Apontamentos da Vigilância Sanitária e déficit financeiro são as justificativas da superintendente do Hospital Pompéia, Lara Sales Vieira, para o fechamento da maternidade na instituição, que deve ocorrer a partir de 1º de janeiro de 2024. As explicações foram apresentadas em depoimento à CPI da Saúde, em sessão que durou mais de cinco horas na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul entre a manhã e a tarde desta segunda-feira (30).
Segundo Lara, a Secretaria da Saúde (SMS) pediu para estender o contrato por mais 12 meses, com o objetivo de montar um plano de transição, o que o Pompéia ainda aguarda. A ala materno-infantil do Pompéia foi o assunto central da oitiva. A preocupação dos parlamentares é entender o caminho a ser seguido a partir do ano que vem, quando, como reafirmado por Lara, a maternidade no Pompéia será fechada. A superintendente explica, entretanto, que há três pontos principais para que esta decisão tenha sido tomada:
- Apontamentos da Vigilância Sanitária de inconformidades na estrutura para continuar realizando partos e cirurgias, que exige uma "grande reforma" para readequação da área.
- Déficit financeiro, levando em conta que 80% dos serviços do hospital são destinados ao sistema público, mas apenas 42% da receita do Pompéia vem da prestação destes serviços. Os atendimentos privados representam cerca de 20% do total, e geram aproximadamente 57% da receita.
- O fato de o Pompéia não ser a referência para atendimentos materno-infantis, e sim o Hospital Geral.
— Já era de conhecimento da administração municipal e do Pio Sodalício que teríamos problemas na ala materno-infantil. O desafio era encontrarmos uma equação um pouco mais possível, visto que o hospital não é referência para essa linha na região, visto que tínhamos um grande desafio de readequar essa área e não era possível sob o ponto de vista econômico-financeiro, visto que a sustentabilidade de hospital filantrópico se dá pela prestação de serviços privados. Frente a esse conjunto de coisas, entendemos que seria oportuno chamar o município e descontinuar a linha materno-infantil — declarou Lara Vieira.
Negociações com a prefeitura
Em relação à negociação da direção do Pompéia com a prefeitura para o fechamento da ala materno-infantil, Lara informa que comunicou a Secretaria da Saúde (SMS) em agosto de 2022 sobre a decisão de encerrar as atividades no setor no final de 2022, prazo que estaria previsto no contrato. Além disso, Lara confirmou que a decisão é de fechar toda a assistência da maternidade, tanto para o sistema público quanto para os pacientes privados.
— Foi solicitado (pela SMS) para que continuássemos por mais um ano, para que o município conseguisse nesse período organizar a transição, para que o hospital não mais precisasse realizar esse serviço. Há uma lei, há um contrato que rege essa relação, e em nenhum momento o hospital feriu. Não participamos nem nos tornamos cientes, até o presente momento, se o município fez um plano de transição. Antes até da notificação, tentamos estabelecer algumas reuniões e colocar a posição para o município, e como não tivemos êxito, notificamos formalmente (a decisão de fechar a maternidade).
O município tem o compromisso maior, tem essa responsabilidade de conseguir efetivar um plano de transição
LARA SALES VIEIRA
Superintendente do Hospital Pompéia, sobre a oferta de serviço materno-infantil em outra instituição
No início das tratativas, a direção do Pompéia chamou o Ministério Público para intermediar as negociações, que por sua vez acionou o Estado para participar. A pauta é tratada pessoalmente pela secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann.
— O MP solicitou ao município que apresentassem, em 30 dias, um plano de transição para que os serviços deixassem o Pompéia e fossem assumidos por outra entidade, e nisso estamos até o presente momento. Essa organização não quer deixar de ser filantrópica e jamais deixou de prestar serviço a essa comunidade, propusemos ao município a redução de alguns serviços, e não houve a possibilidade. Pretendemos nos fortalecer nas especialidades das quais somos referência, o que já é um extremo desafio, posto o déficit que essa operação deixa ao hospital.
Outra situação criticada por Lara foi em relação à falta de contrapartida adicional do município para manter a operação da maternidade. De acordo com a superintendente, os médicos pediram aumento de honorários e renovação de equipamentos, para que fosse feita a manutenção da ala materno-infantil durante 2023, e o Pompéia arca com 100% deste custo.
— Os nossos salários estavam muito abaixo do mercado. Pedimos que o município dividisse os custos conosco e não houve nenhum repasse de valores, assim como o município disse que não poderia arcar com os custos dos equipamentos. Estamos arcando 100% com essa diferença de valores para manter o serviço funcionando nesses 12 meses que o município solicitou o prazo. Cedemos mais 12 meses, sem um centavo de contrapartida. Não pode cair sob os ombros de um ente privado a responsabilidade do provimento da saúde pública de um município ou região, nós prestamos um serviço complementar.
