Duas matérias sobre o mesmo assunto tiveram trâmites bem diferentes na Câmara de Vereadores de Caxias. Em maio de 2019, Alberto Meneguzzi (PSB) protocolou, com a bancada do PSB, projeto de emenda à Lei Orgânica (alteração do artigo 7º, especificamente), que visava combater o nepotismo nas administrações direta, indireta e no Legislativo. A proposta proibia a nomeação de parentes até o terceiro grau do prefeito, vice-prefeito, vereadores, secretários municipais e diretores e presidentes de autarquias e fundações públicas municipais como cargos em comissão (CCs).
O projeto, no entanto, acabou engavetado sem parecer do Governo Daniel Guerra — na época, a legislação interferiria, por exemplo, na nomeação do irmão do então prefeito, Chico Guerra.
Passado cerca de um ano, em fevereiro de 2020, Meneguzzi protocolou novamente a proposição, desta vez durante a administração de Flávio Cassina (PTB), obtendo assinaturas de outros 22 vereadores. O projeto de Meneguzzi também interferiria em nomeações da gestão de Cassina. Um impacto prático seria sobre a designação de João Uez, sobrinho do vereador Velocino Uez (PTB), para diversas secretarias do Executivo.
Durante o trâmite, entre idas e vindas junto à Comissão de Constituição, Justiça e Legislação (CCJL), foram solicitados diversos pareceres de órgãos de consulta e assessoria, mais o Sindiserv (Sindicato dos Servidores Municipais). Todos foram positivos. Mas, no fim da legislatura, o projeto também acabou arquivado. Somadas, as duas propostas de Meneguzzi permaneceram quase dois anos aguardando votação.
No entanto, no final de janeiro deste ano, o vereador Maurício Scalco (Novo) protocolou projeto de teor semelhante, porém, de efeito mais brando, excetuando das proibições de nomeações cargos de primeiro escalão. A matéria, desta vez, chegou ao plenário e foi aprovada em primeiro turno no dia 11 de maio, ou seja, pouco mais de três meses após ser protocolada.
— O projeto original passou por todos os crivos possíveis, mas ficaram se enrolando o tempo todo, principalmente o prefeito atual (Adiló), que era da Comissão de Constituição e Justiça. (...) O projeto anterior retirava qualquer possibilidade de nepotismo. (...) Se esse novo permitir qualquer tipo de nepotismo (demonstra que) é para inglês ver, é o que o Adiló queria, é simples, não mexe muita coisa, quem tem militância política, mesmo que tenha parentesco, trabalha _ aponta Meneguzzi.
Adiló disse desconhecer o conteúdo do projeto antinepotismo de Scalco e, por isso, preferiu não emitir opinião. Sobre os comentários de Meneguzzi, ele disse:
_ A CCJ (do ano legislativo passado) era composta por cinco vereadores, e as decisões sempre foram tomadas de forma coletiva.
Novo projeto recebeu apontamento de irregularidade
Enquanto o projeto de autoria de Alberto Meneguzzi recebeu todos os pareceres favoráveis de entidades e institutos consultados, e mesmo assim não foi a plenário, a proposta de Scalco foi remetida somente para dois pareceres, da DPM (Delegações de Prefeituras Municipais) e do Igam (Instituto Gamma de Assessoria a Órgãos Públicos). E recebeu apontamento de irregularidade do Igam. Diz o relatório: "(...) com relação à nomeação para cargo político, como, por exemplo, o cargo de secretário municipal, o entendimento jurisprudencial é de que a Súmula, como regra, excepciona de tal vedação. Contudo, a análise deve dar-se considerando a habilitação da pessoa nomeada (indicada) para o cargo. Ou seja, para o cargo de secretário, é de suma importância que, caso venha a ser nomeado parente do prefeito, possua habilitação especifica para o cargo".
A proposta, no entanto, foi deliberada constitucional pela Comissão de Constituição, Justiça e Legislação atual da Câmara, presidida pela vereadora Tatiane Frizzo (PSDB). Scalco alega que o apontamento do Igam, no entanto, estaria incorreto.
— O Igam até deu uma resolução, mas se baseou em uma legislação anterior a 2011 e ela mudou, foi revogada. A gente olhou, e o parecer estava errado — afirma.
Meneguzzi também questiona o diferente tratamento dado à matéria pela comissão.
— (O projeto de sua autoria) foi mandado para vários segmentos para ser analisado e o atual teve uma análise (na verdade, foram duas) análise, e que considerou inconstitucional e a CCJL deu constitucional. Antes, ela não dava nem parecer, então não sei quais são as diferenças.
