Enquanto a maior parte dos municípios optou por fazer cortes para sair do vermelho, Rolante, no Vale do Paranhana, manteve a aplicação de recursos em melhorias como pavimentação, construção de quadras esportivas, saneamento e educação. A combinação entre o custo dessas iniciativas e a queda de 22% nas transferências estaduais e federais levou a cidade a registrar, em termos proporcionais, o mais elevado déficit orçamentário do Estado em 2015 (quando o total de despesas empenhadas, incluindo repasses à Câmara e demais órgãos municipais, superam as receitas realizadas): conforme registros do TCE, o município empenhou despesas 34,2% superiores aos ganhos no período.
– Não poderíamos parar o município. A economia é um ciclo. Se parar de investir, as dificuldades ficam ainda maiores – argumenta o prefeito Ademir Gonçalves (PDT).
Está em construção, por exemplo, uma nova escola com 12 salas de aula para cerca de 400 alunos a um custo de R$ 3,6 milhões – com 75% de verba federal e 25% de contrapartida de Rolante. Prevista para ficar pronta no ano que vem e receber estudantes a partir de 2018, deverá atender crianças como Marcos, seis anos, filho do pastor evangélico José Luís Mucke, 44 anos.
O menino passa todos os dias pela frente da obra a caminho do colégio onde estuda atualmente, localizado a pouco mais de cinco quadras. Anseia pelo dia em que bastará atravessar a rua para frequentar o novo estabelecimento com laboratórios de ciência, informática e quadra poliesportiva.
– Quero estudar na escola nova, acho que vou ter mais colegas – planeja Marcos.
O estabelecimento vai receber turmas do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, enquanto outra escola localizada nas proximidades, já existente, vai concentrar alunos do 6º ao 9º ano.
Para manter investimentos como esse, que somaram R$ 6,4 milhões no ano passado – quando foram licitados ou contratados 22 novos projetos em Rolante –, o município empenhou R$ 17 milhões além de sua receita, segundo dados do TCE. Essas despesas ajudaram a realizar 13 obras de pavimentação, duas quadras esportivas, um ginásio, um centro de cultura e a ampliar o sistema de esgoto.
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O prefeito contesta a metodologia usada no cálculo. Afirma que a maior parte dos débitos resulta de verbas da União que ainda não chegaram para custear obras em andamento. Enquanto o recurso não vem, o valor pendente é contabilizado como "desequilíbrio orçamentário" pelo tribunal. Ele admite dívidas próprias de R$ 3,8 milhões em 2015, que estariam sendo quitadas.
Em uma tentativa de reduzir o desequilíbrio, a prefeitura cortou despesas próprias. A exemplo de Dom Pedro de Alcântara, o número de secretarias foi reduzido de 12 para apenas quatro: Assistência Social, Educação, Obras e Agricultura. O restante funciona sob responsabilidade dos servidores de carreira. A expectativa é de que as contas comecem a se equilibrar neste ano, e o município volte a ficar no azul apenas em 2017.
Rolante busca exemplos em outras cidades para criar projetos capazes de incrementar a economia e alavancar a receita municipal. Um deles, inspirado em Essen, na Alemanha, é a criação do programa Desenvolvimento Econômico Local (DEL), pelo qual representantes da sociedade formam câmaras técnicas em áreas como saúde, turismo e segurança a fim de elaborar políticas públicas mais eficientes.
Outra novidade em elaboração é a criação de um observatório social, com representantes de diferentes entidades do município, a fim de acompanhar e fiscalizar licitações e obras e aumentar o nível de transparência do setor público.
– Ninguém precisa reinventar a roda – afirma Ademir Gonçalves.
Maioria no azul, mas com cortes
A maior parte dos municípios gaúchos escolheu um caminho diferente do adotado por Rolante em 2015: fazer cortes para conseguir equilibrar o orçamento. Em 354 cidades (71%), as receitas foram maiores do que as despesas totais empenhadas, incluindo as verbas direcionadas às Câmaras e aos demais órgãos municipais. Embora o número seja positivo, não significa que as coisas vão bem.
Para equilibrar a balança, a maioria das gestões teve de adotar soluções radicais, como puxar o freio nos investimentos, fechar as portas em determinados horários e cortar quadros. Foi o que fez o prefeito de Dom Pedro de Alcântara, no Litoral Norte, Marcio Dimer Biasi (PP).
Sem ter de onde tirar dinheiro para honrar os compromissos, Biasi mandou toda a equipe embora, com exceção do titular da Secretaria Municipal de Obras. Hoje, é mais um a integrar o grupo de gestores decididos a não disputar a reeleição.
– Abri três creches e ampliei a oferta de serviços públicos. Se concorrer de novo, terei de subir no palanque e perguntar aos meus eleitores qual creche eles vão querer fechar e qual serviço será cortado, porque vão faltar recursos. Se eu fizer isso, vão me crucificar – diz o prefeito.
As dificuldades de Biasi repetem-se em outros lugares, inclusive em muitos dos 143 municípios gaúchos (28,8%) que amargaram déficit orçamentário no Rio Grande do Sul, como Rolante. Levando em conta dados do Observatório de Informações Municipais de 2014, o quadro piorou. Naquele ano, segundo a entidade, 10,5% de 4,9 mil prefeituras brasileiras haviam registrado rombo nas contas. No Estado, o índice era de 3,6%.
Um dos motivos pelos quais os prefeitos penam, diz o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, é o subfinanciamento de convênios firmados com os Estados e a União. No caso do governo federal, ele lista 393 programas, incluindo a Estratégia de Saúde da Família e as Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs).
– Os prefeitos são incentivados a aderir, mas não têm noção de quanto vai custar na prática. Acabam tendo de botar mais recursos do que imaginavam para manter essas iniciativas, desequilibrando as contas, e assim, involuntariamente, se tornam maus gestores – afirma Ziulkoski.
O déficit que algumas prefeituras apresentam deve-se, em parte, à falta de repasses estaduais ou federais para pagar obras realizadas em parceria. De acordo com a CNM, a tendência é de que o número de municípios no vermelho aumente no fim deste ano, atingindo a marca de 60% das administrações no país.
O prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, não esconde a preocupação. Finalizou 2015 com saldo positivo de R$ 231,3 milhões em caixa, mas ainda não sabe se conseguirá repetir o feito em 2016.
– A situação é desesperadora. Se conseguirmos chegar ao fim do ano pagando a folha dos servidores em dia já será um grande feito. Pelo que sabemos, existem cerca de 500 prefeituras atrasando salários no Brasil – ressalta Fortunati.
Por aqui, uma pesquisa da CNM realizada em abril revelou que 97,5% dos gestores estão sentindo os efeitos da crise e 92,9% já tomaram medidas para enfrentar a situação. Ao todo, 233 Executivos municipais reduziram o número de funcionários, 238 mudaram horários de expediente, 409 cortaram despesas com custeio, 228 demitiram CCs e 186 atrasaram pagamentos a fornecedores.