado em gestão, Guerra, que está no segundo mandato como vereador no município da Serra, promete fazer um governo de austeridade para lidar com a crise que provocou fechamento de empresas e desemprego na cidade. O prefeito eleito também planeja reduzir de 18 para 16 o número de secretarias, além de rever contratos com terceirizados e cortar "drasticamente" os recursos destinados para publicidade e festividades:
– O atual momento requer prioridade, e a gente tem que fazer o dever de casa. Tem que haver enxugamento, a máquina tem de ser mais eficiente para que os recursos da população sejam investidos.
Além da queda no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e no atraso em repasses do Piratini para a área da saúde, a previsão é de que ocorra baixa de 10% no ICMS, o que significaria R$ 100 milhões a menos no caixa municipal. Embora as medidas planejadas não tenham grande impacto, Guerra procura manter o otimismo.
– Quem despreza pouco, não vai conseguir nunca chegar a muito – afirma.
Caxias do Sul
População: 474.853
Orçamento de 2016: R$ 1,8 bilhão
FPM: R$ 49,4 milhões (2,7% do orçamento)
Desafio para equilibrar as contas
Em razão da crise financeira, a pequena São Pedro das Missões, no noroeste do Estado, teve um único candidato a prefeito. Mesmo ciente das dificuldades e apesar da preocupação de familiares, o advogado Antônio Reginaldo Ferreira da Silva (PP) decidiu arriscar e disputar um cargo público pela primeira vez na vida.
O objetivo, segundo ele, é contribuir com a melhoria da qualidade de vida dos cerca de 2 mil habitantes do município.
Quase metade da receita de São Pedro, que foi emancipada de Palmeira das Missões em 2001, depende do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – o orçamento neste ano é de R$ 11 milhões. Equilibrar as contas públicas será o principal desafio do futuro prefeito. Silva afirma que irá cortar todos os 20 cargos em comissão (o que corresponde a 10% do quadro de funcionários da prefeitura) e reduzir de oito para cinco o número de secretarias.
Hoje, como o município gasta 58% da sua receita corrente líquida, percentual acima do permitido pela lei de responsabilidade fiscal, que vai de 51,3% a 54%, o prefeito eleito diz que terá que rever a contratação de professores – 12 docentes foram convocados recentemente.
Para melhorar a economia municipal, Silva pretende pressionar o governo do Estado para que a obra do acesso asfáltico saia do papel, já que a falta de pavimentação afastaria investidores. Outra meta é buscar recursos em Brasília para a construção de um "berçário industrial" voltado para agroindústria.
– É preciso que haja planejamento para que os municípios deixem de ser tão dependentes de recursos do governo federal. Queremos incrementar a produção. A gente precisa dar incentivos e criar mecanismos para que as pessoas, os jovens principalmente, não abandonem o campo – afirma o prefeito eleito.
São Pedro das Missões
População: 1.984
Orçamento de 2016: R$ 11 milhões
FPM: R$ 5,6 milhões (50,9% do orçamento)