Nos 13 anos de política externa petista, os paradoxos levam a opiniões opostas sobre diversos fatos. O tratamento condescendente com a Bolívia quando o país vizinho nacionalizou o gás e confrontou interesses brasileiros é visto por uns como preservação da liderança regional e por outros como fraqueza ideológica em detrimento do pragmatismo.
O aumento de embaixadas em países de pouca expressão é visto por uns como um movimento perdulário. Por outros, como um expediente para vitaminar a influência global. O abrigo ao presidente hondurenho Manuel Zelaya na embaixada brasileira por quatro meses é visto por uns como intervenção adequada da potência regional. Por outros, como interferência em assuntos alheios e exposição do Brasil a uma situação insólita. A tentativa de protagonismo no Oriente Médio é vista por uns como o arrojamento da potência latino-americana e por outros como a atuação infrutífera de um país sem os suficientes respaldos financeiro e militar.
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Os paradoxos não ficam aí. Do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para o de Dilma Rousseff, houve a mudança da vontade de ocupar um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas para certo desinteresse pela política externa. Também há a figura do secretário assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia. Enquanto os governistas o veem como referência ideológica no tratamento dos temas externos, críticos o têm como a eminência parda que esvazia o Itamaraty e provoca desconforto.
– A política externa sempre foi algo secundário no governo de Dilma – diz a professora Denise Holzhacker, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), que identifica uma visão pragmática de priorizar as questões domésticas e, no plano externo, as discussões econômicas nas quais o país tem interesse direto.
Um episódio, testemunhado e relatado por ex-ministro do governo Lula, filiado ao PT, ilustra contradições. Lula participava de reunião com o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e constatou seu estilo rude. Tentou conter o ímpeto truculento do colega, comentando com assessores sobre seu temperamento autoritário.
No Oriente Médio, visitou autoridades israelenses, falou de paz e depois se reuniu com palestinos. Defendeu o apoio do Brasil a um "Israel soberano, seguro e pacífico" e afirmou que há "urgência de ver israelenses e palestinos vivendo em harmonia". Na mesma época, recebeu em Brasília o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, que perseguia minorias, negava o Holocausto e defendia a destruição de Israel.
– Foi um período errático – diz um diplomata.
– O mesmo Lula foi chamado de "o cara" pelo americano Barack Obama e criou um alinhamento Sul-Sul. Usou de uma política que pode ser comparada à forma como atuou internamente no Brasil, com alianças e com seu jeito arrojado de negociar.
Professora de Relações Internacionais da UFRGS, Analúcia Danilevicz Pereira diz:
– Lula aproveitou as oportunidades. O Brasil se voltou para a América do Sul. Antes, sempre esteve de costas para a América hispânica. Nesse período, o país tentou sair da tradicional subserviência, de uma posição menos influente para uma posição mais influente. Buscou autonomia e resgatou o interesse nacional.
RELAÇÃO COM A BOLÍVIA
Em 2006, no 1º de Maio, o presidente da Bolívia, Evo Morales (D), eleito havia poucos meses, nacionalizou o gás de seu país. O prejuízo foi grande para a Petrobras. Lula, na ocasião, foi cobrado para tomar uma atitude enérgica contra seu colega, que, ao mesmo tempo, dizia vê-lo como um "pai". Em 2013, o senador boliviano Roger Pinto chegou ao Brasil após viver mais de um ano na embaixada brasileira em La Paz. A responsabilidade pela fuga foi individualizada no diplomata brasileiro Eduardo Saboia.
O CASO ZELAYA
O presidente hondurenho Manuel Zelaya foi deposto em um golpe e expulso do país. Em 21 de setembro de 2009, retornou a Honduras escondido e se refugiou na embaixada brasileira em Tegucigalpa. Logo ao chegar, ele atribuiu o acolhimento à "vocação democrática do Brasil, do presidente Lula e de Marco Aurélio Garcia". Já no dia seguinte, manifestação pró-Zelaya em frente à embaixada acabou em confrontos. O presidente hondurenho ficou quatro meses na repartição brasileira.
A VISITA DE AHMADINEJAD
Em 2009, o então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, visitou o Brasil. Entidades judaicas, de defesa dos direitos humanos, feministas e de homossexuais protestaram. Em frente ao Itamaraty, dezenas carregavam bandeiras de Israel e cartazes dos movimentos gay e feminista. Um grupo menor carregava bandeiras palestinas e saudava Ahmadinejad. O governo argumentou que a política externa brasileira tem tradição de não intervir em assuntos de outros países.
LULA, "O CARA"
Era início de abril de 2009. Lula recebeu grande reconhecimento na busca por protagonismo. O presidente dos EUA, Barack Obama, disse que ele era "o cara" e que o "adorava". O definiu como o "político mais popular da Terra". Obama fez o comentário em uma roda de líderes mundiais, na reunião do G20, em sala de conferência do Excel Center, em Londres. Na ocasião, Lula aparecia como o governante moderado em uma América Latina tomada pela "onda rosa" de esquerda latino-americana.