Dezenas de rodovias no Rio Grande do Sul e em outros Estados do país registram manifestações — algumas com interrupção de pistas em dois sentidos —, desde a noite de domingo (30), por parte de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), que foi derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial. Muitos dos atos foram creditados a grupos de caminhoneiros, porém, entidades e lideranças do setor rechaçam a participação.
O presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, diz ser contrário aos bloqueios nas rodovias. Segundo o dirigente, é preciso respeitar o resultado das urnas e sentar com o novo governo para negociar antes de apelar para os protestos.
— A Abcam não concorda com essa situação que estamos vendo. Agora é um momento de reflexão, não importa quem perdeu ou ganhou. Ficar parado nessas horas, ainda mais no final do mês, complica o nosso trabalho — afirma Lopes, que avalia que os protestos não estão sendo feitos por caminhoneiros, mas sim por empresários que possuem frotas de caminhões.
A posição é semelhante à da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL), que, em nota enviada à imprensa, garantiu "defender a democracia" e "respeitar o resultado soberano das urnas".
— Vivenciamos uma ação antidemocrática de alguns segmentos que não representam a categoria dos caminhoneiros autônomos de não aceitação do resultado das urnas. Precisamos respeitar o que o povo decidiu nas urnas: a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. Esse projeto que está foi derrotado ontem (domingo, 30) — ressaltou o diretor da CNTTL, o caminhoneiro autônomo de Ijuí, Carlos Alberto Litti Dahmer.
Ele ainda reforçou que a pauta da categoria dos caminhoneiros não é política, mas econômica.
— Os 800 mil caminhoneiros autônomos e celetistas da nossa base da CNTTL continuarão a luta pela volta da aposentadoria após 25 anos de trabalho, pela consolidação piso mínimo de frete, pela criação de pontos de parada e descanso, pela redução do preço do combustível e pela defesa da Petrobras. Essa luta é permanente — assegura Litti.
Em âmbito estadual, o Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs) limitou-se a dizer que não tem conhecimento e nem participação nos atos. Já a Federação dos Caminhoneiros Autônomos do Rio Grande do Sul (Fecam-RS) afirmou que não irá se manifestar sobre o assunto.
Lideranças da greve de 2018
Há quatro anos, diversos caminhoneiros sem vinculações com sindicatos, associações ou federações do setor tomaram a frente e se manifestaram contra o preço do óleo diesel e dos valores dos fretes. Marcos Gelinger, caminhoneiro há mais de 30 anos na região do Vale do Sinos, participou dos atos de 2018 e garante que desta vez os bloqueios não representam toda a categoria.
— O Brasil está muito dividido. A nossa classe também. No meu entendimento, é um ato desnecessário. Temos de ver o que o novo governo vai propor para a gente. Por mais que eu seja da direita, temos de respeitar o que aconteceu nas urnas. No momento, como não é uma pauta que reivindica o bem da categoria, isso só vai atrapalhar a vida de quem quer produzir — afirma Gelinger.
Outra das lideranças do setor nas Missões e no Noroeste, o caminhoneiro Bruno Tagliari também esteve nas manifestações de 2018. Desta vez, salienta que não são os caminhoneiros que estão bloqueando as rodovias da região.
— Aqui em São Luiz Gonzaga tem uma mobilização, mas são agricultores com tratores, empresários da cidade. Os caminhoneiros não estão tomando frente. O que a gente ouve falar é que eles estão aguardando uma manifestação do candidato Bolsonaro, de que teria prova de fraude nas urnas. Estão fazendo isso para pressionar as entidades, mas não sei se tem algo concreto. Vim de Passo Fundo, tinha ponto de bloqueio em Ijuí, e também não é de caminhoneiros. É o pessoal da cidade — diz Tagliari.