O ex-ministro da Cultura Marcelo Calero afirma ter gravado conversas nas quais se sentiu pressionado a resolver o problema pessoal do ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima. Entre os áudios, estaria um diálogo com o presidente da República, Michel Temer.
No eco da divulgação, diversos líderes, do senador Aécio Neves ao ministro da Justiça Alexandre Moraes, e ao próprio presidente Temer, questionaram a gravação. Em coletiva de imprensa, realizada neste domingo, o presidente classificou a atitude de Calero como "agressiva", "irrazoável" e "clandestina".
Será que a atitude do ex-ministro é ilegal?
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No entendimento do doutor em Direito Processual e diretor da Faculdade de Direito da UFRGS, Danilo Knijnik, a gravação feita por Calero não é ilegal. Mesmo sem conhecer o teor da conversa, o professor se baseia na seguinte diferenciação, com base na Lei de interceptação telefônica (9.296/1996), que define os procedimentos relativos à autorização para a gravação lícita de conversas de terceiros.
É crime
– Escuta telefônica: ocorre quando uma terceira pessoa, que não participa da conversa, capta a comunicação telefônica sem autorização judicial. Esse tipo de gravação é ilícito e, portanto, não pode ser usado como prova em processos, seja feito por alguma autoridade pública ou não.
Não é crime
– Intercepção telefônica: é quando a gravação é feita por um terceiro com autorização de um juiz. Ou seja, a autoridade entende, por meio de elementos e indícios, que há crime e que a captação é necessária para uma investigação.
– Gravação telefônica: é quando a captação do áudio (ou mesmo de vídeo), seja por meio do telefone ou ambiental (em um restaurante, por exemplo), é feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. Ou seja, não há a participação de um terceiro. Essa modalidade não depende de autorização judicial e tem precedentes aceitos pelo STF. Pode ser discutível do ponto de vista ético ou comportamental, mas é legal e pode ser admitido como prova.
Mesmo partindo do pressuposto de que a gravação foi legal, em entrevista ao Fantástico, Calero se defendeu. Disse que não marcou reunião especificamente para isso e alegou que todas as gravações feitas foram com o intuito de "se proteger".
O professor da PUCRS e advogado criminalista Aury Lopes Júnior também não vê crime na atitude do ex-ministro de gravar a conversa com Temer. A única ressalva é que, se alguma informação sigilosa fosse falada no diálogo, a situação poderia mudar.
– Não se pode confundir interceptação telefônica com gravação de um dos interlocutores. A interceptação é quando tem A e B conversando e C, escutando. Ele (Calero) pode fazer isso (gravar), ainda que moralmente essa conduta possa ser censurada. Crime, não é, a não ser que envolvesse informações sigilosa e ele divulgasse o teor. Existe a Lei de Segurança Nacional, que é muito genérica, mas diz respeito a questões que envolvem sigilo – explica.
A atitude era necessária?
De acordo com Knijnik, muitos especialistas defendem que o que legitima uma pessoa gravar a própria conversa é o direito de defesa. Ou seja, o interlocutor registra o áudio para se proteger de alguma situação atual ou futura.
O problema, afirma o professor, é quando alguém grava um diálogo utilizando de "induzimento", ou seja, quem grava provoca que o outro participante fale determina coisa.
– Muitos tribunais americanos consideram como ilicitude quando uma pessoa arma um mantrap, que pode ser traduzido como "cilada", pois a pessoa insiste, induz ou provoca o outro. Nesse caso, algumas decisões consideram que a prova pode ser questionável. Aqui no Brasil, já temos alguns precedentes, mas é uma situação rara – explica Knijnik.
O professor afirma que, sem conhecer o teor da gravação entre Calero e Temer, não é possível afirmar se houve induzimento ou não. No entanto, o próprio ex-ministro diz que a conversa foi meramente "burocrática". Knijnik pondera:
– Essa prática tem que ser admitida com certo cuidado, com pena de instaurar uma desconfiança generalizada das conversa "normais" e causar uma sensação perturbadora de estarmos sendo constantemente gravados. É uma prática legal, mas é preciso ser admitida com parcimônia.
Colaborou Juliano Rodrigues