Em sua segunda agenda pública depois da abertura do processo de impeachment, a presidente afastada Dilma Rousseff afirmou que as gravações envolvendo o agora ministro afastado Romero Jucá deixam "evidente o caráter golpista e conspiratório que caracteriza o processo de impeachment".
– Agora mais do que nunca está claro o caráter golpista desse processo de impeachment", afirmou na abertura do IV Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil, na capital federal.
Jucá solicitou nesta segunda-feira, o afastamento de seu cargo, "até que sejam esclarecidas as informações divulgadas pela imprensa". A saída dele foi consequência das conversas gravadas e divulgadas pela Folha de S.Paulo, entre ele e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, em que Jucá supostamente fala da tentativa de se barrar a Operação Lava-Jato com o afastamento de Dilma Rousseff da presidência da República.
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Dilma disse que a gravação demonstra a necessidade de afastá-la do cargo para interromper as investigações da Lava-Jato e que esse sempre foi o objetivo do grupo do vice-presidente Michel Temer.
– Se alguém ainda não tinha certeza de que há um golpe em curso, baseado no desvio de poder, as informações de Jucá sobre reais objetivos do impeachment eliminaram qualquer duvida – afirmou.
A presidente afastada disse que o caráter golpista ficou "escancarado" na gravação.
– Agora um dos principais articuladores (do impeachment) confessa que eles são golpistas – reforçou.
Dilma citou ainda um trecho da conversa de Jucá em que ele diz que o presidente interino é o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha.
– É uma frase muita pesada – disse. – Hoje, mesmo afastado da presidência, Eduardo Cunha ainda dá as cartas – completou.
A presidente afastada voltou a citar a dificuldades com o Congresso para aprovar medidas econômicas, disse que ela quer que o país volte a crescer e que Cunha é o responsável por impedir "sistematicamente" as comissões do Congresso de funcionarem.
– Quero destravar a economia – afirmou. – O ex-presidente da Câmara impediu que houvesse indicação para essas comissões e impediu também que tramitasse pela Câmara qualquer medida que melhorasse a economia.
Ao dizer que foi afastada provisoriamente, Dilma afirmou que, em 2014, o Brasil reelegeu uma mulher para executar um programa progressista e para montar um ministério "que tivesse a cara e as cores do Brasil".
– Os brasileiros não elegeram um governo só de homens, brancos, ricos e velhos – afirmou.
Medidas do governo Temer
Dilma também criticou o governo interno de Temer, disse que em pouco mais de uma semana ele anunciou medidas que contrariam programa que foi aprovado e teve, muitas vezes, que recuar em decisões.
– O presidente provisório não foi autorizado pelo povo a mexer em programas sociais para diminuí-los. Ele não foi autorizado pelo povo – disse. – Ninguém deu a ele o direito de ser neoliberal na economia e conservador em tudo mais.
Aos agricultores familiares, Dilma classificou a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário "como uma das mais graves" e afirmou que é preciso desfazer as iniciativas do governo interino.
– Vamos ficar atentos para desfazer essas iniciativas desse governo provisório e interino – afirmou.
A presidente afastada afirmou ainda que o governo Temer não conhece a realidade do campo brasileiro.
– É lamentável esse desprezo pela realidade rural, por esse desconhecimento da realidade – disse. – Nós temos memória e quem tem memória tem a capacidade de lutar. Sabemos que são esses que não olham e não dão importância à agricultura familiar – completou.
Sem citar especificamente a retirada pela polícia de manifestantes em frente a casa do Temer em São Paulo, Dilma rechaçou a ideia de que os movimentos sociais devem ser controlados e afirmou ser contrária a governos autoritários que acham que é preciso tratar movimentos como "questão de polícia".
– Tenho muito orgulho de jamais ter me relacionado com movimentos sociais de forma autoritária e arbitrária – disse.
Dilma disse ainda que tem "grande temor" pelo que "eles" podem fazer.
– Estamos enfrentando um governo ilegítimo que em uma semana já fez muitas coisas de forma incorreta – afirmou.
No fim do seu discurso, Dilma disse que continuará lutando em respeito ao voto dos brasileiros.
– Estarei nas ruas, nos campos e nas cidades, em paz, mas firme em minhas convicções e clara no meu objetivo – disse.
No evento, realizado em Brasília e organizado pela Federação Nacional do dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), órgão ligado a CUT, a petista foi recebida aos gritos de "Dilma, guerreira do povo brasileiro". A secretária nacional de formação CUT, Rosane Bertotti, fez um discurso dizendo que o governo "golpista de Temer não me representa". Ao entoar gritos de "Fora, Temer", do palco, Dilma apenas sorria para a plateia.
Na sexta-feira, Dilma participou de um evento com blogueiros em Belo Horizonte. Nesta segunda-feira, apesar de escolher também um público que costuma ter poder de mobilização, o auditório no Parque da Cidade, em Brasília, ficou com muitas cadeiras vazias ao fundo. Cerca de 700 pessoas ouviram o discurso de Dilma.
A presidente afastada chegou acompanhada dos ex-ministros Patrus Ananias (Desenvolvimento Agrário), Eleonora Menicucci (Política para Mulheres) e Carlos Gabas (Aviação Civil).