É num apartamento da Rua Garibaldi, no centro de Caxias do Sul, que vive o agora cidadão emérito Mansueto de Castro Serafini Filho, que recebeu o título como homenagem da Câmara de Vereadores na noite da última quinta-feira (28/4). Aos 84 anos, o ex-prefeito de Caxias vive sua vida diariamente em casa, acompanhando as notícias nacionais e locais, lendo e relendo obras da sua biblioteca particular e se entretendo com jogos de dominó. Mesmo sem concorrer desde que se elegeu prefeito em 1988, Mansueto segue ligado ao PTB, partido pelo qual fez maior parte da sua vida na política, e ainda dá suas opiniões "apenas quando consultado", como ele mesmo diz.
Figura histórica da política caxiense, Serafini entrou na política em 1963, com 24 anos, quando foi eleito vereador. Ele graduou-se em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) antes de iniciar sua trajetória. Mais tarde, em 1968, foi eleito vice-prefeito e depois foi prefeito em duas oportunidades: a primeira em 1976 e depois, eleito novamente para um segundo mandato em 1988. Antes de sua primeira eleição, Mansueto era jornalista da Rádio Caxias, onde ficou conhecido por seus comentários.
— Isso me deu acesso à opinião pública e por isso fui candidato a vereador pelo PTB. Para minha surpresa, fui o mais votado. Não esperava, queria até ser suplente, para atuar e ser eleito na eleição seguinte. Mas foi uma surpresa grande. Eu fui o vereador mais votado do PTB em 1963 antes do golpe de Estado de 1964. Enfrentei o golpe como vereador, e achava que eu seria cassado por ser líder da oposição, mas não aconteceu — conta o ex-prefeito.
Sobre o período em que foi vereador, inclusive, Mansueto relata ter sido "terrível", por causa da ditadura. Com o início do regime militar, o governo federal extinguiu todos os partidos políticos e criou dois novos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), do governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), do qual faziam parte os opositores aos militares.
— No dia 1º de abril (de 1964), houve aquele movimento de Minas liderado pelo general Olímpio Mourão, e a Câmara de Caxias estava reunida em caráter extraordinário. Na época, o vereador Jacinto Maria de Godoy, do PL, que era general da reserva, foi favorável ao golpe de 1964. Eu, como líder do PTB, fiz discurso chamando de golpe de Estado. A maioria dos demais vereadores ficou aguardando os acontecimentos e não se posicionou — lembra Mansueto.
Relação com ex-presidente Figueiredo
Entre as principais memórias das suas gestões como prefeito de Caxias, Mansueto sempre lembra do seu encontro com o ex-presidente João Figueiredo, quando veio à Festa da Uva em 1981. Na ocasião, o presidente militar tinha a ideia de redemocratizar o país, e queria contar com o apoio da oposição para fazer acontecer.
— Ele queria aproveitar que eu era um prefeito do PDT, na época, e disse que nós da oposição precisávamos ajudá-lo a redemocratizar o país contra tudo e contra todos, acontecesse o que acontecesse, e de fato ele conseguiu isso. Foi o presidente da ditadura que redemocratizou o país, e pediu o apoio da oposição. Essa decisão do Figueiredo foi notícia em todo pais, esse contato que fez conosco. Figueiredo não falava à imprensa, e os jornalistas todos, que vinham de todo o Brasil para acompanhar a Festa da Uva, me perguntaram o que falei com o presidente, pois chamou a atenção da imprensa que ficamos várias horas num almoço, num churrasco no Rincão da Lealdade. Quando a imprensa me questionou, olhei para o presidente e ele disse "pode falar o que nós dissemos", e então reproduzi a notícia, que inclusive a turma do meu partido não gostou muito. Mas, no final, deu certo, ele redemocratizou o Brasil.
Enfrentei o golpe de 1964 como vereador, e achava que eu seria cassado por ser líder da oposição, mas não aconteceu
MANSUETO SERAFINI FILHO
Ex-prefeito de Caxias do Sul
Por causa desse apoio, Mansueto conseguiu recursos do governo federal para Caxias, mesmo sendo da oposição. O ex-prefeito caxiense conta que o município recebeu valores que nunca havia recebido no passado, que nem prefeitos do Arena foram contemplados.
— Ele gostou, talvez, da conversa.
Além de Figueiredo, Serafini sempre manteve bom relacionamento com todos os lados da política. Ele lembra de uma situação envolvendo o Samae, quando o governo do Estado queria tomar o comando da empresa municipal de saneamento.
— Lutei para manter sob o comando da prefeitura. De forma inesperada até, mas que uniu Caxias, a bancada do Arena me apoiou. Caxias se uniu em defesa do Samae, e foi algo que marcou e me deixou profundamente satisfeito pelo apoio que recebi — destaca.
Sistema Faxinal e obras no centro
Entre as principais ações dos seus dois governos a frente da prefeitura, Mansueto destaca o Sistema Faxinal e as obras de asfaltamento nas principais avenidas do centro de Caxias. Nos anos 70, a cidade enfrentava grandes racionamentos de água, que duraram quase um ano, segundo o ex-prefeito. Mas com as obras de apropriação do Arroio Faxinal, a prefeitura conseguiu resolver o problema na primeira etapa dos empreendimentos.
