Com ou sem relação direta com a maior operação contra a corrupção da história do Brasil, ações de combate a crimes de colarinho branco na América Latina passaram nos últimos quatro anos a receber o qualificativo “Lava-Jato”. Assim, escândalos entre vizinhos são chamados de “Lava-Jato argentina” ou “Lava-Jato peruana”, por exemplo.
Em Buenos Aires, o “escândalo dos cadernos” põe na mira grandes empresários e políticos ligados ao alto escalão do casal Néstor e Cristina Kirchner, que governou a Casa Rosada de 2003 a 2015. Oscar Centeno, motorista do número 2 do ex-ministro Julio De Vido, homem que esteve durante 12 anos no comando de todas as obras públicas do kirchnerismo, anotou cuidadosamente milhões de dólares pagos por executivos a seus chefes em troca de contratos. Pelo menos 12 ex-altos funcionários do governo e executivos estão presos.
No Peru, os crimes saem da esfera do Executivo e migram para o Judiciário. Em gravações, juízes negociam sentenças de acusados. O ministro da Justiça, Salvador Heresi, e o presidente do Supremo, Duberli Rodríguez, renunciaram a seus cargos.
Na América Central, o ex-presidente salvadorenho Elías Antonio Saca (2004-2009), preso há quase dois anos, admitiu ter desviado mais de US$ 300 milhões durante sua passagem pelo governo.
Seu sucessor, Mauricio Funes (2009-2014), acusado pelos mesmos crimes, está foragido na Nicarágua. O ex-chefe de Estado do Panamá Ricardo Martinelli (2009-2014) foi extraditado em junho dos Estados Unidos sob acusação em 20 casos de corrupção.
Conforme Gaspard Estrada, diretor do Observatoire Politique de L’Amérique latine et de Caraïbes (Opalc), do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), a relação entre dinheiro e política está na origem do problema.
– Do Brasil à Argentina encontramos os mesmos mecanismos, com empresários corruptos e políticos que buscam financiar as suas campanhas – afirmou em entrevista recente à agência Associated Press, completando:
– Para sair dessa dependência e romper esse círculo vicioso, é necessário um marco mais estrito. Deve haver limites para as doações de pessoas privadas acompanhado de um financiamento estritamente público.
Outro especialista, Raúl Ferro, do Centro para a Abertura e o Desenvolvimento da América Latina (Cadal), diz que os problemas institucionais no continente devem-se à falta de mecanismos de “check and balance” (controle e equilíbrio).
– Na América Latina, temos uma história de corrupção. Sempre haverá casos, está na natureza do ser humano – explicou à AFP. – Mas o importante é que é cada vez mais difícil cometer delitos e cada vez é mais fácil denunciá-los. Os escândalos permitem ter pequenos avanços.