Temidos por corruptos e admirados pela população. A simples menção dos nomes dos procuradores Luiz Francisco de Souza, Guilherme Schelb e Antonio Fernando de Souza e do delegado federal Protógenes Queiroz causava calafrios em Brasília. Afastados da linha de frente, um deles se tornou foragido da Justiça, outro defende um dos políticos mais contestados do país. Os demais seguem no Ministério Público Federal (MPF), em funções de menor prestígio.
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Autor da Operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o investidor Naji Nahas, Protógenes hoje figura na lista de procurados pela Interpol. Demitido da Polícia Federal, foi condenado a dois anos e meio de prisão por violação de sigilo funcional. Desde outubro, vive em Genebra, na Suíça, onde pediu asilo. Reportagem de jornal local publicada há 15 dias o chamou de Eliot Ness brasileiro, alusão ao célebre policial que prendeu o mafioso Al Capone. No Facebook, se disse injustiçado: "Fui condenado por simples falha administrativa, enquanto os investigados e condenados por corrupção estão soltos".
Aposentado do MPF virou advogado de Eduardo Cunha
Contemporâneo de Protógenes, Antonio Fernando de Souza processou alguns dos principais políticos do país. Autor da denúncia do mensalão no Supremo Tribunal Federal, foi saudado como herói nacional ao esmiuçar o funcionamento de uma "sofisticada organização criminosa" que comprava votos pró-governo no Congresso. Souza não teve tempo de concluir seu trabalho. Em 2009, três anos antes do julgamento, se aposentou. Hoje, advoga e seu principal cliente é o presidente da Câmara afastado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu na Operação Lava-Jato e que faz ataques sistemáticos ao MPF. A troca de lado causou desconforto na instituição.
– Membros do MPF podem advogar quando se aposentam, mas não precisam defender grandes corruptos. Ele enterrou um pouco a história que havia construído – critica Luiz Francisco.
Lotado na Procuradoria Regional da República, em Brasília, Luiz Francisco deixou no passado as investigações que conduzia ao lado de Schelb. Envolvidos em sequência de polêmicas – somente Luiz Francisco foi alvo de 40 representações por supostos abusos –, "caíram para cima". Promovidos, atuam apenas na fase de apelação criminal no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Entre os colegas, não deixam boas lembranças.
– Era muito barulho e pouca eficácia. Investigações sem técnica, que usavam recorte de jornal como prova. Hoje, a gente primeiro mostra os resultados e, depois, fala à imprensa – comenta um graduado membro do MP.
PALADINOS EM OCASO
Protógenes Queiroz
Em 2008, 300 agentes da Polícia Federal (PF) foram às ruas cumprir 24 mandados de prisão. No comando da Operação Satiagraha, estava o delegado Protógenes Queiroz, diretor de Inteligência, que tinha no currículo a prisão do maior contrabandista do país, o chinês Law King Chong, e a descoberta de fraudes no Campeonato Brasileiro de 2005. A Satiagraha, contudo, foi anulada por uma série de irregularidades, como uso nas investigações de arapongas da Agência Brasileira de Inteligência. Protógenes se licenciou da PF e, em 2010, se elegeu deputado federal pelo PC do B. No ano passado, foi demitido, e há 15 dias teve prisão decretada pela Justiça de São Paulo.
