A solução para a derrocada das finanças das prefeituras, na avaliação de representantes de entidades municipais, vai além da superação da crise econômica no país.
– O problema é estrutural e está relacionado à lógica da concentração, enraizada no Brasil há séculos. É isso o que precisa mudar – sustenta Paulo Ziulkoski, da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Tanto ele quanto o presidente da Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs), Luiz Carlos Folador, defendem a repactuação, junto ao governo federal e aos Estados, das atribuições das prefeituras e das verbas a elas destinadas.
– Nossa proposta é alterar gradativamente o pacto federativo. Seria um processo de 10 anos. Ninguém precisa perder para o outro ganhar – pondera Folador.
Debruçado há mais de três décadas sobre o tema, o economista François Bremaeker, do Observatório de Informações Municipais, acompanha o debate com ceticismo.
– Os prefeitos reclamam do pacto federativo há mais de 20 anos. Essa discussão já se tornou inócua. Precisamos falar é de despactuação e não de repactuação. Aumentar a quantidade de recursos para os municípios é improvável, porque simplesmente não há mais recursos. A saída é devolver encargos à União e aos Estados – diz.
Desde que o Palácio do Planalto anunciou o acordo de renegociação da dívida com os governadores, no dia 20 de junho, os prefeitos iniciaram uma campanha exigindo igualdade de tratamento. O presidente interino Michel Temer chegou a afirmar que haveria margem para a renegociação dos passivos municipais, mas voltou atrás.
No último dia 30 de junho, a fim de atenuar o mal-estar criado pelo recuo, membros da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) foram recebidos por ministros para apresentar demandas. Nada ficou definido.
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– A União estendeu a mão aos Estados, então é natural que os prefeitos exijam isonomia. Eles também atravessam a tempestade. Enquanto a recessão não passar, vão continuar com problemas – diz o especialista em finanças públicas Raul Velloso.
Para o prefeito José Fortunati, vice-presidente da FNP, mais importante do que renegociar as dívidas seria a União atualizar a tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), defasada há anos. Ela define quanto é repassado aos municípios pelos serviços prestados no setor.
– O que me aflige é garantir atendimento ao cidadão. Hoje, 45% dos pacientes que estão nas emergências da Capital são do Interior. Não vamos deixar de receber ninguém, mas precisamos de ajuda – alega Fortunati.
A degeneração das contas federais é o principal entrave às reivindicações municipais. Dificilmente, segundo o economista Fernando Ferrari, da UFRGS, todos os pedidos serão atendidos.
– A situação fiscal do governo federal é muito ruim. Ainda tenho dúvidas se o acordo com os Estados será de fato cumprido na totalidade – afirma Ferrari.
Na tentativa de amenizar a aflição dos gestores, Tribunal de Contas do Estado (TCE) e Famurs realizaram 11 reuniões regionais ao longo do primeiro semestre com prefeitos em todo o Estado. O objetivo, conforme o presidente da Corte, Marco Peixoto, foi pedagógico:
– Nosso compromisso tem sido o de orientar os gestores sobre o fechamento das contas no último ano dos mandatos.
A falta de perspectiva diante de soluções definitivas exigirá mais do que boa vontade de quem pretende concorrer em outubro. A tendência, segundo entidades como Famurs e CNM, é de que o número de chapas diminua em relação às eleições anteriores.
– Ninguém quer ser prefeito para ser xingado e cobrado o tempo todo e ficar de mãos amarradas. Isso certamente vai pesar na decisão – avalia o economista Eugenio Lagemann, da UFRGS.
A conclusão é corroborada por políticos como o prefeito de Restinga Seca, Mauro Schünke (PDT). Servidor da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), ele entrou na vida pública tardiamente, aos 40 anos. Hoje, aos 51, está arrependido. Passa os dias "contando moedas" e mal consegue pagar sem atraso os salários dos funcionários.
– Cortei tudo o que podia e ainda assim a situação é inviável. Não há o que fazer. Se depender de mim, não quero mais nem passar na frente da prefeitura – diz Schünke.