A análise de documentos e computadores apreendidos durante a Operação Caritas, da Polícia Civil de Canela, está sendo feita por uma força-tarefa criada no Cartório de Combate à Corrupção, aos Crimes contra a Administração Pública e à Lavagem de Dinheiro, setor da Delegacia de Polícia do município da Região das Hortênsias. O grupo vai se dedicar integralmente à perícia dos materiais recolhidos após a operação deflagrada na segunda-feira (8) que investiga suspeitas sobre desvio de recursos públicos, corrupção e lavagem de dinheiro no Executivo e no Legislativo de Canela.
A quantidade de itens recolhidos pelos policiais ainda não foi mensurada, mas, segundo o delegado Vladimir Menezes, que responde pelo inquérito, é composta por milhares de documentos e dezenas de aparelhos, principalmente computadores, recolhidos em 44 locais diferentes, de cidades do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
A investigação apura suposta rede de corrupção para lavagem de dinheiro. Entre as práticas, estariam suspeitas de falsificação de documentos, crimes em licitação, ocultação de bens, desvio de materiais de construção adquiridos para reforma do Hospital de Caridade, canalização de verbas, orçamentos fraudulentos em licitações e rachadinha de salários da prefeitura.
Por estratégia e como medida de segurança, Menezes prefere não divulgar quantos agentes fazem parte da força-tarefa e nem detalha os próximos passos. Durante a investigação, que se iniciou em abril deste ano, a delegacia de Canela contou com o apoio do Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (LAB-LD) e da Divisão Estadual de Combate à Corrupção e a Lavagem de Dinheiro (DCCOR), da Polícia Civil em Porto Alegre.
Ainda de acordo com o delegado, o principal objetivo da movimentação policial na segunda-feira buscou obter novos elementos para dar andamento ao inquérito. Conforme Medeiros, a partir de agora, os policiais buscarão reforçar as convicções existentes e trazer novos elementos para a investigação.
Além da busca e apreensão de materiais, a operação havia resultado na prisão do presidente da Câmara de Vereadores de Canela, Alberi Gavani Dias (MDB), do secretário municipal de Obras, Luis Claudio da Silva, e do interventor do Hospital de Caridade do município, Vilmar da Silva dos Santos. Os três foram soltos pela Justiça no final da manhã de terça (9) e liberados do Presídio Estadual de Canela no meio da tarde após expedição do alvará de soltura. Procurados pela reportagem, as defesas dos envolvidos disseram que eles preferem não se manifestar.
Os defensores pediram a revogação da prisão preventiva para que fossem substituídas por aplicação de medidas cautelares, como afastamento das funções públicas. O Ministério Público concordou com os pedidos e o juiz Vancarlo André Anacleto concedeu a liberdade.
No termo da audiência, o juiz registrou que, ao determinar a prisão, considerou as provas apresentadas pela polícia que apontam que os três suspeitos têm papel decisivo no comando das ações criminosas investigadas e que a liberdade deles implicava risco pela influência e cargos que ocupam. Mas, com o cumprimento dos mandados de busca feitos nessa segunda-feira e outras medidas como quebra de sigilo e bloqueio de valores, a necessidade de segregação foi afastada.
A partir de agora, os três responderão em liberdade, mas foram afastados das funções pública por, no mínimo, 60 dias e proibidos de se aproximar das atividades que envolvem a prefeitura, a Câmara de Vereadores e o hospital. Além disso, não podem manter contatos com as testemunhas. Assumiram o compromisso de comparecer a todos os atos do inquérito e possível ação penal e não podem mudar de endereço ou se ausentar da cidade por mais de cinco dias sem autorização da Justiça.
— Avalio com naturalidade (a liberação dos envolvidos) porque faz parte do processo. Não há qualquer prejuízo para o avanço das investigações. Reconhecemos o trabalho do Judiciário, principalmente nas decisões dessa investigação. Nossa movimentação tem um efeito social e pedagógico muito forte porque deixamos claro que a Polícia Civil de Canela não tolera qualquer tipo de ato de corrupção e sempre vai agir com o máximo rigor para apurar esses crimes — destacou o delegado.
Além disso, também na segunda (9), foram afastados de maneira cautelar o secretário municipal de Turismo, Angelo Sanches Thurler, o subsecretário de Obras, Osmar José Zangalli Bonetti, e Denis Roberto de O. de Souza, funcionário contratado como cargo em comissão na pasta de Obras.
Secretário assume Obras e Turismo e acumulará funções
Com o afastamento dos titulares, as pastas de Obras e Turismo no município de Canela serão assumidas, de forma interina, pelo secretário de Governança, Planejamento e Gestão, Marcelo Savi, que acumulará as três funções.
Savi afirmou que assume com o compromisso de manter os serviços públicos em atividade e se reuniu com os servidores públicos das secretarias durante o dia.
Em especial quanto ao turismo, já que o município realiza o Sonho de Natal, um dos eventos mais tradicionais do calendário de eventos da região, disse que as atividades serão realizadas dentro do planejado anteriormente para que o evento siga atraindo a comunidade e visitantes.
O que se sabe sobre os crimes:
Definida pela Polícia Civil como uma das maiores operações de combate à corrupção no interior gaúcho, a investigação que desarticulou uma suposta organização criminosa envolvendo nomes do Executivo e do Legislativo de Canela revelou também um emaranhado de práticas ilegais com os recursos públicos no município da Serra Gaúcha.
O que iniciou como uma suspeita de desvio de materiais de construção para uso privado se tornou um inquérito robusto, com mais de 40 pessoas investigadas, e que apura diversos crimes, que incluem suspeitas de falsificação de documentos, crimes em licitação, ocultação de bens, desvio de materiais de construção adquiridos para reforma do Hospital de Caridade, canalização de verbas, orçamentos fraudulentos em licitações e rachadinha.
:: Peculato: É o crime que originou a investigação, que se iniciou em abril deste ano, quando passou a ser apurado o desvio de materiais de construção para reforma do Hospital de Caridade que teriam sido desviados para uso privado e localizados em um sítio no interior de Canela. Segundo o delegado, uma embalagem encontrada confirmou que a origem da carga era o hospital, que está sob intervenção do município. Além disso, a localização chamou a atenção dos investigadores porque a área pertenceria a um ex-servidor comissionado da prefeitura e que passou a prestar serviços de obras ao município.
:: Rachadinha: Durante a investigação, a polícia descobriu a existência de um suposto esquema de rachadinha que, segundo o delegado, arrecadava R$ 20 mil por mês de cargos em comissão da prefeitura - podendo chegar a R$ 1 milhão em quatro anos. Segundo apuração do inquérito, os CCs seriam obrigados a repassar ao partido MDB até 10% dos salários, ou seja, um esquema financeiro para bancar despesas políticos partidárias com verbas. A negociação era feita por meio de um grupo de WhatsApp chamado de "Dim Dim", onde seriam alinhados os pagamentos. Medeiros não detalha as evidências sobre o crime.
:: Crimes em licitação: É outra prática descoberta durante a apuração dos policiais. Na coletiva de imprensa, na segunda (8), o delegado afirmou que mensagens de celular nos investigados mostram como seria a suposta fraude, que usaria orçamentos frios. Um dono do sítio e empreiteiro teria acertado que faria uma reforma contratada pela prefeitura por R$ 26 mil. Assim, outras duas empresas, que seriam de fachada, apresentariam propostas maiores, de R$ 27 mil e R$ 29 mil.