As ocupações em mais de 180 campi de universidades por todo o país, incluindo pelo menos 38 cursos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), são a face mais visível de uma nova configuração do movimento estudantil brasileiro.
Depois de enfrentar período de pouca unidade e visibilidade na década passada, recuperou força a partir dos protestos de junho de 2013 e hoje é impulsionado pela maior proximidade entre secundaristas e universitários, bandeiras de luta renovadas e estratégias de mobilização descentralizadas. Com esse novo perfil, busca garantir protagonismo em um período de manifestações contra o governo federal como as realizadas na sexta-feira.
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Um dos motores da nova militância é a tomada de escolas, prédios de faculdade e institutos federais – criticada por parcela dos estudantes por suspender as aulas. Esse modelo de enfrentamento surgiu em 2006, no Chile, durante a chamada Revolta dos Pinguins. O nome é referência ao uniforme usado por alunos do Ensino Médio que decidiram se apoderar dos colégios para cobrar mudanças no sistema educacional. A estratégia foi repetida pelos chilenos em 2011 e, quatro anos depois, importada para o Brasil via São Paulo com auxílio de um manual traduzido do espanhol.
Do Sudeste, se espalhou para outros Estados como o Rio Grande do Sul, onde dezenas de estabelecimentos foram tomados no primeiro semestre.
A visão de muitos militantes universitários, que hoje se encastelam nas faculdades contra reformas propostas por Michel Temer, é de que os "secundas" – como são chamados os secundaristas no jargão estudantil –, tomaram o leme da luta educacional. O que ocorre agora nos campi é, também, uma tentativa de recuperar espaço.
– Houve inversão de hierarquias. Pelas experiências recentes dos secundaristas, eles deram um passo à frente em relação aos universitários. Agora, estamos em uma relação mais próxima – analisa o ex-coordenador do Diretório Central dos Estudantes da UFRGS Matheus Gomes.
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Na atual onda de ocupações nos campi, adolescentes do Ensino Médio chegaram a dar orientações aos colegas mais velhos sobre como se organizar. Uma delas foi Scheila Azevedo, 19 anos, aluna da Escola Estadual República Argentina.
– A gente falou sobre a importância da organização, com divisão em tarefas de limpeza, de comunicação, e de dar destaque às reivindicações – conta Scheila, que manteve contatos informais com graduandos de Biologia da UFRGS.
A capacidade de mobilização do movimento, que reuniu mais de 5 mil pessoas na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em assembleia que decidiu apoiar as ocupações, na quinta-feira, também reflete novo mecanismo de articulação. Em vez de aguardar e seguir convocações de líderes estaduais ou nacionais, cada curso, faculdade ou universidade marca assembleias e define o rumo a ser tomado.
Nenhuma resolução é adotada sem passar pelo crivo dos próprios ocupantes. Para o cientista político e professor da Unisinos Bruno Lima Rocha, isso privilegia a "ação direta" nos estabelecimentos de ensino e reduz o nível de influência de correntes e partidos sobre as decisões:
– A novidade é o método, a radicalidade e a democracia de base. Estudantes que não faziam política estão participando e massificando as ocupações.
O engajamento é estimulado pelo atual cenário político. A ascensão de Temer à Presidência favoreceu a aproximação de movimentos de esquerda no ambiente estudantil. Em meados dos anos 2000, sob a gestão do PT, por exemplo, os universitários divergiam sobre a proposta de reforma do Ensino Superior. As correntes mais ligadas ao governo da época e aquelas mais hostis aos petistas, vinculadas a PSTU e PSOL, dividiram-se e chegaram a organizar congressos separados para avaliar o tema no Estado.
Agora, compartilham bandeiras de luta. O principal alvo do alunado é a proposta de emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos públicos – que na Câmara recebeu o número 241 e agora, no Senado, é a 55 –, mas também os projetos da reforma do Ensino Médio e da Escola sem Partido. A pauta sensibilizou até colegas de instituições particulares como a PUCRS, que se somou à nova onda incluindo algumas reivindicações próprias, a exemplo do combate ao aumento de mensalidades.