O dia em que José Ivo Sartori disse "sim"
As dúvidas se dissiparam tal qual a névoa que encobrira Porto Alegre na manhã daquela sexta-feira, 25 de maio de 2018. Passava do meio-dia e o sol amenizava o frio de 16ºC quando o governador José Ivo Sartori (MDB), 70 anos, encerrou meses de angústia dos aliados ao admitir a uma plateia de empresários e políticos a candidatura à reeleição:
— Não vou fugir da raia, mesmo contrariando a minha vontade pessoal.
A mensagem liberava seu estafe para iniciar a campanha que se avizinhava. Desde o final de 2017, em reuniões no Palácio Piratini ou na casa do vice José Paulo Cairoli, os secretários Cezar Schirmer (Segurança), Carlos Búrigo (Planejamento), Fábio Branco (Casa Civil) e Cleber Benvegnú (Comunicação) suplicavam uma definição de Sartori.
O governador resistia. A família era contra e ele próprio não estava disposto. Dizia não ser salvacionista e pregava a manutenção do projeto sob nova liderança. Mas PDT, PP e PSDB já haviam debandado e tinham nomes próprios ao Piratini. O PTB anunciara apoio aos tucanos. A base estava se desmanchando.
Foi quando Benvegnú enxergou a ocasião perfeita: uma reunião-almoço no British Club na qual Sartori e o presidente da Celulose Riograndense, Walter Lídio Nunes, discorreriam sobre os “caminhos para o Rio Grande avançar”. Antes do evento, o secretário instou Nunes a provocar Sartori sobre a candidatura. Diante de jornalistas e de boa parte do PIB gaúcho, o governador assentiu.
— Ele precisava dar uma demonstração de força política. A partir dali, tudo mudou – lembra Benvegnú.
Primogênito dos seis filhos do comerciante Antônio Silvio Sartori e da dona de casa Elsa Josefina Dengo Sartori, Zé Ivo nasceu em 1948, em Capela de São Valentin, no interior de Farroupilha. Alfabetizado em casa pelo avô antes mesmo de ir para a escola, ajudava o pai na roça, no armazém e na borracharia que garantiam o sustento da prole. Deu os primeiros passos na política ainda adolescente e de forma quase intuitiva, ao fundar um grêmio literário no Colégio São Tiago.
Aos 13 anos, a família foi morar em Antônio Prado e a militância se acentuou. Sartori aproximou-se da juventude católica, fez teatro e, concluído o Ensino Fundamental, começou a estudar para ser padre no Colégio do Carmo, em Caxias do Sul. A rígida formação religiosa e a vocação política o levariam a cursar Filosofia no Seminário Maior de Viamão.
Sartori pediu transferência para a Universidade de Caxias do Sul (UCS), onde encontrou um cenário de efervescência durante a ditadura militar. Guindado à presidência do Diretório Central dos Estudantes (DCE), militou na clandestinidade no Partido Comunista Brasileiro, organizou palestras de Teotônio Vilela e shows de Chico Buarque e Milton Nascimento, todos alvos da repressão. Na mesma época, encantou-se por uma jovem estudante de filosofia com quem flertava no ônibus de volta para casa e que recém assumira a secretaria do DCE.
— Nossa vida sempre teve a política presente e muita ligação com a Igreja. Nos casamos no Centro de Formação Pastoral, dos padres josefinos. O centro abrigava os estudantes nas reuniões, ouvíamos palestras de Dom Pedro Casaldáliga, do Frei Betto, por causa da ditadura — lembra Maria Helena Sartori, com quem o governador se casaria um ano após a formatura na UCS e teria dois filhos: Marcos, 36 anos, e Carolina, 32.
De vereador a governador, foram 10 eleições vencidas
Bom de papo e conciliador, Sartori passou a dar aulas, mas logo a política falou mais alto. Filiado ao MDB, sua primeira eleição foi logo após o casamento, a ponto de colocar em risco as núpcias do casal.
— Casamos numa sexta-feira, cerimônia oficiada pelo padre Orestes Straglioptto, que fora meu colega de seminário. No domingo, ocorreria a convenção do MDB, com meu nome lançado para vereador. Não tivemos tempo nem de fazer lua de mel — exagera o governador, que na semana seguinte viajou com a mulher para Galópolis, Gramado, Canela e Cambará a bordo do fusca de um casal de amigos.
Eleito vereador, Sartori inaugurou uma profícua carreira política. Enfileirou cinco mandatos sucessivos na Assembleia, foi secretário de Estado, deputado federal, duas vezes prefeito de Caxias e governador.
Em 2014, as pesquisas mostravam que ele não disputaria o segundo turno. No dia da eleição, ele voltava de carro para Porto Alegre após votar em Caxias quando a apuração começou. Contabilizadas as urnas, ele venceu o primeiro e o segundo turno. Agora, Sartori aposta em uma nova virada de última hora para registrar seu nome na história como o primeiro governador a ser reeleito pelos gaúchos.