Ainda mesmo no primeiro turno, em que se cristalizou o voto útil, a eleição presidencial de 2018 virou plebiscito. Os debates, desde então, giram em torno dos governos do PT, o partido que mais tempo ficou no poder em períodos democráticos e também o que mais alimenta polêmicas. O afunilamento da disputa levou o candidato petista Fernando Haddad, um professor universitário, ao segundo turno, em desvantagem contra o seu adversário, o militar da reserva e antipetista Jair Bolsonaro (PSL). Nesta segunda etapa do pleito, o racha foi aprofundado por um antagonismo ideológico embalado em fake news e pautado por uma campanha agressiva que transforma oponentes em inimigos.
O ódio não é apenas retórico. Não faltaram facadas. Em 8 de outubro, um dia após o fechamento das urnas do primeiro turno, o mestre de capoeira Moa do Katendê, simpatizante do PT, foi morto em Salvador após discussão com um frequentador de bar que apoiava Bolsonaro. Foram 12 punhaladas. Um mês antes, o próprio candidato havia sido esfaqueado por um ex-filiado do PSOL, durante ato eleitoral em Juiz de Fora (MG). Em ambos os casos, a motivação alegada pelos agressores foi raiva despertada por política.
O fato é que a ira superou em muito a discussão de propostas. As ruas viveram, em alguns finais de semana, um repique das manifestações que desembocaram no impeachment da presidente Dilma Rousseff. "Ele, não!", bradaram milhares que rejeitam Bolsonaro. "Lula ladrão!", devolveram os eleitores do capitão da reserva, também em massa nas ruas.
O favoritismo de Bolsonaro, manifestado em todas as pesquisas de intenção de voto, talvez se explique menos por suas propostas e mais pelo sentimento antipetista, que cresceu exponencialmente no país, sobretudo entre a classe média, após as revelações da Operação Lava-Jato. Muita gente que discorda do estilo agressivo do militar aceitou votar nele, como barreira para evitar a volta do PT ao poder. Enxergam em Haddad um mero repassador de recados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso por corrupção.
O ex-ministro da Educação percebeu isso e, após uma única visita ao líder preso em Curitiba, tentou se descolar da imagem de Lula. Substituiu a bandeira vermelha pela verde-amarela em alguns atos públicos, foi à missa (para provar que não é ateu, como apontam seus adversários) e tentou, sem sucesso, que Ciro Gomes (PDT) ingressasse de cabeça em sua campanha. O pedetista preferiu viajar para o Exterior. Haddad atraiu, no entanto, alguns caciques políticos regionais e a ex-adversária Marina Silva (Rede).
No outro campo ideológico, os antipetistas fazem esforço para convencer que Bolsonaro amadureceu com o tempo. Que fará um governo democrático e não nutre mais nostalgia pela ditadura militar, elogiada várias vezes por ele em pronunciamentos. O deputado federal também conquistou adesões importantes, com destaque para o DEM e caciques do PP.
De olho nessas contradições, os programas do horário eleitoral no rádio e na TV se esmeraram em ataques. A equipe de Haddad trouxe o relato cru de ex-presos pela ditadura e falas de Bolsonaro em defesa do regime militar e da tortura como instrumento de interrogatório.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acatou pedido de Bolsonaro e retirou o vídeo do ar. Os bolsonaristas lembraram todos os casos de corrupção do PT e de Lula, em particular. Nos palanques, Haddad subiu o tom. Chamou Bolsonaro de "soldadinho de araque", durante comício.
– Vem falar da minha família na minha cara, vem falar dos meus bens. Vem me enfrentar, soldadinho de araque. Não está preparado para presidir a República – desafiou o candidato petista, com tom de voz mais agressivo do que o habitual.
Haddad disse ainda que Bolsonaro comanda uma turma de milicianos, "pessoal muito perigoso", que tenta tomar o poder pela força.
– Eles estão agredindo as pessoas, intimidando as instituições. As instituições precisam reagir. Jair Bolsonaro é um anti ser humano, tudo que precisa ser varrido da face da Terra – conclamou o petista.
Bolsonaro deu o troco em vídeo exibido em telão na Avenida Paulista, durante comício de apoio a sua candidatura em São Paulo. Em referência ao PT, declarou que "esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria" e "Lula vai apodrecer na cadeia":
– Perderam em 2016 e vão perder na semana que vem, de novo. Só que a faxina será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter de se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para cadeia.
A tensão na equipe do militar aumentou quando surgiu nas redes um vídeo em que Eduardo Bolsonaro, filho do candidato, sugere pressão popular contra os ministros do Supremo em Brasília e diz que, para fechar o STF, não precisa nem de um jipe, basta "um soldado e um cabo". O TSE abriu processo para investigar a fala do deputado federal reeleito por São Paulo e, num raro momento, ministros do STF se uniram em repúdio ao filho de Bolsonaro.
O duelo não ocorre apenas no campo verbal. Em raras ocasiões o Brasil teve duas candidaturas tão opostas no campo ideológico. Bolsonaro promete aprofundar a reforma trabalhista, implementar a reforma previdenciária (elevando a idade mínima para quem quer se aposentar), apoio total à Lava-Jato, flexibilização da venda e posse de armas e rebaixamento da maioridade penal (dos atuais 18 anos para 16 anos).
Haddad promete revogação da reforma trabalhista (já em vigor), rigor crítico em relação à proposta de reforma previdenciária e oposição cerrada à privatização de estatais, à redução da maioridade penal e à possibilidade de mais vendas de armas.
Em comum, os dois candidatos defendem apoio a programas sociais inclusivos, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Não por acaso, canalizadores de votos. Só nesse item os projetos parecem coincidir.
Na corrida ao Piratini, candidatos subiram o tom no segundo turno
No Rio Grande do Sul, se não teve a virulência da disputa nacional, a campanha também acirrou ânimos entre os candidatos ao Palácio Piratini. Apesar de não apresentarem diferenças ideológicas, o ex-prefeito de Pelotas Eduardo Leite (PSDB) e o governador José Ivo Sartori (MDB) adotaram posturas diferentes no segundo turno.
Ambos apoiam Bolsonaro, seguindo a preferência da maioria dos seus eleitores, mas Leite o faz com ressalvas – possivelmente de olho no eleitorado de esquerda e centro-esquerda, alijado da disputa ao governo estadual. Leite não perde oportunidade de alfinetar Sartori pelo atraso do pagamento do funcionalismo, algo que promete regularizar.
O candidato à reeleição desafia o oponente a fazer melhor e diz que "falar é fácil, difícil é governar". Na reta final, proliferaram fake news e ataques anônimos, repetindo o padrão hostil da eleição nacional.