Em placas, faixas, textos em redes sociais e proferidas em manifestações desde o início da campanha eleitoral, em agosto, palavras e expressões começaram a aparecer de forma mais frequente, em especial, em atos disseminados pelo país no pós-eleições que reivindicam a anulação do pleito presidencial vencido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Comunismo, fascismo, intervenção federal, intervenção militar, golpe de Estado e Supremo Tribunal Federal estão nesta lista, expressões utilizadas por ambos os lados. O Pioneiro conversou com dois professores da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e traz um glossário com o significado dessas seis palavras.
Comunismo
O comunismo pode ser entendido como uma ideologia política e socioeconômica que pretende estabelecer uma sociedade sem desigualdade social e sem a presença do Estado, por meio da abolição da propriedade privada e das classes sociais.
É um dos termos mais utilizados por parte dos manifestantes de direita e virou uma espécie de xingamento, principalmente durante a campanha eleitoral. Na ótica desse grupo, com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Brasil corre o risco de virar um regime comunista, assim que Lula assumir.
"Ganha as ruas num clássico político assinado por Karl Marx e Friedrich Engels intitulado O Manifesto do Partido Comunista de 1848. Os teóricos comunistas acreditavam que a revolução proletária iria preparar o mundo para uma nova ordem social. A caminhada em relação à sociedade comunista seria precedida pelo socialismo, condição política na qual ainda existiria o Estado ordenado pelos interesses da classe trabalhadora. Considerando esse preâmbulo, é possível afirmar que na História humana recente não houve nenhuma experiência comunista posta em prática. As experiências da União Soviética, da China e de Cuba, por exemplo, não conduziram seus respectivos países para uma sociedade comunista. O comunismo foi historicamente instrumentalizado como inimigo político no Século 20. Atualmente, o argumento reapareceu com a intenção de colocar medo nos eleitores e plantar receio de que um governo popular pudesse implementar o comunismo. Trata-se da banalização do termo para fins políticos. Importante lembrar que o Brasil vive um Estado Democrático, com eleições auditáveis e instituições consolidadas, condições estranhas a uma revolução comunista nos moldes do modelo da modernidade dos séculos 19 e 20."
Roberto Radunz, professor de História Contemporânea da UCS
Fascismo
O fascismo foi uma experiência política do mundo ocidental na metade do Século 20. Ele se desenvolveu em alguns países europeus após a Primeira Guerra Mundial, principalmente, na Itália e Alemanha, que enfrentavam graves crises econômicas. Entre as principais características do sistema estão a exaltação da violência, o militarismo da sociedade e a criação de inimigos para justificar ações autoritárias.
"Benito Mussolini, na Itália, reuniu parte da sociedade em torno de um projeto totalitário que criticava o Estado Liberal e as instituições democráticas. Na sua expressão totalitária, percebe-se o descaso para com as instituições democráticas, além de posturas misóginas, racistas, entre outras. O fascismo como adjetivação política não desapareceu com o fim da Segunda Guerra Mundial. Ele se enquadra como uma postura de extrema direita, ligada ao capitalismo mais conservador e reacionário. Como o fascismo faz parte do mundo capitalista, ele está presente na sociedade ocidental, povoando o imaginário político e justificando o uso de armas e de ações militaristas das milícias. Dessa tendência decorre o que de mais perverso caracteriza a extrema direita: o reaparecimento de tendências neonazistas."
Professor de História Contemporânea da UCS Roberto Radunz
Intervenção federal
Entende-se a intervenção político-administrativa da União nos Estados e no Distrito Federal com fundamento exclusivamente nas hipóteses previstas no artigo 34 da Constituição Federal de 1988.
"A decretação de intervenção federal é de competência privativa do presidente da República. Posto em vigor após publicação, o decreto de intervenção deverá ser submetido à apreciação do Congresso Nacional no prazo de 24 horas, que poderá rejeitá-lo, pondo fim à intervenção federal. No decreto, o presidente especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução da intervenção. Poderá nomear um interventor — um civil ou um militar — para executar as medidas necessárias. No entanto, o cargo de interventor tem natureza civil, mesmo quando ocupado por um militar, porque a intervenção federal é uma medida de natureza civil. Após 1988, a intervenção federal foi decretada em apenas duas unidades da federação: no Estado do Rio de Janeiro, de 16 de fevereiro a 31 de dezembro de 2018, e no Estado de Roraima, de 8 a 31 de dezembro de 2018. Em ambos os casos, a intervenção teve como fundamento pôr fim a um grave comprometimento da ordem pública. A intervenção no Rio de Janeiro limitou-se à área de segurança pública."
Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor da UCS Wilson Antônio Steinmetz
Intervenção militar
Intervenção militar é uma ação ou um conjunto de ações realizadas por forças militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, separadamente ou em conjunto, no território do próprio país ou em território de outro Estado nacional. Não compete às Forças Armadas interferir ou arbitrar na mudança ou sucessão de governos, esclarece o doutor em Direito pela UFPR e professor da UCS, Wilson Antônio Steinmetz.
"A Constituição Federal de 1988 não faz menção expressa ao conceito de intervenção militar. Contudo, a Constituição e a Lei Complementar nº 97 de 1999 preveem que as Forças Armadas podem ser acionadas para a defesa da soberania do Estado brasileiro contra ações de Estados estrangeiros, garantia da existência e atuação dos poderes constitucionais - Legislativo, Executivo e Judiciário - e garantia da lei e da ordem. Conforme previsão legal, "compete ao presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados." No caso específico de garantia da lei e da ordem, além do presidente da República, o pedido poderá ser feito também pelo Congresso Nacional e pelo Supremo Tribunal Federal, após esgotados os meios e as tentativas dos órgãos de segurança pública — Polícia Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e Força Nacional de Segurança Pública — destinados à preservação da ordem pública e da integridade das pessoas e do patrimônio. As Forças Armadas também podem ser empregadas em operações de paz, como foi o caso da atuação do Exército Brasileiro na Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti, de 2004 a 2017."
Doutor em Direito pela UFPR e professor da UCS Wilson Antônio Steinmetz
Golpe de Estado
Golpe de Estado caracteriza-se por uma mudança ou destituição de governo com métodos e ações que violam a Constituição vigente.
"Em geral, a tomada do poder político com ruptura da ordem constitucional se realiza por meios violentos (por exemplo, um golpe militar ou um golpe de civis com apoio militar), embora também possa ocorrer sem o uso da violência deliberada. A história mostra que, no golpe de Estado, sempre há a participação ou colaboração de agentes do próprio Estado, militares e/ou civis."
Doutor em Direito pela UFPR e professor da UCS Wilson Antônio Steinmetz
"O Brasil reúne várias experiências dessa natureza. A República de 1889 nasceu de um golpe que impôs fim ao Império. Décadas mais tarde, (Getulio) Vargas teve seu governo marcado por golpes, dos quais o mais emblemático foi o estabelecimento do Estado Novo em 1937. Em 1964, a receita se repetiu com o Golpe Civil Militar que depôs o governo de (João) Goulart. A historiografia consistiu em tratar essa ruptura como golpe civil militar em razão da participação de vários setores da sociedade civil, como de empresários e setores da grande mídia. Os regimes que nascem de golpes tendem a ser autoritários. Esse autoritarismo é refratário às instituições democráticas e impõe formas de censura e controle social. É absolutamente falso o argumento de que em regimes autoritários ou militares inexista corrupção, o que ocorre é que, em razão do controle das informações e da censura imposta pelo regime, a imprensa e outros setores da sociedade são impedidos de exercer o seu papel de controle social."
Professor de História Contemporânea da Universidade de Caxias do Sul (UCS) Roberto Radunz
Supremo Tribunal Federal, o STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) é um órgão do Poder Judiciário que tem como tarefa mais importante a defesa da Constituição Federal. Tem o poder de declarar a inconstitucionalidade de leis e atos normativos incompatíveis com a Constituição, anular atos do Poder Executivo e reformar decisões judiciais que contrariem normas constitucionais.
"O STF é composto por 11 ministras e ministros indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado Federal. Os indicados devem ser brasileiros natos com mais de 35 anos e menos de 70 anos e possuir notável saber jurídico e reputação ilibada. O STF é uma das mais antigas instituições brasileiras em funcionamento, tendo sido criado em 1890, logo após a Proclamação da República. O STF ganhou enorme visibilidade e interesse da sociedade brasileira por causa de sua competência para processar e julgar ações penais contra autoridades federais (presidente da República, deputados, senadores e ministros de Estado) e da transmissão de sessões de julgamento pela TV Justiça, criada em 2002."
Doutor em Direito pela UFPR e professor da UCS, Wilson Antônio Steinmetz