Antonio Fernando de Souza
De férias no Paraná em 2000, sofreu um infarto e teve 17 paradas cardíacas. Sobreviveu, mas, desanimado com o trabalho no Ministério Público Federal, cogitou abandonar a carreira. Cinco anos depois, foi nomeado procurador-geral da República. À frente das investigações do mensalão, produziu relatório de 136 páginas que levou ao banco dos réus os principais dirigentes do PT, além de empresários, banqueiros e parlamentares. Detalhou os três núcleos da quadrilha – político, publicitário e financeiro –, divisão mantida no julgamento final. Em 2009, aposentou-se e passou a atuar na advocacia. Hoje, é defensor de Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Luiz Francisco de Souza
Ex-seminarista e simpatizante do PT, ganhou notoriedade no início da década passada ao prender o ex-senador Luiz Estevão e o deputado cassado Hidelbrando Pascoal, acusado de serrar o corpo de adversários. Para ampliar a repercussão de investigações, vazava documentos à imprensa. Em uma dessas ocasiões, entregou à revista IstoÉ áudio de conversa na qual o então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, admitia ter violado o painel de votações da Casa. Assustado com a polêmica, pisoteou as fitas, danificando o material. O método de apuração lhe valeu 40 ações na corregedoria do Ministério Público, mas sua única punição foi suspensa por liminar do Supremo Tribunal Federal.
Guilherme Zanina Schelb
Contemporâneo de Luiz Francisco de Souza no Ministério Público Federal, fez parte da equipe apelidada de “meninos de ouro” por conta da tenacidade contra a corrupção. Atuou na investigação da privatização do Banespa e do uso de aviões da FAB para eventos privados por ministros do governo Fernando Henrique Cardoso. Autor de estudos sobre violência infanto-juvenil, envolveu-se em polêmica ao pedir patrocínio a fabricante de cigarros que se beneficiou com apurações sobre quadrilhas de falsificadores do produto. Atualmente, atua na Procuradoria Regional da República da 1ª Região e integra a diretoria da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos.
ENTREVISTA
"Prisão tem de ser para crimes gravíssimos", diz procurador Luiz Francisco de Souza
O procurador implacável contra o crime ficou no passado. Atuando no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Luiz Francisco de Souza diz ser extremamente benigno com réus pobres e atento aos direitos dos ricos. Aos 55 anos, segue solteiro e católico fervoroso. À distância, acompanha as grandes investigações, e tem visão crítica das condutas do juiz Sergio Moro e do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
O senhor sente saudade de estar na linha de frente do combate à corrupção?Sinto muita saudade. Mas naquela época a minha pressão arterial ia a 17, 18. Estava indo para o túmulo. Hoje é normal. Para voltar, teria de renunciar à promoção, e estou a dois anos da aposentadoria. Não que vá me aposentar, talvez fique aqui até os 70 anos.
Nos últimos anos, houve uma sucessão de escândalos gigantescos de corrupção. A roubalheira aumentou ou as investigações ficaram mais eficientes?
Acho que continua a mesma coisa. Talvez tenha até diminuído, porque na minha época (governo FHC) o procurador-geral era arquivador-geral. A Polícia Federal concentrava quase todo o trabalho em combate à droga e ao cigarro contrabandeado.
Como o senhor avalia a Operação Lava-Jato e o trabalho do juiz Sergio Moro e do procurador-geral, Rodrigo Janot?
O pessoal da Lava-Jato é muito operoso. Dou total apoio, pois nunca foram presos tantos grandes empresários. Ao Moro, tenho restrições, porque sou partidário do garantismo. A investigação precisa assegurar os direitos dos investigados. A civilização é isso: acabar com as prisões, garantir pena aberta, igual tem na Europa. Temos 622 mil presos no país, está virando um gulag (antigo campo de concentração da União Soviética). As prisões têm de ser para crimes gravíssimos. E o Janot é muito bom, embora tenha errado no caso do (ex-presidente) Lula, quando pediu a suspensão da nomeação. Lula era investigado, tudo bem, mas o novo governo também tem um monte de investigados. Sou muito amigo do Janot, mas por que não teve o mesmo critério? É o mesmo caso.
Qual sua visão sobre delação premiada?
Apoio. É muito importante no combate à corrupção. Só sou contra prender pessoas para obrigá-las a confessar. Na Lava-Jato, algumas pessoas foram presas e se jogou a chave fora: ou confessa ou fica. Mas a prisão de Marcelo Odebrecht, de Delcídio Amaral, esses todos, dou 100% de apoio.