A grave crise fiscal que se instalou no país abalou o que há de mais seguro no mercado de trabalho brasileiro: o funcionalismo público. Sem dinheiro em caixa e com uma conta que não para de crescer, os Estados têm deixado de pagar em dia o salário dos trabalhadores. Um levantamento feito pelo Estado com sindicatos e associações de servidores estaduais mostra que 11 unidades da federação atrasaram, parcelaram ou escalonaram a folha de pagamento desde o início da atual gestão. O problema já afeta a vida de 1,5 milhão de trabalhadores. A expectativa é de que, nos próximos meses, outros Estados engrossem essa lista.
Hoje, os casos mais dramáticos são Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro – ambos começaram a parcelar salários no ano passado. Na administração gaúcha, os servidores enfrentam instabilidade desde o início do segundo semestre de 2015. Além do 13º salário, que só começará a ser pago em junho deste ano, o salário de março foi parcelado em nove vezes. Em abril, a medida vai se repetir.
– É uma coisa maluca, porque ninguém sabe quando e nem quanto vai receber – diz Cláudio Agostinho, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Estado.
No Rio de Janeiro, onde 438 mil servidores foram afetados, o governo chegou ao ponto de abrir uma linha de crédito no banco para que os trabalhadores pudessem receber a segunda parcela do 13º salário, com juros pagos pela Fazenda. Por ora, segundo a Secretaria da Fazenda, os salários estão em dia. Mas o calendário de pagamentos foi alterado.
Outros Estados seguiram a mesma estratégia de mudar a data de depósito do salário, como Rio Grande do Norte e Tocantins.
– Antes era dia 30, depois passou para dia 3, dia 5 e agora dia 10. Não há um calendário definido antecipadamente. Não podemos nos programar – afirma a presidente da Associação dos Servidores Públicos do Rio Grande do Norte, Angélica Soares, lembrando que o Estado atrasou o pagamento no ano passado.
A justificativa para a mudança na data do Tocantins foi o repasse das verbas federais. O pagamento passou do quinto dia útil para o dia 12.
– Não temos liquidez financeira. Dependemos do repasse do Fundo de Participação do Estado (FPE), destinado aos governos estaduais e pago pela União) no dia 10 para pagar a folha no dia 12 – afirma o secretário de administração do Estado, Geferson Barros.
Com o caixa debilitado, Minas Gerais não só atrasou o salário em dezembro como foi obrigado a parcelar os pagamentos seguintes. A Secretaria de Gestão e Planejamento do Estado atribuiu o atraso, sobretudo, à forte queda da arrecadação do ICMS em 2015.
O recuo das receitas também colocou o Amazonas em dificuldades. Há dois meses, os médicos terceirizados estão sem receber o salário. Boa parte deles formou cooperativas para prestar serviço ao Estado e depende do repasse da administração para garantir o salário.
– Temos tido problemas por causa do recuo da atividade no Estado do Amazonas – afirma o Secretário da Fazenda do Estado, Afonso Lobo Moraes. – Nesse quadro, a nossa arrecadação teve um recuo expressivo, por isso existe essa dificuldade de manter o pagamento dos fornecedores em dia – diz.
O fato é que, para muitos Estados, a conta não fecha mais. O resultado foi parar no contracheque dos servidores e dos trabalhadores terceirizados que prestam serviço para a administração estadual. Mesmo aqueles que ainda não foram atingidos pelos atrasos também têm prejuízos. Alguns governadores congelaram os salários e benefícios já concedidos.
Em meio ao caos, os Estados tentam renegociar suas dívidas com a União. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal decidiu suspender o julgamento sobre a mudança de juros compostos para juros simples no cálculo da dívida. A intenção da corte é de que as partes negociem entre si como ficará a questão.
A deterioração das contas estaduais teve origem na forte queda da arrecadação, sobretudo do ICMS – o principal imposto estadual –, e pela alta do endividamento. Nos últimos anos, até os Estados com baixa capacidade de tomar empréstimos foram autorizados pela União a elevar a dívida.
– A queda de arrecadação colocou os Estados numa situação dramática – diz Raul Velloso, especialista em contas públicas.
Parte da piora do quadro fiscal também é explicada pela redução dos recursos do FPE destinados aos Estados e pagos pela União.
Na avaliação do economista, o retrato das finanças estaduais também reflete decisões adotadas pelo governo federal. Em janeiro deste ano, por exemplo, a presidente Dilma Rousseff reajustou o piso salarial dos professores em 11,36%. A medida foi tomada mesmo a contragosto dos governadores que pediam um aumento menor ou até mesmo o cancelamento do reajuste.
– Os Estados não têm muita escolha. Diante do tamanho do comprometimento da receita com pessoal e serviço da dívida, não sobra nada – diz Velloso.