Passado praticamente um mês do início da calamidade em Caxias do Sul, estado decretado em 2 de maio, a prefeitura já trabalha pensando na reconstrução e na prevenção. Ao menos é o que garante a vice-prefeita Paula Ioris (PSDB), que lidera uma parceria com a Universidade de Caxias do Sul (UCS) para a busca de dados e evidências científicas para nortear ações futuras do Executivo em relação às mudanças climáticas.
Um protocolo de intenções foi assinado na última segunda-feira (27) entre a prefeitura e a UCS para a realização de estudos com o objetivo de preparar o município para eventos climáticos futuros e transformar Caxias numa "cidade resiliente". O trabalho pretende identificar as eventuais falhas e pontos críticos do município a partir de evidências científicas. A promessa é de que indicadores sejam validados até o dia 12 de junho, que serão usados para nortear planos de ação do Executivo na área ambiental.
Paula Ioris concedeu entrevista ao Pioneiro e falou sobre as ações dos últimos anos da prefeitura sobre efeitos climáticos, mudanças de mentalidade da gestão e da população, além de aprendizados que o município terá a partir da calamidade que assolou o Rio Grande do Sul durante o mês de maio.
Confira a entrevista
Parceria com a UCS
"Desde o início do nosso governo, a gente está trabalhando com essa construção para a tomada de decisão baseada em dados. Neste momento, o que a gente está buscando é a identificação de evidências do nosso processo de cidade como um todo, do que nós temos que está bom, um prognóstico de questões que a gente precisa melhorar, sempre pensando no aspecto preventivo. Nós temos instalada no município uma Comissão Municipal de Mudanças Climáticas, que já tem um plano de trabalho com diretrizes macro, aprovadas pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente. O trabalho com a universidade é no sentido de a gente ter essa visão ampliada, para entender como vivemos esse momento e o que a gente precisa melhorar para ter impactos menores em outro desastre. Isso vale para encostas, para rios, e assim por diante."
Uso dos indicadores
"A gente vai ter uma plataforma com indicadores, que vão nos dar forças, fraquezas, pontos de melhoria. Onde tem ponto de melhoria, temos que ter um plano de ação. A diferença de sair fazendo um plano de ação no "achômetro" e um plano de ação baseado em dados é isso, identificar o cenário, ver onde tem mais gravidade. A gente quer ter esses planos de ação para agir. Cada indicador ali posto vai trazer uma reflexão e uma identificação de necessidade de ação. E muitas coisas terão que ser regionais, porque se a gente estiver falando, por exemplo, de desassoreamento dos rios, não adianta só uma cidade fazer. Tem que haver um plano regional. O fundamental de tudo isso é a gente trabalhar a partir de evidências e dados, e aí estabelecer prioridades."
Mentalidade das ações
"Quando nós tivermos os indicadores mapeados, validados, vamos estar olhando para dentro de nós, para a nossa cidade, para as nossas políticas, para as nossas ações, o que temos de força, o que temos de fragilidade. É aí que ocorre a mudança de mentalidade, com uma consciência de coisas que a gente precisa melhorar, com planos de ações de coisas que a gente precisa melhorar, o que vai depender da gestão da prefeitura, o que depende de um comportamento de cidade. O desastre ajuda as pessoas a perceberem que tem que ter mudança no comportamento. A gente precisa trabalhar alinhado à ciência, à evidência de dados. Os planos de ação não são de um único governo, eles têm que fazer parte do planejamento estratégico da cidade, é uma visão de cidade."
O objetivo de a gente ter esse trabalho, essa plataforma, é que a gente possa se autoavaliar. A cidade tem que gerar aprendizado.
Aquecimento global
"A gente está vivendo o efeito das coisas. Os desmoronamentos aconteceram porque teve muita chuva. Mas por que teve muita chuva? E não é de agora. Em menos de um ano, a prefeita de Santa Tereza teve quatro destruições. Tem coisas que não mais vão poder ser construídas onde estavam. O objetivo de a gente ter esse trabalho, essa plataforma, é que a gente possa se autoavaliar. A cidade tem que gerar aprendizado. A cidade, o Estado e o país têm que ter aprendizado. De uma forma geral, a população não acredita até que acontece. A gente pensa que nunca vai acontecer. O aquecimento global é negado pelas pessoas, tem pessoas da minha família que não concordam que ele existe. Nem sempre (a legislação ambiental) é compreendida. Dizem que 'demora muito para aprovar', porque 'o meio ambiente não sei o que lá', mas é através da proteção da Mata Atlântica, da política de impermeabilização, do código de construção, dessas coisas (que a gente cuida do meio ambiente)."
Deslizamentos e encostas
"Não me lembro de ter visto deslizamentos dessa ordem na nossa cidade. Ouvi muito os técnicos falando, e é fundamental a drenagem. Não adianta contenção sem drenagem. Então isso vai ficar como aprendizado. Nós sempre nos orgulhamos aqui de ter parreiral nos morros, de ter plantação de tudo nos morros, os italianos chegaram aqui e plantaram nos morros. Agora foi tudo embora. Então, nessas ações que vêm pela frente, nós vamos ter que ter ainda mais a consciência de como usar o solo nessas encostas."
Ações da prefeitura
"Nós fomos apresentar o plano de trabalho da Mata Atlântica na COP (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2023, em Dubai). Nós temos um plano municipal de arborização. As flexibilizações que a gente já fez, por exemplo, relativas a lei de liberdade econômica, sempre foram relativas às atividades de baixo risco. O risco alto nunca deixou de ter a análise que tem que ter. Nós temos legislação robusta sobre isso. A gente deixou de ver um salão de beleza igual a uma metalúrgica para aprovar o licenciamento. Nós temos uma carta geotécnica que diz onde pode e onde não pode construir, poucos municípios têm isso. Nós temos vários planos municipais, várias legislações, mas cabe analisarmos como é que estão, se estamos atuantes ou não. Nós recentemente fizemos alteração de todo o código de obras. Agora, com esse volume excessivo de chuvas, tudo isso vai ter que ser reavaliado. A visão é de ter um novo normal."