Enquanto o Brasil debate a necessidade de reformar a Previdência para torná-la mais sustentável e os Estados modificam regimes próprios de aposentadoria com o mesmo objetivo, algumas distorções históricas permanecem intactas aos olhos dos legisladores.
Se hoje um cidadão brasileiro médio precisa somar 95 anos, no caso dos homens, e 85, no caso da mulheres, entre idade e tempo de contribuição, para receber do INSS, no máximo, R$ 5.189,82, ainda há, no Rio Grande do Sul, uma casta de privilegiados que obtiveram aposentadoria vitalícia com apenas oito anos de trabalho. É o caso de integrantes do Fundo Estadual de Previdência do Parlamentar (Feppa), criado em 1972 para garantir pensões a deputados após o fim dos mandatos e que custou, nos últimos 10 anos, R$ 91,7 milhões ao Estado. Os dados foram obtidos por Zero Hora por meio da Lei de Acesso à Informação.
A comparação com os mais de 46 mil pensionistas do Instituto de Previdência do Estado mostra o quão confortável é a situação dos parlamentares do Feppa. A média paga aos pensionistas do Estado é de R$ 3,9 mil mensais, enquanto os 46 atuais membros do fundo recebem, em média, quase quatro vezes mais:
R$ 14,9 mil. Entre os agraciados, há ocupantes de cargos públicos, como os deputados Ibsen Pinheiro (estadual) e José Fogaça (federal) – ambos do PMDB –, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Algir Lorenzon e o governador José Ivo Sartori. Dos quatro, Fogaça abriu mão da pensão ao assumir a vaga na Câmara. Quando foi convocado, enviou carta à Secretaria da Fazenda dizendo que não queria receber durante o período em exercício do mandato. Ibsen, por sua vez, optou por manter o recebimento da pensão do Feppa e renunciou ao subsídio parlamentar.
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Até o fim de 2004, o Feppa tinha gestão própria e contava com recursos da Assembleia para se sustentar. Na prática, o fundo foi extinto em 1990, a partir de projeto de lei do então deputado pelo PT José Fortunati, quando parou de incluir novos integrantes. Até a data, os parlamentares contribuíam com 7% do subsídio, enquanto o Legislativo acrescentava mais 7%, o que prosseguiu ocorrendo entre 1990 e 2004.
Apenas oito anos de contribuição convertidos em renda vitalícia
Para ter direito à aposentadoria vitalícia era simples: o deputado precisava de pelo menos oito anos de contribuição. Foi o caso de vários políticos, como o ex-deputado da Arena e do PDS Adylson Martins Motta, que esteve por esse período na Assembleia. Motta deixou o parlamento em 1987 e hoje, quase 30 anos depois, ainda recebe aposentadoria de R$ 10,1 mil mensais. As únicas deduções costumam ser Imposto de Renda, Ipe-Saúde e eventuais empréstimos. Os valores das pensões são reajustados sempre que os atuais integrantes do Legislativo ganham aumento.
A extinção do fundo foi motivada também por interesses políticos. O então governador Germano Rigotto (PMDB) queria mais recursos para o caixa do Estado, e o Feppa tinha reserva de R$ 60 milhões para honrar os benefícios. A Assembleia deu fim ao fundo e repassou o saldo ao Executivo, o que reforçou as contas temporariamente. Mas os pagamentos aos pensionistas seguem saindo dos cofres do tesouro até hoje.
– O Feppa sempre existiu praticamente da contribuição pública, porque a dos deputados era muito pequena. A partir de dois mandatos, as pessoas já tinham direito. É um negócio escandaloso. Tem gente que faz lorota quando diz que a contribuição sustentava. Desde 1990, não tinha mais contribuição, porque ele estava extinto – diz o ex-deputado Raul Pont (PT).
Mesmo após o fim do fundo, questionamentos judiciais à existência de uma aposentadoria especial de deputados chegaram a ser feitos, mas esbarraram na tese do direito adquirido.
A assessoria de Sartori justificou a manutenção do benefício, ainda que exerça atualmente cargo público, alegando que ele é aposentado e recebe como tal. Lorenzon disse que não falaria sobre o assunto por telefone.
OAB-RS questiona novo plano aprovado em 2014
Após hiato de mais de duas décadas, os deputados da última legislatura da Assembleia aprovaram, a toque de caixa, nova versão do Fundo Estadual de Previdência do Parlamentar (Feppa), agora batizado de Plano de Seguridade Social dos Parlamentares do Estado. Em pouco mais de um mês, entre novembro e dezembro de 2014, os políticos propuseram, votaram e promulgaram o texto, que prevê aposentadoria especial nos moldes do Feppa. O plano está em vigor e, até o ano passado, contava com mais de 20 contribuintes.
Por iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado (OAB-RS), o Supremo Tribunal Federal (STF) está examinando ação direta de inconstitucionalidade à lei. Meses após a promulgação, as comissões internas da OAB passaram a analisar possíveis vícios do texto e concluíram, em parecer, haver diversas irregularidades. As principais são o fato de o Estado não ter competência para legislar sobre regime de previdência, competência exclusiva da União, e de a carreira de agente político ser diferente da de concursado.
– Ser político é um cargo transitório, não é carreira de Estado. A OAB está muito atenta a esses benefícios que atingem poucos em detrimentos de muitos – explica o presidente da seção gaúcha, Ricardo Breier.
Em janeiro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou parecer ao STF considerando "imoral" a aposentadoria dos deputados gaúchos. Entre outras razões, ele considera que a lei é anti-isonômica e cria privilégios sem justificativa.
– O procurador-geral praticamente replicou os argumentos da ação da OAB. Tenho convicção no êxito do processo. Já estamos com mais de 50% do caminho andado – afirma Breier.
O relator da ação que questiona o plano de seguridade dos deputados é o ministro Dias Toffoli, que ainda não apresentou parecer. Não há previsão para decisão.