Em uma publicação de uma rádio local que noticiava o projeto de resolução de autoria de Alexandre Bortoluz, o Bortola (PP) e outros três parlamentares que propunha permissão a vereadores para entrar armados na Câmara Municipal, um usuário do Facebook comentou: "Aproveita e mata as duas vereadoras do PT". O fato ocorreu na última terça-feira (23). O ato de incitação à violência logo repercutiu, com censuras à atitude do internauta.
A postura agressiva nas redes sociais já uma realidade consolidada e ganha uma polarização maior — com hostilidade proporcional — quando envolve assuntos políticos. Embora a Constituição e o Código Eleitoral prevejam direito à liberdade de expressão, essa prerrogativa perde validade quando a opinião se torna um ataque, uma ofensa ou uma ameaça. Tanto, que as vereadoras do Partido dos Trabalhadores Denise Pessôa e Estela Balardin registraram boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia após sofrerem a ameaça. E as consequências do ato inconsequente não se limitaram à esfera criminal: o autor do comentário foi demitido da empresa onde trabalhava, conforme anúncio publicado pela indústria na tarde da última quinta-feira (25).
— A liberdade de expressão encontra limites na lei. Ameaças, ofensas ou qualquer forma de intimidação não são liberdade de expressão, mas crimes previstos no Código Penal e merecem punição. Em relação à notícia de ameaça por rede social de vereadoras da nossa cidade, entendemos como inaceitáveis e que corrompem o debate democrático ao tentar intimidar a voz do parlamentar. A política é construída com ideias, e não violência — defendeu o presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Caxias do Sul, Rudimar Brogliato, em manifestação nas redes sociais.
Rudimar comenta que situações como essa têm se tornado bastante recorrentes, quando não de tanta incitação à violência, ainda assim, ofensivas a ponto de extrapolar o direito à liberdade de expressão:
— As vereadoras fizeram o certo, tinham de denunciar porque isso tinha de acabar, as pessoas podem fazer crítica, mas têm de manter o respeito — ressalta o presidente da OAB de Caxias.
A ocorrência envolvendo as vereadores foi encaminhada à Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), que apura o caso.
Da penalidade financeira à prisão
De acordo com o titular da 1ª Delegacia de Polícia, Vitor Carnaúba, as denúncias mais comuns que envolvem publicações no meio virtual são de ameaça, calúnia, difamação, injúria e até lesão corporal. As penas para esses crimes podem ser de de um mês até três anos de detenção, dependendo do grau e tipificação do ataque.
— A gente percebe que as pessoas começam a acreditar que as redes sociais ou grupos de mensagens são terra de ninguém. Mas não são, temos inúmeros exemplos de pessoas que filmam situações constrangedoras e divulgam, que ameaçam, difamam e publicam nesses aplicativos e acham que nada acontece. Mas são crimes, e deixam provas fáceis de serem identificadas. As pessoas perdem noção de responsabilidade e depois têm de responder por isso — afirma o delegado.
Mesmo na tentativa de anonimato, por contas fakes temporárias ou utilização de chips descartáveis de celular, autores de ataques virtuais geralmente são identificados, de acordo com o advogado João Henrique Leoni Ramos, especialista em Direito Eleitoral. Ele afirma ainda que, mesmo que sejam considerados crimes de menor potencial ofensivo, ataques pessoais podem render multas em valores altos.
— Claro que crimes de calúnia, difamação, são de menor potencial ofensivo, mas há punições cíveis que são financeiras. Já atuei em indenizações de R$ 10 mil, R$ 15 mil, 25 mil. E questões eleitorais começam de R$ 5 mil que podem chegar a R$ 25 mil, até R$ 100 mil dependendo o meio — conta.
Conforme a OAB, casos de indenização na esfera criminal são encaminhados ao juizado especial, que pode efetuar transição de multas para pagamento de cestas básicas ou doação em dinheiro para alguma entidade assistencial, para terminar com o processo criminal. Cabe ao juiz analisar a situação econômica para estipular o valor, podendo variar muito. Já em relação à situação de dano moral, cível, a lei também não estabelece um parâmetro, dependendo da repercussão do caso e do teor das ofensas, podendo "custar muito caro", segundo o presidente da OAB de Caxias.
PENALIDADES CÍVEIS OU CRIMINAIS
- Ameaça: detenção, de um a seis meses.
- Injúria (ofensas): detenção, de três meses a um ano.
- Injúria qualificada (quando se utiliza de raça, procedência, idade avançada ou deficiência para ofender alguém): reclusão de um a três anos e multa.
