É controverso e relativo chegar a uma conclusão de qual foi a virada de chave da tumultuada política brasileira moderna. Independentemente dos resultados ou da leitura do cenário atual, o envolvimento do brasileiro se tornou intenso, proativo. Muitos consideram que a onda de protestos desencadeada em 2013 foi o estopim para mudanças que viriam, de forma gradativa — e incessante. Dessas mudanças, uma das mais representativas foi o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em agosto de 2016.
Embora tenham sido 367 votos na Câmara Federal e 15 votos no Senado, favoráveis à cassação da ex-presidente, nenhum rosto se tornou mais vinculado ao processo do que o do então vice-presidente da época, que viria a assumir a presidência, Michel Temer (MDB).
Afastado de cargos públicos desde que deixou o poder, em 31 de dezembro de 2018, Temer atendeu a reportagem do Pioneiro em seu escritório de advocacia em São Paulo. Em conversa breve, intermediada pelo ex-deputado federal e amigo recíproco de Temer, Mauro Pereira (MDB), o ex-presidente falou sobre o legado do seu governo de transição, reforma trabalhista, influência no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do processo de impeachment, que completará seis anos em 2022.
Confira a entrevista:
Como o senhor se ocupa atualmente? E em que nível se envolve politicamente?
Estou na atividade profissional, sou advogado, emito pareceres no meu escritório. Tenho dado muitas palestras, lives e entrevistas. Tenho dito sempre que você sai da vida pública, mas a vida pública não sai de você. Muitas vezes vêm colegas aqui, ex-colegas, deputados, senadores, muitas pessoas da área política que vem conversar comigo, trocar ideias. Enfim, a minha participação na vida política no presente momento tem sido exatamente isso. Aliás, muitas vezes quem fala comigo é meu querido amigo Mauro Pereira, que a todo momento me telefona, eu telefono pra ele, trocamos ideias.
O senhor é mencionado de maneira mais constante como participante do governo Bolsonaro, geralmente exercendo essa figura de consultor. Como se dá esse envolvimento com o presidente?
Não é exatamente isso. Na verdade, estou sempre pronto a colaborar quando é para buscar uma certa harmonia, uma certa pacificação no Brasil. Uma ou outra vez o presidente Bolsonaro falou comigo e eu pude nesse sentido colaborar para a harmonia dos poderes. São palpites que eu dou, a pedido de alguém, mas sempre com vista em ajudar o Brasil.
Imprensa cita recente consulta feita do Bolsonaro com o senhor a respeito do depoimento na Polícia Federal (sobre investigação de supostos vazamentos de documentos sigilosos). Chegou a conversar com ele?
Não, não houve. Confesso que desta feita não houve conversa do presidente comigo. Muitos do governo falaram comigo, tentando encontrar uma harmonia que é fundamental para todo o país. E nessa medida que, em declarações que fiz, em mensagens que mandei, sempre é melhor encontrar meio termo nessas questões para não gerar nenhum impasse institucional. Há tempos atrás, 3, 4 meses, de fato estive com Bolsonaro, era um momento de muita tensão entre Executivo e o Supremo Tribunal Federal (STF). E naquela oportunidade, em face de uma declaração que o presidente assinou, pacificaram-se as relações entre os poderes. O que foi útil para o país.
Extraindo essa relação, o que o senhor pensa do governo Bolsonaro?
Tenho dito com frequência que o presidente Bolsonaro, logo que começou essa lamentável pandemia, perdeu uma grande oportunidade, que era assumir a questão do combate à pandemia, portanto, centralizar toda a atividade e chamar governadores, chefe de poderes, cuidar da importação das vacinas. Tenho impressão de que para ele seria extremamente útil. Tivesse ele centralizado o combate à pandemia, acho que hoje ele estaria numa situação mais relevante do que ocupa nos dias atuais perante a opinião pública.
Acredita que ele tem possibilidade de se reeleger?
É muito cedo. No meu modo de ver, essas questões vão se definir a partir de abril, maio.
Como avalia, em retrospecto, o período em que o senhor assumiu como presidente?
Tenho orgulho do meu governo. Apesar de ter apenas dois anos e meio você viu as reformas que fizemos, trabalhista, teto de gastos públicos, a recuperação das estatais, a queda da inflação, a queda dos juros, a preservação da ampliação da proteção ao meio ambiente. Tenho muito orgulho do governo que fiz e acho que hoje há um reconhecimento extraordinário do que fizemos naquele período.
O senhor considera que desempenhou algum papel na cassação de Dilma?
Eu vou dar um sorriso a você em face dessa sua pergunta, viu, é que você não está me vendo. Se ler a Constituição está dito que quando o presidente cai assume o vice. É uma determinação constitucional. Essa história de golpista eu jamais participei de coisa nenhuma, pelo contrário. E lamento a pergunta, até tentei evitar, dentro das possibilidades, mas tornou-se inevitável.
Pedro Simon fez um comparativo recente entre o MDB gaúcho e o nacional. Segundo ele, o MDB gaúcho é diferenciado pois ‘nunca participou de acordos espúrios, como o MDB nacional’. O que o senhor pensa sobre isso?
O MDB está muito organizado sob o comando do deputado Baleia Rossi, que está fazendo uma unidade extraordinária dentro do MDB. E o que o MDB precisa é isso, pois você sabe que ao longo do tempo o MDB sempre se dividiu, ou era apoiando um candidato a presidente ou apoiando outro e eu espero que neste momento, embora eu esteja fora da vida pública, que o MDB consiga uma unidade.
E a candidatura da Simone Tebet?
Quero dizer que a Simone Tebet esteve comigo, ela tem histórico político, administrativo, foi prefeita de Três Lagoas, foi vice-governadora e tem um desempenho extraordinário no Senado. As pesquisas de hoje não são as pesquisas de amanhã. É preciso esperar abril, maio, para ver os quadros que vão se desenhar.
Pretende voltar à vida pública?
Não, não quero. Já fiz tudo que eu queria e poderia fazer na vida pública.
E dessa trajetória, como acha e espera ser lembrado?
Não é como eu espero, é como estou sendo lembrado. Estou sendo lembrado como um governo que, sem embargo das várias tentativas de derrubar o governo, nós propusemos uma pacificação nacional, trabalhamos junto com o Congresso e fizemos reformas fundamentais. Não quero ser lembrado lá na frente, mas já estou sendo lembrado por esses atributos.
A reforma trabalhista está tendo bons resultados?
Não tenho nenhuma dúvida disso. A reforma trabalhista é de 2017 e, em 2018, tivemos, apesar da crise, 529 mil novas carteiras assinadas. Segundo ponto, demos direito aos trabalhadores. Além de não termos tirado nenhum dos direitos, o trabalho temporário, por exemplo, no passado não era garantido, passou a ser garantido a partir da reforma trabalhista. Com o chamado home office, ninguém imaginava a pandemia, nós fizemos previsão dessas formas de trabalho. A questão das férias, que tinha de tirar num único período, a reforma trabalhista pode ser tirada em três períodos. Ou seja, ela produziu efeitos.
Qual sua opinião sobre o retorno do ex-presidente Lula como provável candidato?
Politicamente eu digo o óbvio: é direito do Lula se candidatar. Único comentário que posso fazer.