Das 412 candidatas à Assembleia Legislativa e à Câmara Federal pelo Rio Grande do Sul, 96 (23%) estão com as receitas de campanha zeradas, sem dinheiro para imprimir panfletos, impulsionar conteúdos nas redes sociais e qualquer outra atividade que viabilize uma campanha competitiva. Entre os homens, o percentual é um pouco menor: do total de 863 postulantes a cargos legislativos, 181 (20%) estão com as contas zeradas.
Os dados foram consultados junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 26 de setembro. No caso das mulheres sem nenhuma receita de campanha, há um agravante: parte delas é recrutada apenas para preencher a cota de gênero de 30% que os partidos precisam lançar aos cargos legislativos.
GaúchaZH telefonou para todas as 96 candidatas sem dinheiro e, nas conversas, 13 delas admitiram que não estão fazendo campanha porque foram convidadas a concorrer na condição de laranjas.
Outras 20 afirmaram enfrentar sérias restrições, tendo de tirar parcos recursos do próprio bolso para imprimir santinhos que, em geral, são distribuídos apenas nos bairros onde elas moram. Uma fatia menor, de oito mulheres sem repasses, se considera abandonada pelos partidos. Elas foram convencidas a concorrer por caciques políticos mediante promessas de apoio, misturadas a prognósticos de sucesso na eleição, que não se confirmaram.
— Eles queriam mais mulheres para concorrer e me interessei. Estava faltando mulheres interessadas. No começo, me convidaram e eu disse que não estava preparada. Depois insistiram, explicaram que era para a cota, e eu aceitei — conta a candidata a deputada federal Irma Lima (PPL), de Caxias do Sul, que está desempregada e, sem capital, apenas distribui panfletos.
Os valores do Fefc que correspondem à cota mínima de gênero (30%) não necessariamente precisam ser aplicados nas eleições legislativas: também podem ser drenados livremente para candidatas das chapas majoritárias, como no caso das que concorrem à vice-presidência ou à Presidência da República. A regra não traz vedação à hipótese, item que favorece a proliferação de candidatas laranjas, sem dinheiro, inscritas apenas para preencher a cota na disputa ao Legislativo.
— O que dificulta o ingresso da mulher na política é o dinheiro para uma campanha, que é cara. Mas o sistema contorna para que as coisas continuem como estão. Quando foi criada a cota de 30%, o sistema inventou a candidata laranja. Agora, com o fundo, o sistema tenta manter a ordem e concentra o recurso nas consideradas competitivas — analisa Débora Thomé, cientista política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e uma das autoras do livro Mulheres e Poder: História, Ideias e Indicadores.
Está bem complicado, faço minha campanha pelas redes. Do meu partido, não veio absolutamente nada.
ROSANGELA DA ROSA
Candidata a deputada federal
Nas conversas da reportagem com as candidatas zeradas, não foram poucos os casos de mulheres que, ao questionar a ausência de apoio financeiro, receberam informações erradas das direções nacionais. Um dos episódio ocorreu com Rosangela da Rosa (PMB), que concorre a deputada federal com o nome Rosangela – PMB. Ela conta que foi convidada pela sigla a se candidatar para ajudar no preenchimento da cota feminina. Em uma reunião, manifestou desejo de desistir, mas já era tarde demais.
— Está bem complicado, faço minha campanha pelas redes. Do meu partido, não veio absolutamente nada. O presidente do PMB não nos passou, ele simplesmente diz que o partido não recebeu o fundo especial — relata Rosangela.
O PMB, na verdade, já recebeu a quantia de R$ 980,6 mil do Fundo Especial, conforme atesta o sistema de prestação de contas do TSE. Situações semelhantes foram verificadas no PSL.
— Imprimo diariamente 500 folhas A4 (com santinhos), faço na minha casa mesmo, imprimo e dobro todas às noites. Os adesivos vamos fazendo aos pouquinhos, de 50 em 50. Minha conta eleitoral está zerada. Está bem difícil. O PSL teve direito ao recurso do fundo, porém, Bolsonaro abriu mão de receber esse recurso. Isso foi o que me passaram — conta Tatiane Marques (PSL), que tenta vaga na Câmara.
A justificativa repassada à candidata não procede. O PSL recebeu R$ 9,2 milhões do Fefc. O partido entregou ao TSE a ata de definição dos critérios de distribuição do dinheiro, requisito para a liberação do montante.
— Em geral, as mulheres são entrantes novas na política. Elas estão aprendendo e os caciques ainda são homens, com o controle do processo. A eficácia do fundo vai depender muito da ação das mulheres dentro dos partidos. Como elas estão protegidas legalmente, terão de começar a cobrar dos caciques — avalia Débora Thomé.