Às vésperas de completar um ano preso, o empresário Marcelo Bahia Odebrecht, ex-presidente da maior construtora do Brasil, acertou a adesão ao expediente da delação premiada na Procuradoria-Geral da República (PGR). O acordo deverá envolver também outros ex-dirigentes da empreiteira alcançados pela Operação Lava-Jato. Ao longo de meses, confissões se tornaram as mais temidas em Brasília: são os próprios políticos que dizem que as revelações não deixarão pedra sobre pedra, atingindo os principais partidos e lideranças políticas do país.
Em Brasília, não é raro presenciar conversas reservadas de parlamentares assustados com a delação da Odebrecht. Mais intimamente, José Sarney (PMDB-AP), sem saber que estava sendo gravado, falou ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado que as confissões da empreiteira são "metralhadora ponto cem". Em conversa com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Machado disse que "não escapa ninguém de nenhum partido". E completou:
– Do Congresso, se sobrar cinco ou seis, é muito. Governador, nenhum.
Leia mais
Odebrecht assina pré-acordo de delação premiada
Quem é Marcelo Odebrecht, o principal empresário condenado pela Lava-Jato
Presidente da OAS formaliza acordo para delação premiada, diz jornal
A delação da companhia, especulada há meses, somente agora se confirma. Inicialmente, a Odebrecht resistiu, adotou postura de ataque à Lava-Jato. Enquanto isso, as demais investigadas foram aderindo em troca da atenuação de penas. Executivos de Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, UTC Engenharia, Toyo Setal e Carioca Engenharia delataram o esquema de corrupção na Petrobras. A Odebrecht foi ficando para trás. E isso dificultou o acordo: quanto mais sabiam das engrenagens do esquema a partir de outros colaboradores, mais os investigadores exigiam da Odebrecht. Já não bastava narrar fatos seminais ou já conhecidos.
– É necessário que eles tragam elementos novos. Para fazer a delação, precisa ter novidade. Outro requisito é que o colaborador tem de falar sobre tudo, não pode fazer colaboração parcial. Se houver suspeita de que está escondendo algum assunto, não pode ser feito acordo. É preciso tempo até que se saiba com certeza que nada está sendo escondido – diz um investigador da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba, que acompanhou as negociações com a Odebrecht.
Acertada junto à PGR, a delação deverá ser homologada por Teori Zavascki, relator dos processos da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). Os trechos que fizerem menção a políticos com foro privilegiado serão mantidos sob responsabilidade da célula de investigação de Brasília. O que for relacionado a suspeitos sem essa condição, como empresários, operadores e homens públicos sem mandato, será remetido para Curitiba.
Expectativa de respingos tanto para Dilma quanto para Temer
As previsões sobre o poder de fogo da delação decorrem do fato de que a Odebrecht – assim como tantas outras empresas – nunca foi ideológica ou partidária nas suas doações. Está registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que a companhia conservou o hábito de repassar dinheiro a distintos partidos e lideranças. Daí o indicativo nas rodas de conversas entre políticos de que as principais agremiações serão atingidas: somente em 2014, milhões chegaram às contas de PT, PSDB e PMDB. O que a empreiteira terá de esclarecer é se as doações eram de fato legais ou usadas para maquiar dinheiro de propina originária de contratos da Petrobras.
O governo do presidente interino Michel Temer também poderá ser atingido e ter a imagem mais desgastada (leia mais na página 10). Diversos membros do PMDB fazem parte de inquéritos da Lava-Jato. Ontem, o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, um dos investigados, afirmou que "cada um vai ter que dar explicações do tamanho do problema que tiver". E disse que "ninguém é insubstituível". O ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, investigado pela Lava-Jato, é apontado como mais um que está na corda bamba.
A eventual comprovação de que dinheiro ilegal abasteceu a campanha de Dilma Rousseff e Temer em 2014 poderá fazer avançar o processo de cassação da chapa de ambos que tramita no TSE, sob argumento de abuso de poder econômico. A lista da Odebrecht em que constam os nomes de mais de 200 políticos de 24 partidos, todos agraciados com verbas da empresa, apreendida pela Lava-Jato, também tem chance de ser esclarecida.
Responsável pela defesa de Dilma no processo de impeachment, o ex-minstro José Eduardo Cardozo diz não estar preocupado com a delação. Afirma que, assim, ficará "evidenciado que não houve nenhuma situação irregular na campanha de 2014".
O QUE PODERÁ SER DETALHADO
João Santana
A Odebrecht teria feito pagamentos do marqueteiro João Santana pelos serviços prestados na campanha de 2014, quando ele trabalhou pela reeleição de Dilma Rousseff. Em conversa gravada pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, o ex-senador José Sarney afirma que a delação premiada da Odebrecht poderia atingir diretamente Dilma. Isso porque ela teria, conforme Sarney, solicitado pessoalmente que a empreiteira fizesse o pagamento do seu marqueteiro. A investigação apura se ele recebeu us$ 7,5 milhões em conta secreta no Exterior, dinheiro que teria origem na corrupção da Petrobras. Santana e a mulher, Monica Moura, estão presos desde 23 de fevereiro.
Listão de políticos
Nas operações contra a Odebrecht, a Polícia Federal apreendeu uma tabela que lista pagamentos feitos pela empreiteira a mais de 200 políticos de 24 partidos. Os documentos foram revelados em março deste ano e, horas depois, o juiz Sergio Moro decretou sigilo. Constam no material o nome de diversas pessoas com foro privilegiado, muitas delas identificadas pela Odebrecht por apelidos jocosos. Os repasses teriam relação com as campanhas de 2010, 2012 e 2014. Não era possível afirmar, contudo, se as doações haviam sido feitas por vias legais ou se eram caixa 2.
Departamento da propina
A lava-jato apurou que a Odebrecht contava com um "departamento da propina", onde funcionários teriam atribuições claras a respeito de procedimentos de pagamentos ilegais. O sistema era sofisticado e contava supostamente com um software secreto, utilizado para colocar em prática a contabilidade paralela.
Campanhas eleitorais
A Odebrecht foi uma das empresas que mais contribuíram para as campanhas de Dilma Rousseff (PT) e de Aécio Neves (PSDB) na eleição presidencial de 2014. Candidatos do PMDB e de outros grandes partidos também receberam. A empresa poderá esclarecer se os repasses foram legais ou se era dinheiro desviado da petrobras.
Palestras e instituto
Entre 2011 e 2014, conforme a Polícia Federal, a Odebrecht pagou quase R$ 4 milhões à empresa de palestras do ex-presidente Lula, a LILS. Alguns pagamentos foram feitos ao Instituto Lula. O que a Odebrecht poderá esclarecer é se os recursos foram repassados mediante prestação de serviço ou se eram favores concedidos ao petista.
Sítio de Atibaia
A Odebrecht reformou um sítio em Atibaia que é usado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus familiares – a suspeita é de que ele seja o dono. Funcionários da empresa trabalharam no local e, somente em materiais, a construtora teria gasto cerca de r$ 500 mil. A reforma do local seria uma retribuição da Odebrecht a Lula por uma suposta atuação em favor dos interesses da empresa em países da África e da América Latina. Em países como Angola e Cuba, a Odebrecht realizou vultosas obras contando com financiamentos do BNDES.
Veja os desdobramentos da Lava-Jato: