Não é de agora que a Maesa é tema de debates em Caxias do Sul. O complexo, construído em 1945 para abrigar a fábrica 2 da Metalúrgica Abramo Eberle SA, foi doado ao município em 2014 pelo governador Tarso Genro. À época, o então prefeito de Caxias, Alceu Barbosa Velho (PDT) — que governou entre 2013 e 2016 —, foi quem comandou as negociações com o governo do Estado para receber a área e, então, construir uma atração turística e um novo espaço de convivência para os caxienses.
Um projeto de ocupação foi desenvolvido pela secretária de Cultura do governo Alceu, Rúbia Frizzo, através do Plano de Uso e Gestão da Maesa, que previa o uso dos espaços para abrigar secretarias municipais, além da construção de um mercado público, museu e espaços culturais. Na proposta, a utilização do complexo seria feita por etapas, todas executadas pela prefeitura, através de recursos, principalmente, economizados pelo fim do aluguel pago pelas sedes das secretarias.
Após seis anos longe da prefeitura e de outros cargos públicos, Alceu segue sua vida como advogado, atendendo no seu escritório no bairro Exposição. Em entrevista ao Pioneiro, o ex-prefeito — que atendeu à ligação da reportagem enquanto participava de um rodeio na tarde desta sexta-feira (14), em Flores da Cunha — deu sua visão a respeito do debate que cerca o complexo da Maesa, cujo projeto de concessão patrocinada, apresentado pela atual gestão da prefeitura, sob o comando de Adiló Didomenico (PSDB), atualmente está em período de consulta pública.
Na avaliação de Alceu, é importante que a sociedade participe intensamente dos debates, e que o poder público seja o principal responsável por todo o complexo. Além disso, o pedetista criticou a recente atuação dos vereadores do PDT na Câmara – Lucas Diel, líder do governo na Câmara, e Rafael Bueno, presidente da Frente Parlamentar A Maesa é Nossa. Para Alceu, é "lamentável" que os parlamentares, que oficialmente não compõem a base do governo, defendam as propostas do Executivo.
Confira a entrevista
Como enxerga as discussões a respeito da ocupação da Maesa?
Alceu Barbosa Velho: "Meu governo trouxe a Maesa para Caxias. O governador Tarso Genro, por nosso intermédio e de muitas pessoas, como a Câmara e a UAB, fez a doação da Maesa, e isso foi o que consegui como prefeito. Ali, a Rúbia (Frizzo), secretária da Cultura, fez um esboço do que poderíamos fazer. Depois, como o (Edson) Néspolo (candidato do PDT) perdeu a eleição e não ficou ninguém nosso (do PDT) no governo, se perdeu o contato. Como não sou mais prefeito, é quem está no comando hoje que dá o destino. A minha parte eu fiz, que era a mais importante, em que pese a ideia de que alguns membros deste governo dizem que foi um 'presente de grego', é um negócio... (riso). Mas enfim, eu não sou mais prefeito e não tenho mais nada a ver. Evidentemente que a comunidade tem que estar presente e discutindo, seja um projeto ou outro. Eles esquecem, mas eu sei a luta que eu fiz e o que valeu a relação política que eu tinha com o Tarso Genro. Eu, como deputado, construí uma amizade muito grande com ele, muito bacana, e foi fruto dessa amizade e relação política, defendendo os interesses do Estado, que a gente chegou onde chegou. E aí agora tem gente do próprio governo dizendo que isso (a Maesa) foi um 'presente de grego', ah, vai tomar banho..."
Como avalia o projeto de concessão patrocinada da prefeitura?
Alceu: "Como eu não tenho conhecimento do projeto, não posso falar. Mas o que eu vejo é o seguinte. É o terceiro ano de governo que se fala em abrir a Maesa, e desde o começo não fizeram nada. E agora tem que fazer tudo de uma hora pra outra. Vem secretário, troca secretário, quer dizer, a única coisa que eu sou contra é essa pressa. Em dois anos não houve pressa nenhuma, por que essa pressa agora? Eu não me vejo em condições de debater porque fui prefeito, tudo o que eu podia fazer eu agi, a minha parte foi feita. Nossa parte de trazer a Maesa foi um presente para Caxias. Mas quem tem que definir o destino agora é o prefeito, vereadores e a sociedade civil organizada."