- Multas: variam, conforme avaliação de situação econômica de acusado.
Fontes: Polícia Civil e OAB
O QUE DIZEM
"A lei defende a honra e dignidade de todo mundo. Agentes públicos em geral sempre efetuaram denúncias desse tipo. A gente percebe que as pessoas começam a acreditar que as redes sociais ou grupos de mensagens são terra de ninguém. Mas não são. Temos inúmeros exemplos de pessoas que filmam situações constrangedoras e divulgam, que ameaçam, difamam e publicam nesses aplicativos e acham que nada acontece. Mas são crimes que deixam provas fáceis de serem identificadas. As pessoas perdem noção de responsabilidade e depois têm de responder por isso." Vitor Carnaúba, titular da 1ª Delegacia de Polícia
"Lados e opiniões diferentes sempre foram importantes, mas o que acontece é que sofremos uma polarização raivosa, está faltando respeito à outra parte e as redes sociais contribuíram muito para isso, pois é muito fácil ficar escondido atrás de um computador. Já ouvi frases de vereadores questionando 'por que estou perdendo tempo aqui? As pessoas só criticam e não dão ideia.' Isso acaba afastando pessoas boas da política, porque não é só um xingamento, às vezes são ameaças como a que aconteceu com as vereadoras, o que é uma vergonha, um absurdo, é falta de respeito até a familiares dessas pessoas. E a gente tem uma tradição na Serra Gaúcha de excelentes políticos de várias ideologias. Não temos geralmente casos graves de corrupção, de problemas, aí a gente acaba pegando raiva coletiva nacional e emplacando nos nossos políticos, até por muitas vezes não acompanhar o trabalho deles." João Henrique Leoni Ramos, advogado, especialista em Direito Eleitoral
"A internet dá a impressão de que as pessoas podem postar qualquer coisa, falar de todo mundo, mas toda vez que você faz uma postagem está colocando a público. Aí os efeitos acabam sendo os mesmos de meios tradicionais ou pessoal, e isso pode ser um crime, não há diferenciação de ofensas no Código Penal ao se fazer ameaça pela internet, pessoalmente ou por outro meio. Isso as pessoas não se dão conta. A gente tem a impressão de que os ataques na internet são mais agressivos, pois as pessoas às vezes ficam mais ponderadas e intimidadas de falar cara a cara. Esses casos como o das vereadores acabam indo para a mídia, mas isso tem acontecido diariamente em situações privadas." Rudimar Brogliato, presidente da subseção da OAB em Caxias do Sul
Episódios recentes
AMEAÇA A VEREADORAS
- O caso: na última terça-feira (23), as vereadoras do PT, Denise Pessôa e Estela Balardin, foram ameaçadas em comentários de uma publicação de uma emissora de rádio que noticiava o protocolo do projeto de resolução apresentado por vereadores para permitir acesso com posse de arma à Câmara. "Aproveita e mata as duas vereadoras do PT", escreveu o usuário.
- Implicações: na quarta-feira, as vereadoras registraram boletim de ocorrência contra o homem. O caso é investigado pela Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam). O homem foi demitido da empresa onde trabalhava.
AMEAÇA CONTRA VICE-PREFEITA
- O caso: Monique Varella Emmer, professora da rede pública de ensino de Caxias, publicou comentários de incitação de ódio a posicionamentos políticos com ofensas à vice-prefeita eleita, Paula Ioris (PSDB), com frases como "o lugar dela é no paredão".
- Implicações: Paula remeteu o caso ao Ministério Público e à Polícia Civil. A 1ª Delegacia de Polícia investigou e encaminhou o processo ao Judiciário. Monique foi afastada no dia 11 de dezembro após abertura de sindicância por parte da Procuradoria-Geral do Município (PGM). O prazo para conclusão de investigação da Corregedoria do município se encerrou no dia 21. A defesa, no entanto, tem até semana que vem para tomar ciência do parecer, que só a partir de então pode ser divulgado publicamente. O relatório pode sugerir advertência, repreensão, suspensão e multa, destituição de função gratificada, exoneração ou arquivamento da denúncia. A professora deveria ter se reapresentado na segunda passada junto à Secretaria Municipal da Educação (Smed), porém, segundo a assessoria de comunicação da prefeitura, ela não compareceu. Nesta sexta (26), a secretária da Educação, Sandra Negrini, enviou ofício para ela alertando da necessidade de se reapresentar na segunda (29) próxima na Smed para definir o que será feito.