Em depoimento gravado na investigação da Operação Lava-Jato sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o delator e ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT-sem partido-MS) contou como se deu o início da parceria PT-PMDB no governo federal. Segundo Delcídio, durante o mensalão, Lula "abraçou" o PMDB para evitar o risco de sofrer seu próprio impeachment.
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O ex-senador declarou que no início da gestão Lula, o governo era "muito hermético" e ligado aos partidos que tinham levado o petista à Presidência.
– Quando sobreveio o mensalão, ele (Lula) percebe que ele se arruma ou ele poderia ser impichado, inclusive. Uma tese que era defendida desde o início do governo pelo ex-ministro José Dirceu (era) que o PMDB deveria participar ativamente da base do governo. O próprio José Dirceu trabalhou nisso. Quando o José Dirceu foi levar essa aliança para o Lula já combinado com o PMDB, o Lula não topou. Aí veio o mensalão – contou Delcídio.
À Procuradoria da República, o ex-senador relatou:
– Quando veio o mensalão, o Lula fez uma revisão das posições que ele vinha assumindo. Dizendo assim: ou eu abraço o PMDB ou eu vou morrer. Quando aí o PMDB veio fortemente para o governo. Estabeleceu tentáculos em toda a estrutura de governo. Não foi só na Petrobras, não. Assumiu Ministério de Minas e Energia, Eletrobrás, o setor elétrico, que nos governos anteriores era feudo do PFL, passou a ser feudo do PMDB.
O Ministério Público Federal questionou Delcídio Amaral se "houve um acordo para poupar o presidente Lula do impeachment" e se "havia essa possibilidade".
"Havia essa possibilidade", Delcídio responde.
"Ali havia um risco muito grande de ele ser impichado."
Delcídio relatou ainda a retirada dos nomes do ex-presidente Lula, e de seu filho Lulinha, do relatório final da CPI dos Correios.
– Na reta final, existia o relatório que estava sendo preparado e propunha, entre outras coisas, o indiciamento do presidente Lula e de um dos filhos dele. Acho que é o filho mais velho, o Lulinha por causa da questão da Gamecorp com a antiga Telemar se eu não estou enganado. Dentro de uma composição que foi feita, na véspera da votação do relatório, esse indiciamento... Esse tira e põe faz parte do dia a dia do Congresso. Não é uma coisa específica só da CPI dos Correios – declarou.
"Isso acontece no dia a dia em outras CPIS. Em sessões das Comissões de Fiscalização e Controle e que acompanha conta de governo. Não é uma coisa excepcional. Independentemente do acordo que foi feito para que a gente concluísse a CPI e com resultado, porque havia um risco muito grande de a gente perder o controle do processo e perder um trabalho de onze meses, um trabalho forte, foi feito um acordo. Os indícios e a documentação que a CPI levantou, um eventual impeachment do presidente Lula não terminaria ali. Ele poderia continuar, porque nós fizemos um trabalho forte, nós rastreamos dinheiro desde que saiu do Banco do Brasil, quando foi para as empresas do Marcos Valério. Depois quando sai das empresas do Marcos Valério e vai irrigar as contas do partido. Tudo isso estava rastreado. Existia uma operação forte comandada pelo próprio Marcos Valério, que era uma espécie de braço armado do próprio Delúbio (Soares) para alimentar as estruturas partidárias. Mesmo tendo havido um acordo que passou por todo mundo, pelo menos pelos principais líderes na CPI, existiam argumentos suficientes para dar continuidade a um processo de afastamento."
Bastidores
Em sua deleção, o ex-deputado Pedro Corrêa (ex-PP/PE) revelou bastidores da organização criminosa que tomou o controle da Petrobras.Corrêa atribuiu a Lula diálogos que colocam o petista no centro do esquema de loteamento dos cargos graduados da estatal petrolífera. O relato do ex-deputado é uma das peças que a Procuradoria usa na denúncia formal contra o ex-presidente, a quem acusa de "comandante máximo do esquema de corrupção".
"O controle de todo esquema criminoso por Lula ficou muito claro quando, em 2006, antes das eleições, Pedro Corrêa e José Janene (então presidente do PP e idealizador do esquema de propinas na Petrobras) foram apresentar para Lula reivindicações de novos cargos e valores que seriam usados em benefício de campanhas políticas" afirma o Ministério Público Federal.
Na ocasião, Lula teria negado os pleitos, segundo a delação de Pedro Corrêa:
– Vocês têm uma diretoria muito importante, estão muito bem atendidos financeiramente. Paulinho tem me dito.
Paulinho, segundo a denúncia, é Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, que inaugurou a rede de propinas da estatal. Sua diretoria era controlada pelo PP de Janene.
Preso em março de 2014, Costa fechou acordo de delação premiada cinco meses depois.Segundo Pedro Corrêa, naquela reunião em 2006 Lula disse ainda que "Paulinho tinha deixado o partido muito bem abastecido, com dinheiro para fazer a eleição de todos os deputados".Em um trecho de seu depoimento, Pedro Corrêa destacou:
"O Governo Lula aparelhou cargos nas esferas estaduais pertencentes à União (delegacias de ministérios, etc) para a companheirada do PT. Aí foi necessário a negociação com cargos mais altos em empresas públicas para as agremiações da base aliada."
Contraponto
A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva rebateu as declarações do ex-senador Delcídio Amaral e do ex-deputado Pedro Corrêa.
Por meio de nota, a equipe de defesa de Lula afirmou que "as declarações não têm qualquer valor jurídico e não alteram o fato de que o Ministério Público Federal (MPF) apresentou denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (14/06/2016) sem qualquer prova".
Veja a íntegra da nota:
"As declarações de Delcídio do Amaral e Pedro Correa tornadas públicas hoje (16/09/2016) pela Operação Lava-Jato não têm qualquer valor jurídico e não alteram o fato de que o Ministério Público Federal (MPF) apresentou denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (14/06/2016) sem qualquer prova. É indefensável que a Lava-Jato faça uma denúncia usando declarações formuladas pelo já condenado Pedro Correa em processo de complementação de delação premiada no qual não consta referência de homologação judicial.
Já a delação premiada de Delcídio Amaral foi negociada com o MPF sem a observância do requisito da voluntariedade (Lei nº 12.850, art. 4º), uma vez que o ex-senador narrou à repórter Malu Gaspar, da Revista Piauí, em junho, que o processo de delação premiada foi iniciado após ser ele trancado em um quarto sem luz na PF de Brasília, que enchia de fumaça do gerador do prédio:
'Aquilo encheu o quarto de fumaça, e eu comecei a bater, mas ninguém abriu. Os caras não sei se não ouviram ou se fingiram que não ouviram. Era um gás de combustão, um calor filho da puta. Só três horas mais tarde abriram a porta. Foi dificílimo'.
Lembrou o senador, meses depois, durante um almoço na casa do irmão. Também deixou de cumprir o caráter sigiloso até a denúncia, tal como assegurado pela lei (Lei nº 12.850, art. 7º, §3º) e pelo próprio acordo de colaboração, uma vez que o teor da delação foi vazado à revista Istoé, em edição antecipada para 03.03.2016.
E o conteúdo da narrativa de Amaral não é confirmado por qualquer prova, além de ser incompatível com o conteúdo de outras delações premiadas sobre o mesmo tema.No lugar da observância do devido processo legal, parece vigorar a opção dos Procuradores da Lava-Jato pelo linchamento midiático e político, prática inaceitável à luz da Constituição Federal e dos Tratados Internacionais que o Brasil ratificou e se obrigou a cumprir".
*Estadão Conteúdo