O vereador de Caxias do Sul, Mauricio Marcon (Novo) iniciou neste mês o projeto pessoal "Ir além", em que doa em torno de 70% do seu salário como parlamentar mensalmente para entidades do município. Dos R$ 8.067 líquidos da remuneração bruta de R$ 10.607,83, o parlamentar utiliza para despesas próprias R$ 1,1 mil (referentes ao salário mínimo) e mais a quantia de R$ 83 para manutenção da conta bancária. O valor restante de R$ 6.844 é então repartido entre duas instituições que se cadastram junto ao projeto.
Quando divulgado o projeto, parte da população acusou a atitude de Marcon como uma ação marqueteira e demagoga com fins eleitoreiros. Ele nega.
— Normalmente quem faz essa crítica não faz conta. A minha campanha para vereador custou R$ 25 mil. Eu vou doar R$ 330 mil. No Novo não podemos abandonar o mandato, então eu não vou concorrer a deputado. Não faz sentido eu doar R$ 300 mil para me eleger vereador daqui a quatro anos sendo que me custou R$ 25 mil.
O Ministério Público Estadual foi procurado, mas não avaliou a validade, ou não, do ato de doação de parte do salário a entidades. Na opinião do professor especialista em Direito Eleitoral consultado pelo Pioneiro, Antônio Augusto Mayer dos Santos, o projeto não apresentaria nenhuma irregularidade ou risco de configurar-se como compra de votos, especialmente porque não foi proposto durante o período de campanha eleitoral.
— Os pressupostos que ele estabeleceu para os repasses às entidades parecem estar voltados ao interesse geral da coletividade, o que é lícito. Não vejo possibilidade jurídica de se chegar à figura jurídica da "compra de votos" — acredita Mayer.
Ainda assim, ele afirma que haveria possibilidade, sim, de o vereador estornar o valor aos cofres públicos, embora seja de seu direito fazer "o que entender e dispor".
Também segundo Mayer, mesmo na eventualidade de as doações prosseguirem durante o período pré-eleitoral, o caso ainda não se enquadraria na compra de votos.
— Não se compra voto de instituição ou empresa — afirma o especialista.
Entretanto, Mauricio Marcon adianta que estuda alternativas para não correr risco de vulnerabilidades jurídicas. Uma das ideias, relatou, seria segurar os recursos durante o período eleitoral e depositar as doações passadas as eleições (de 2024, uma vez que o parlamentar diz que pode voltar a concorrer à reeleição à Câmara).
PRINCÍPIO LIBERAL
Ele ressalta que não devolve o valor aos cofres públicos por princípios liberais:
— Não devolvo aos cofres públicos porque sou liberal e um liberal acredita que o dinheiro fica mais bem empregado nas mãos das pessoas do que no governo. Se isso voltasse para os cofres públicos, dificilmente iria ajudar 96 entidades como eu vou ajudar. É mais uma ideia de provar para as pessoas que o Estado drena os recursos da sociedade e não consegue repassar esses recursos. A ideia é repassar esse recurso de forma fácil e prática — ressalta.
Primeiras entidades contempladas
Na primeira edição, 44 entidades se inscreveram. Entre elas, duas foram sorteadas e disputaram os percentuais de repasse por meio de votação do público no Facebook e Instaram. Ao todo, foram quase 3 mil votos. As primeiras contempladas foram a Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais (Apadev), que recebeu R$ 4.116 (59,8% de preferência dos votantes) e o Centro de Atenção à Criança e ao Adolescente Murialdo — Santa Fé, que ficou com R$ 2.768 (40,2% dos votos). Os valores são revertidos em insumos para execução de obras ou projetos apresentados por cada entidade. Por isso, a verba não necessariamente é destinada de maneira imediata.
Segundo Marcon, o próprio envolvimento que gera entre seus seguidores ajuda a divulgar entidades que não necessariamente são conhecidas pela maioria da população
— Faltava mais ou menos R$ 200 para o Murialdo Santa Fé conseguir o que eles queriam. Coloquei nas minhas redes sociais e em cinco minutos conseguimos esse dinheiro. Então ajudamos a divulgar as entidades. Eu, por exemplo, não conhecia essa entidade que atende mais de 200 crianças carentes. A partir do próximo, vou colocar o PIX dessas entidades para quem quiser doar — afirma.
O próximo sorteio de entidades será no dia 21 de fevereiro, na live semanal do vereador.
Objetivo é alavancar redução de vereadores
De acordo com Marcon, a iniciativa foi idealizada e executada por sua esposa, Patrícia Loeser Marcon. A ideia de não doar anonimamente tem como objetivo promover o engajamento de entidades e da própria população para divulgar as instituições e também defender a otimização de recursos públicos. Segundo Marcon, a intenção é especialmente alavancar o projeto de redução do número de vereadores na Câmara e demonstrar formas que o valor que seria gerado por essa economia poderia representar em ações sociais.
— Qual é o pano de fundo? É mostrar que se tivéssemos seis vereadores a menos poderíamos fazer mais pelas entidades de Caxias do Sul, já que a economia a cada quatro anos seria de R$ 10 milhões. Eu vou doar cerca de R$ 300 mil (será em torno de R$ 330 mil), então estou tentando conscientizar a comunidade para mostrar o quanto poderia ser feito com o recurso que seria economizado — defende.
Marcon se refere ao projeto que o vereador Ricardo Daneluz (PDT) tem intenção de ingressar e que propõe a redução de 23 para 17 vereadores no Legislativo caxiense, o que geraria uma economia estimada de R$ 10 milhões. A matéria não foi protocolada oficialmente em razão da falta das 12 assinaturas que são necessárias para uma proposta tramitar. A intenção do vereador no Novo, entretanto, é conseguir assinaturas suficientes para remeter a proposta a plenário.
PRIMEIROS CONTEMPLADOS
Centro de Atenção à Criança e ao Adolescente Murialdo - Santa Fé
- O que é: serviço de convivência e fortalecimento de vínculos para cerca de 230 crianças e adolescentes de 6 a 15 anos no contraturno escolar na zona norte de Caxias.
- Recebeu: R$ 2.768
- Onde será investido: aprimoramento de estrutura.
A Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Visuais (APADEV)
- O que é: entidade não-governamental que atua na região desde 1983, com a finalidade de habilitar e reabilitar pessoas com cegueira ou baixa visão e outras deficiências associadas, em diferentes faixas etárias.
- Recebeu: R$ 4.116
- Onde será investido: melhorias estruturais (construção de uma rampa, troca de portas e reparos em geral).
Ir Além
O que é: Projeto mensal em que o vereador Mauricio Marcon doa cerca de 70% do seu salário do valor bruto (quase R$ 7 mil) para duas entidades de Caxias do Sul. Os valores são repassados em forma de insumos.
Como funciona: entidades mandam e-mail para projetoiralemcaxias@gmail.com manifestando interesse em concorrer ao recurso e após preenchem formulário de participação. Ao todo, serão 96 entidades contempladas (duas para cada mês do mandato _ 48 meses). Cada instituição apresenta três propostas de uso do recurso. Todo final de mês (antes do pagamento), duas entidades são sorteadas num balaio e ambas disputam votos na página do vereador Mauricio Marcon no Facebook e no Instaram. O valor é dividido conforme o percentual de votação conquistado por cada instituição.
Ainda há vagas? Até segunda-feira (15), havia em torno de 60 entidades já cadastradas. Portanto, restam 36 vagas.
Quem pode participar: organizações não governamentais, escolas e creches públicas, associações com objetivos sociais, associações de voluntariado com âmbito benemérito ou humanitário, casas de repouso públicas, abrigos e casas lares.