A conversão do descontentamento em voto útil fez com que a fatia de brasileiros que foram às urnas sem optar por nenhum dos candidatos à Presidência ficasse muito abaixo do que indicavam as pesquisas menos de dois meses atrás. Do total de votos computados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), 6,14% foram nulos e 2,65% brancos, com 99% das urnas apuradas.
A soma de 8,79% dos chamados votos inválidos ficou abaixo dos 9,64% registrados no primeiro turno do pleito de 2014 e muito próxima dos resultados de 2006 e 2010.
– Os votos brancos e nulos no primeiro turno mantiveram o padrão de estabilidade que temos observado desde 2006 – afirma o cientista político Jairo Nicolau, professor da UFRJ.
A parcela de votantes que decidiram não comparecer às urnas somou 20,32%. Trata-se de um percentual de abstenções próximo ao das votações em anos anteriores.
Embora tenha repetido a tendência dos últimos 10 anos, o comportamento dos eleitores que pretendiam invalidar seu voto se alterou significativamente à medida que a data do pleito foi se aproximando. Segundo o Datafolha, por volta de 20 de agosto, as intenções de voto apontavam para um percentual de 22% de brancos e nulos. Essa parcela era quase o triplo do máximo registrado na mesma altura da corrida presidencial nas últimas décadas.
Entre 1989 e 2014, a soma de brancos e nulos em pesquisas feitas em meados de agosto indicaram um mínimo de 3%, em 1998, e um máximo de 8%, no penúltimo pleito, de acordo com o Datafolha.
A leitura de especialistas era de que o desencanto com a política tradicional alimentava uma onda inédita de voto de protesto, que se refletia na vontade de punir os candidatos à Presidência, não escolhendo nenhum. Esse movimento parecia resultado da crise política dos últimos anos, na esteira de eventos como os escândalos de corrupção escancarados pela Operação Lava-Jato, o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e a crise na qual mergulhou o governo Temer.
– As pesquisas captavam um sentimento de grande descontentamento e alienação no contexto de um sistema político extremamente corrupto – diz o cientista político David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB).
Essa situação começou a mudar, principalmente, a partir da oficialização da candidatura de Fernando Haddad (PT), em 11 de setembro, depois de esgotadas as tentativas de lançamento da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A indicação de que o ex-prefeito de São Paulo poderia herdar fatia significativa dos votos de Lula começou a impulsionar uma onda de voto útil antipetista em Jair Bolsonaro (PSL).
– O Bolsonaro, de certa maneira, capturou a enorme insatisfação com tudo o que representa a política tradicional – afirma Nicolau.
Segundo ele, confirmam esse diagnóstico o bom desempenho de muitos políticos do PSL de Bolsonaro para o Legislativo e de candidatos que anunciaram apoio ao capitão reformado. Com a enorme polarização, eleitores descontentes com a política, mas que rejeitam Bolsonaro, também parecem ter desistido de invalidar o voto.
Pesquisa de sábado já indicava queda
A pesquisa Datafolha divulgada no sábado já apontava um total de votos brancos e nulos de 6%, um pouco abaixo do registrado pelo TSE.
– A polarização muito aguda fez com que parte dos que votariam branco ou nulo acabasse optando por Haddad ou Bolsonaro na tentativa de evitar o que consideram um mal maior – diz Fleischer.
De acordo com o cientista político, o fato de que candidatos mais identificados com o centro do espectro político não decolaram também contribuiu para esse cenário. Nicolau lembra que uma parcela dos votos brancos e nulos é consequência do manejo errado da urna eletrônica pelo eleitor e não de uma manifestação de protesto.
Mas esse problema foi maior no passado, logo após a introdução da novidade no país. Em 1998, na primeira eleição presidencial com o uso de urna eletrônica, a fatia de votos inválidos somou 18,7% no primeiro turno.