Esse é um patrimônio público. Pode ter iniciativa privada? Pode, mas quem tem que dar as cartas é o poder público.
ALCEU BARBOSA VELHO
Ex-prefeito de Caxias do Sul sobre ocupação da Maesa
O projeto que vocês construíram ainda é viável?
Alceu: "O grande problema é que tudo o que nós fizemos com a Rúbia não foi dada continuidade. O ex-prefeito, aquele cassado (Daniel Guerra), não fez nada. Depois o (Flávio) Cassina, interinamente, que eu saiba, também não fez nada. Então agora, depois de dois anos, começam a falar sobre. Não foi dado o devido valor para esse patrimônio enorme que tem Caxias do Sul. Esse é um patrimônio público. Pode ter iniciativa privada? Pode, mas quem tem que dar as cartas é o poder público. Se nós ficássemos na prefeitura, isso aí já estaria tudo resolvido, já estaria pronto. Certamente, se fosse o Néspolo que tivesse ganho a eleição, bah... Nós tínhamos a solução e ela estava ali. Evidente que quando o mercado público começar a funcionar, vai funcionar pela mão da iniciativa privada, isso é óbvio. Eu não tenho nada contra essas parcerias, o grande problema é como fazer e de repente entregar tudo para a iniciativa privada, uma coisa que é um presente do governo do Estado pra Caxias do Sul. O simbolismo da Maesa, ela representa o braço metalúrgico e trabalhador da cidade de 1875 até hoje. Mas como não sou prefeito, me inclua fora dessa."
O senhor acompanha os debates a respeito dos projetos de ocupação?
Alceu: "Claro que eu leio, mas me sinto constrangido metendo o bedelho porque não sou prefeito. Como ex-prefeito, não posso ficar me metendo. O que tinha que ser feito foi feito, o mais importante nós fizemos, que foi trazer a Maesa, a edificação toda, para o município de Caxias do Sul. Agora ficam discutindo essas bobagens de tombamento, de não sei o que, isso está tudo resolvido, bola pra frente. É ocupar os espaços e pronto."
O que representa a Maesa para Caxias do Sul?
Alceu: "A Maesa é o maior patrimônio que Caxias tem. O simbolismo disso aí é a imigração italiana, o trabalho, o polo metalmecânico de Caxias do Sul, puxa vida. É só pegar na história a importância enorme. O que não pode é descaracterizar e fazer com que a participação pública seja menor que a privada. Tem que haver um diálogo muito intenso."
Como avalia a atuação dos vereadores do PDT, que, mesmo com o partido fora do governo, apoiam a proposta da prefeitura?
Alceu: "Eu disse, lá no início quando foi nomeado o nosso suplente de vereador como líder de governo: 'como que vai ser líder se não faz parte do governo?' Aí está desse tamanho, né. PDT fica ali, batendo cabeça, porque os vereadores pensam de uma maneira, a nossa presidente, com toda legitimidade, pensa de outra forma. O PDT não faz parte do governo em nada, e fica lá dando pitaco e liderando, entre aspas. Eu nunca vi na minha vida política um cara ser líder de um governo de que não faz parte. É muito ruim isso aí, muito ruim para o PDT. Ainda bem que o PDT está se estruturando, a Cecília (Pozza) é uma excepcional presidente, tem feito um ótimo trabalho, juntando os cacos de todos os lados e sendo ajudada por muita gente. É lamentável (a atuação dos vereadores), porque politicamente não tem explicação. Como que vai explicar que o PDT não está no governo, e quem mais dá pitaco hoje, e que além de defender participa ativamente do lado da prefeitura, são os nossos vereadores? Mas eles têm as razões deles, e não vou entrar nesse mérito. Mas fica muito ruim, eu me sinto muito mal, me sinto constrangido por isso. Eu, que já fui vereador, vice-prefeito, deputado e prefeito pelo PDT, me sinto muito, muito, muito incomodado, desagradado. É uma situação constrangedora mesmo."
Como o PDT deveria se posicionar neste debate?
Alceu: "Eu não estou dizendo que os vereadores devem agir dessa ou daquela maneira. Como que eu vou dizer o que é certo e errado? Mas é esdrúxulo, o cara é suplente, o prefeito acena de abrir uma vaga para ele, é evidente que ele vai correndo. E aí subverte toda uma ordem, por isso que eu estou fora de tudo isso, só fico assistindo. Fico constrangidamente assistindo."