— Temos parecer do DPM, que foi favorável, e o do Igam fez alguns apontamentos. O que acontece é que o projeto do Scalco é praticamente idêntico à Súmula Vinculante 13, que é de nível federal. Então, entendemos pela comissão que o projeto poderia ir, sim, à votação —informa Tatiane.
Legalidade, moralidade e ética
Maurício Scalco negou a acusação de Meneguzzi de que o projeto protocolado "seja para inglês ver" ou que seja uma lei antinepotismo "pela metade". Ele admite que, no decorrer da tramitação, recebeu informação da existência prévia de projeto semelhante, mas, que segundo ele, foi ignorado para a concepção da atual proposta. Esta se baseou especialmente na Súmula Vinculante número 13 do Supremo Tribunal Federal (STF), "que traz de maneira acertada as exceções criadas pelo próprio STF em relação aos chamados agentes políticos", informou a assessoria do vereador em nota.
— A gente fez o projeto de lei para que Caxias tivesse a lei seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal. (...) É bonito dizer que não pode nada, mas a pessoa entra na Justiça e derruba — afirma.
Questionado se a matéria de fato acabaria com todas as possibilidades de parentesco na ocupação de cargos públicos, disse que desconhece a atual relação entre funções e proximidade familiar com nomeantes.
— Como sou da nova legislatura e não era do meio político, eu não sei quem está empregado, mas caso a caso deve ser verificado. Não sei dizer pessoa por pessoa, só sei que parece que o presidente da Câmara é parente do secretário Uez, mas segundo a súmula não se enquadraria (e, portanto, estaria liberado a ocupar o cargo).
Conforme a legislação proposta por Scalco, casos mais emblemáticos, como a nomeação de Chico Guerra como secretário durante o Governo Guerra permaneceriam como uma situação permitida, pois há exceção para nomeações de "natureza política".
— Natureza política é só para o primeiro escalão, mas tem de ter qualificação técnica —ressalva.
O PROJETO ARQUIVADO DE ALBERTO MENEGUZZI
Art. 1º Acresce o § 6º ao Art. 7º da Lei Orgânica do Município de Caxias do Sul, com seguinte redação:
§ 6º Os cargos em comissão não podem ser ocupados por cônjuge, companheiro ou parente em Linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau:
I - do Prefeito, do Vice-Prefeito, do Procurador-Geral e dos secretários municipais, secretários adjuntos, diretores, coordenadores, supervisores, assessores ou titulares de cargos que lhes sejam equiparados, no âmbito da administração direta do Poder Executivo, autarquias, fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, empresas públicas ou de economia mista, empresas de direito privado onde o Município é acionista majoritário e Câmara Municipal;
II - dos Presidentes, diretores, ou titulares de cargos equivalentes, e dos Vice-presidentes, ou equivalentes, no âmbito da respectiva autarquia, fundação instituída ou mantida pelo Poder Público, empresa pública ou de economia mista, empresas de direito privado onde o Município é acionista majoritário e administração direta do Poder Executivo;
III - dos Vereadores no âmbito da Câmara Municipal, administração direta do Poder Executivo, autarquias, fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, empresas públicas ou de economia mista e empresas de direito privado onde o Município é acionista majoritário."
O PROJETO DE SCALCO
Art. 1º Acresce os §6º e §7º ao Art. 7º e Parágrafo Único ao Art. 40, ambos da Lei Orgânica do Município de Caxias do Sul, com seguinte redação:
§ 6º Os cargos em comissão não podem ser ocupados por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública Direta e Indireta, compreendido também o ajuste mediante designações recíprocas;
§ 7º Excetuam-se do parágrafo anterior os cargos em comissão que possuam vínculo de natureza política com Administração Pública, tais como, Procurador-Geral e Adjunto, secretários municipais.
Art. 2º Acresce Parágrafo Único ao Art. 40 da Lei Orgânica do Município de Caxias do Sul, com a seguinte redação:
Paragrafo único. Aplicam-se as disposições do art. 7º §6º e §7º da Lei Orgânica Municipal aos cargos do Poder Legislativo."
DIFERENÇAS
n A proposta de Scalco não apresenta restrições nos seguintes cargos que o projeto de Meneguzzi impediria a nomeação de familiares: secretários municipais e procurador-geral. São 21 cargos que estariam desimpedidos de terem nomeação de parentes.
n A matéria de Scalco trata como exceção cargos em comissão que possuam vínculo de natureza política e utiliza a expressão "tais como", porém, não limita a especificação, o que daria margem para nomeação de outros cargos de "natureza política".
TRÂMITE
O projeto de Scalco foi aprovado em primeiro turno no último dia 11 de maio. Precisará passar por um segundo turno de votação e obter 2/3 de aprovação dos parlamentares para ser definitivamente deliberado pela Câmara.