Hospital Geral é referência
Segundo o depoimento da superintendente do Hospital Pompéia, a referência para os atendimentos de maternidade na região é o Hospital Geral.
— É uma dúvida que até nós temos. Por que o HG, que é a referência de maternidade, não abraça a maternidade do Pompéia como um todo? Também gostaria de entender. Que seja do meu conhecimento, o HG não está nessa discussão. Temos ciência de que o Hospital Círculo está na mesa de negociação. Também ficamos cientes de que o Virvi Ramos foi procurado, mas parece que não conseguiram fazer um encontro de interesses.
Lara disse, inclusive, que o Pompéia é referência atualmente de serviços como neurocirurgia e traumato-ortopedia, e que não há interesse de outros hospitais em assumir ou repartir a demanda desse tipo de atendimento.
— O Pompéia terminou 2022 com déficit de R$ 2 milhões, ninguém paga essa conta, quem paga é a entidade mantenedora. Temos um papel fundamental na saúde publica. Nós chamamos a prefeitura e informamos uma série de motivos, e pedimos que a prefeitura reorganizasse o sistema, de forma que o Hospital pudesse continuar. Não foi possível auxiliar o Pompéia nas especialidades mais onerosas, mas não foi possível porque não há outros hospitais interessados em assumir. Dessa forma, nos posicionamos em descontinuar o materno-infantil.
Uma reunião entre Pompéia, secretarias estadual e municipal da Saúde e Ministério Público está agendada para a próxima quarta-feira (1º), para tratar do tema. A expectativa da superintendente Lara é que seja apresentada uma alternativa.
— O município irá se manifestar de como está o planejamento para a descontinuidade desse atendimento no hospital. O que esperamos é o plano de transição, o município tem o compromisso maior, tem essa responsabilidade de conseguir efetivar um plano de transição.
Prefeitura negocia com outros hospitais
Em conversa com a reportagem, a secretária municipal de saúde, Daniele Meneguzzi, lembra que a Secretaria Estadual de Saúde (SES) realizou assembleia com os 49 municípios da região Nordeste sobre a intenção do Hospital Pompéia em fechar a maternidade. A partir da reunião, no final de 2022, Estado e municípios solicitaram ao hospital um prazo de três anos para a transição. Daniele afirma que o Pompéia é uma referência regional no atendimento materno-infantil, inclusive com a UTI Neonatal. Por isso, o serviço demanda uma grande estruturação para a instituição que assumi-lo:
— Nós já estivemos sentados com todas direções de todos hospitais de Caxias, tentando buscar esse equacionamento, e até este momento nós não temos efetivamente essa situação resolvida. As tratativas estão bem avançadas. Nós temos isso já num bom estágio de negociação. Mas, é claro, não é algo que dependa apenas da prefeitura. Isso depende obviamente da decisão dos outros hospitais de aceitarem absorver esses serviços com os valores que podemos despender para sustentá-los.
A secretária explica que a transição só pode efetivamente começar quando outro hospital estiver com acordo fechado para assumir o serviço. Daniele informa que pelo menos uma instituição já teria recebido os dados sobre a maternidade e feito uma visita ao Pompéia para entender o fluxo do atendimento.
— Então, essa instituição, inclusive, fez essa visita ao Pompeia para conhecer a estrutura e poder formalizar proposta ao município — informa Daniele.
As referências dos hospitais
A secretária da saúde de Caxias também comentou a declaração de que o Hospital Geral seria a referência dos atendimentos de maternidade na Serra. Daniele declara que HG e Pompéia são as duas referências.
A titular da pasta diz que a abertura de dez novos leitos de UTI Neonatal no HG no mês passado faz parte de uma demanda antiga. A ampliação já estava prevista, antes mesmo do anúncio do Pompéia em fechar a maternidade. Para a secretária caxiense, as duas instituições têm o mesmo tamanho para os atendimentos:
— O HG tem, rigorosamente, em termos de maternidade o mesmo tamanho que o Pompéia. Assim como o HG tem referências em outras altas complexidades, o Pompéia também tem. O fato do Hospital Geral ser um hospital 100% SUS, um hospital do Estado, não confere apenas a ele o direito de decidir quais serviços vai receber ou vai ofertar. Essa é uma construção que precisa ser feita. Não pode-se afirmar que o Hospital Geral teria essa obrigação. O Hospital Geral tem essa obrigação tanto quanto o Pompéia, teoricamente, teria essa obrigação de permanecer ofertando um serviço que já é prestado desde a sua fundação, há 110 anos.