— No segundo governo, fizemos a segunda e definitiva etapa do Faxinal, que até hoje abastece 60% da cidade de Caxias. Além disso, no primeiro governo, construímos a Casa da Cultura, que muitos vereadores eram contra. Diziam que tinham coisas mais urgentes, como saneamento, enquanto nós dizíamos que Caxias precisava de um teatro municipal, de uma galeria de arte, de uma biblioteca, que na época funcionava num barracão. No segundo governo, começamos o trabalho de asfaltamento. Asfaltamos todos os acessos de bairros, e o recapeamento asfáltico do centro da cidade por cima do paralelepípedo. Também nessa época se criou a orquestra sinfônica de Caxias e várias atividades culturais — destacou Mansueto.
"Simon é meu irmão"
Na sala de seu apartamento, Serafini reúne pelas paredes fotos e retratos que relatam toda a sua vida e sua trajetória política. Entre as imagens, estão um encontro com o presidente de Portugal, uma reunião com Tancredo Neves em Caxias do Sul para lançamento do Partido Popular em 1981, além da Barragem do Faxinal, que foi feita com recursos da própria prefeitura. Entre as diversas lembranças, Mansueto guarda com carinho uma relação de amizade com o ex-senador e ex-governador do RS, Pedro Simon (MDB).
— Simon é meu irmão. Houve essa divergência, que optei pelo PTB e ele pelo PMDB (hoje MDB). Mas sempre nos demos bem, sempre houve uma troca de opiniões e respeito mútuo. Simon é um dos políticos mais importantes do Rio Grande do Sul e do Brasil. No Senado, ele foi um senador que brilhou e era respeitado em todo o Brasil por suas posições marcantes de oposição.
Serafini lembra também da União Democrática por Caxias, a UDC, uma aliança municipal criada para as eleições de 1988, quando ele foi eleito prefeito para seu segundo mandato.
— Houve uma reunião de vários pequenos partidos, como PSDB, PL, PTB, e nós criamos a UDC, enfrentando naquela eleição o (Germano) Rigotto (MDB), que depois virou governador. Ele era candidato do governo, apoiado pelo Pedro Simon, que era meu amigo mas teve que apoiar o candidato do partido dele. O Nadyr Rossetti (PDT) foi o candidato apoiado pelo (Leonel) Brizola, que esteve aqui em Caxias e me chamou de traidor do trabalhismo, porque eu já tinha saído do partido. A UDC venceu a eleição por larga diferença numa vitória que me surpreendeu também pelo número de votos obtidos. Então a UDC foi extinta, porque era um partido municipal, e aí optei pelo PTB — conta.
A vitória em 1988 é considerada pelo próprio ex-prefeito como a sua mais expressiva, quando enfrentou o ex-governador Rigotto, considerado favorito para o pleito, e Nadyr Rossetti, que era apoiado por Leonel Brizola, que na época tinha apoio de cerca de 80% de Caxias nas eleições para presidente, que seria realizada no ano seguinte.
— Consegui uma votação espetacular e me elegi novamente prefeito. Minha campanha foi baseada na primeira administração. Eu tinha um filme na televisão com o que eu tinha feito no primeiro governo. E eu dizia: "isso eu fiz no primeiro governo, agora vou fazer mais isso".
Descanso e futuro
Para o futuro de Caxias, Mansueto pede algumas providências consideradas "ousadas". Ele cita um estudo preliminar, realizado no final do seu segundo mandato como prefeito, para uma nova cidade perto de Ana Rech, que abrangeria um polo industrial e loteamentos populares fora das bacias de captação do Faxinal e da Maestra.
— Com a expansão de Caxias, chegamos num ponto em que não há mais condições. A única parte realmente plana é a que vai de Forqueta a Ana Rech, de resto são morros imensos, e a cidade não tem mais condições de se expandir, por isso está crescendo para cima. Temos que ir mais em direção a Ana Rech, através de uma cidade devidamente planejada — demanda.
Além disso, um projeto de um trem urbano para o transporte coletivo também é apontado por Mansueto como uma demanda importante para o futuro do município.
— Acho também que deve ser estudada a possibilidade, pode parecer um projeto até utópico, mas está na hora de estabelecermos um trem urbano entre Ana Rech e Forqueta, passando pela (Avenida) Júlio (de Castilhos) ou Sinimbu, e com transporte de ônibus trazendo para esse sistema. Não é utópico, o Faxinal também era. Ninguém acreditava que se fizesse o Faxinal e foi feito.
Atualmente, Mansueto mora com seu filho, Márcio Serafini, que é coordenador de comunicação do Governo Adiló Didomenico. Foi casado com Suzel Regine, que morreu em 2000 em função de uma leucemia, antes de poder conhecer os netos Arthur e Luíza, que fazem a alegria do avô Serafini. O casal teve um segundo filho, André, que era autista e morreu aos 21 anos.
— Agora estou com 84 anos, está na hora de descansar e dar palpites quando me pedem, se não, não me ofereço. Tenho 50 anos de experiência, alguma coisa a gente guardou e pode dar uma contribuição.