O ex-advogado-geral da União Fábio Medina Osório disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que sofreu uma "tentativa de desconstrução pública" depois do ajuizamento de ação de improbidade contra empreiteiras envolvidas na Lava-Jato. Demitido pelo presidente Michel Temer, Medina disse que não foi "subserviente" à Casa Civil e lançou dúvidas se a sua sucessora, Grace Mendonça, terá "autonomia" à frente da pasta.
– Ninguém que está no Poder tem cheque em branco para governar – afirmou Medina.
O ex-advogado-geral da União também disse que o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, concentra tantos poderes a ponto de se tornar um superministro.
– Um governo com superministro acaba mal – disse Medina, em entrevista por e-mail.
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Confira a entrevista:
O sr. credita à atuação da AGU na Lava-Jato o seu desgaste com o governo. Os problemas começaram após o pedido de compartilhamento dos inquéritos sobre a Lava-Jato que tramitam no STF?
Não pude aceitar uma tentativa de ingerência, especialmente do ministro Padilha, na minha atuação. Ele tem um ponto de vista distinto do meu e a divergência se tornou inconciliável. Reconheço que para ele também meu estilo se tornou perturbador. Não fui um AGU subserviente.
Mas o que efetivamente aconteceu?
Houve um processo de tentativa de desconstrução pública da imagem do AGU. A AGU ajuizou esta ação (de improbidade contra empreiteiras na Lava-Jato) sem consultar a Casa Civil, e tal circunstância criou enorme desgaste interno no governo. Houve uma brutal investida da máquina governamental contra o AGU. Não tive acesso ao presidente Temer nesse período de gestão.
O sr. avisou o governo que pediria ao STF acesso aos inquéritos contra políticos para viabilizar ações de improbidade?
Não avisei o governo, pois entendi que era atribuição inserida na autonomia técnica do advogado-geral da União. Minha dúvida é se a nova AGU terá autonomia para acessar esse material ou protocolará uma petição de reconsideração.
O sr. fala que o governo quer abafar a Lava-Jato. Quem no governo quer abafar a Lava-Jato e por quê?
O ministro Padilha não quer a AGU atuando nessa área, pois entende que o Ministério Público já cumpre este papel. É uma visão política sobre o tema. Ele entende, certamente, que a AGU deve atuar mais ao lado do governo e menos na área de ataque àqueles que lesam o patrimônio público federal, pois existem outras instituições que já estariam a cumprir essa missão. No entanto, como expliquei ao ministro Padilha, a lei atribui à AGU esse papel.
Como analisa o empenho do atual governo no que diz respeito ao combate à corrupção e apoio à Lava-Jato?
Não posso avaliar outra esfera senão a da AGU. O governo não quer, aparentemente, a atuação da AGU ajuizando ações de improbidade administrativa na Lava Jato.
O sr. encaminhou relatórios defendendo a regularidade das chamadas "pedaladas fiscais" em 2015, base do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. No entanto, em maio, deu testemunho a favor do impeachment. Qual seu posicionamento com relação ao impeachment de Dilma?
Encaminhei esses relatórios produzidos por outros órgãos por força de um protocolo que assinamos com a ex-presidente Dilma para lhe garantir os direitos de defesa junto ao TCU. Meu posicionamento sobre impeachment é claro: teve base legal e constitucional, e no mérito foi o melhor caminho para o Brasil. Não houve golpe algum. E o STF não deverá modificar o julgamento do Senado, pois o próprio fatiamento envolve o mérito do julgamento. Porém, ninguém que está no Poder tem cheque em branco para governar. Se alguém – e qualquer um que seja – cometer um ilícito funcional, deverá responder por seus atos. Essa regra deve valer também para o atual governo.
Recebeu alguma manifestação por parte do governo após as declarações à revista Veja?
Nenhuma manifestação. O presidente Temer não deve se pautar por fofocas nem alimentar intrigas palacianas. O fato de Padilha concentrar tantos poderes, como superministro, é certamente um equívoco. Um governo com superministro acaba mal. O cargo de AGU não é um "carguito" e não pode ficar em posição subalterna no governo.
Pretende tomar alguma atitude em relação a essa demissão?
Esse assunto é página virada do ponto de vista pessoal. Espero sinceramente que o governo Temer tire o Brasil da crise que se encontra e que a nova AGU consiga exercer na plenitude suas atribuições legais e constitucionais. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.