Em 46 minutos de pronunciamento no Senado, no qual se emocionou ao citar as torturas sofridas sob o regime militar e a luta contra um câncer, a presidente afastada Dilma Rousseff reafirmou sua inocência por crime de responsabilidade e disse que está tendo o mandato cassado pelo "conjunto da obra".
Consciente de que dificilmente irá evitar o impeachment, Dilma fez um discurso contundente e, se evitou citar o nome de seu vice e presidente interino, Michel Temer, por duas vezes atribuiu o afastamento à disposição de não ceder às chantagens do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Dilma começou o discurso lembrando que foi eleita por 54 milhões de votos. Citou trechos do juramento de posse, no qual jurou cumprir a Constituição, mas reconheceu ter cometido erros e descumprido promessas de campanha.
– Tenho defeitos e cometo erros. Mas entre os meus defeitos não está a deslealdade e a covardia. Não traio compromissos que assumo, os princípios que defendo ou os que lutam ao meu lado – afirmou.
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Alegando ser vítima de uma acusação arbitrária e injusta, Dilma disse que as chamadas pedaladas fiscais não constituíam crime quando os decretos de suplementação orçamentária foram editados. Segundo ela, os decretos foram publicados em julho e agosto de 2015, enquanto o Tribunal de Contas da União só teria alterado seu entendimento sobre a legalidade dos atos em outubro de 2015. Lembrou ainda que presidentes que antecederam, como Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, haviam editado decretos semelhantes.
A petista disse que o atual julgamento não respeita o devido processo legal, ao lembrar que os senadores divulgaram seu veredicto antes mesmo do final do processo, embora tenha manisfestado respeito pelos julgadores por “chegaram aqui pelo voto, mesmo voto popular que me conduziu à Presidência”.
Com o plenário lotado por senadores e deputados federais, Dilma não foi interrompida em nenhum momento, seja pelos parlamentares ou pela plateia que assistia ao depoimento das galerias, onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acompanhava a performance da pupila sentado entre o compositor Chico Buarque e o jurista Marcelo Lavenère, autor do pedido de impeachment de Fernando Collor.
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Em vários momentos, Dilma comparou o processo de impeachment ao período em que foi presa e torturada, no final dos anos 1960, por combater a ditadura militar. Disse que, pela segunda vez, a democracia estava sentada com ela no banco dos réus, e apelou à consciência dos julgadores, ao prever que “todos seremos julgados pela história”.
– Não esperem de mim o silêncio obsequioso dos covardes. No passado, com as armas, e hoje, com a retórica jurídica, pretendem novamente atentar contra a democracia e contra o Estado de Direito – comentou.
Ao finalizar o pronunciamento, marejou os olhos ao dizer que por duas vezes havia lutado pela vida, "quando fui torturada por dias seguidos, submetida a sevícias que nos fazem duvidar da humanidade e do próprio sentido da vida; e quando uma doença grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado minha existência". Dizendo-se vítima de um golpe, num último apelo ela se dirigiu aos senadores indecisos, pontuando que uma condenação política exige crime de responsabilidade cometido de forma intencional, o que alega não ter feito.
– Não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira. Façam justiça a uma presidenta honesta, que jamais cometeu qualquer ato ilegal, na vida pessoal ou nas funções públicas que exerceu. Peço: votem contra o impeachment. Votem pela democracia – suplicou.
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* Zero Hora