Uma estante cheia de livros diante de um menino de quatro anos pode parecer-se mais com uma muralha do que um oásis. Mas quando esse menino enxerga seus pais e irmãs retirando livros dessa estante, permanecendo horas a folhear e folhear e passa a desejar viver a mesma experiência. Esse foi o despertar da vida para Pepe Vargas, candidato do PT à prefeitura de Caxias do Sul.
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Pepe revela que, se os olhos são a janela da alma, os livros se tornaram para ele um portal de acesso ao mundo, que revelam desde as sutilezas poéticas às asperezas da vida real. Décadas antes de se projetar à política, Pepe diz que foi despertado a combater as desigualdades sociais por conta de um livro.
— Quando eu aprendi a ler, eu comecei a ler tudo o que anteriormente as minhas irmãs liam pra mim. Sou um cara que desde cedo li muito e precocemente — explica Pepe, 61 anos, médico, nascido em Nova Petrópolis, casado com Ana Corso e pai da Isadora, 31, e da Gabriela, 25.
Pepe chega a se acomodar melhor na cadeira para falar do livro que foi determinante para a sua jornada de vida.
— Eu tinha uns nove ou 10 anos, quando li um livro de um cara chamado Albert Schweitzer, ele ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Era músico, luterano protestante, resolveu estudar medicina e foi trabalhar na África para cuidar das pessoas. Esse livro foi determinante para que eu fizesse medicina — revela Pepe.
O livro chama-se Entre a água e a selva: Narrativas e Reflexões de um Médico nas Selvas da África Equatorial. Agraciado com o Nobel da Paz em 1952, como reconhecimento ao seu trabalho humanitário, Schweitzer relata nessa obra os primeiros anos como médico e missionário em Lambaréné, cidade do atual Gabão.
—Na época, ainda uma criança, me chamou a atenção ver esse médico, com visão social, se doando para cuidar das pessoas. Na minha adolescência, depois de ter lido outros livros, passei a compreender que não bastava querer ajudar as pessoas só com o teu esforço pessoal. Óbvio que ele fez um esforço pessoal fantástico. Mas as péssimas condições sociais que as pessoas viviam eram determinadas por fatores econômicos e políticos. Então, percebi que se não fizermos uma mudança econômica e política não mudaremos a condição social.
Pepe conta que ficou interessado em Entre a água e a selva, porque viu o pai, Mauro Diniz de Vargas, técnico em contabilidade, lendo a obra.
— Meu pai lia muito, mas lá em casa, minha mãe (Carmem Spier Vargas, professora), até o fim da vida, foi uma leitora ávida e voraz — recorda.
FAMÍLIA À ESQUERDA
Pepe encontrou em casa um ambiente favorável, não apenas para ler a vida do mundo, por meio da literatura, mas também tentar entender a vida como ela é, em conversas e posicionamentos políticos.
— O pai e a mãe eram duas pessoas que tinham uma cultura oposicionista à ditadura militar. Eles foram históricos eleitores do antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), getulistas e brizolistas. Por isso, quando deram o golpe militar, meus pais foram contra — lembra Pepe, que em 1964 tinha cinco anos.
VISÃO DE MUNDO
Na entrevista com Pepe, que durou cerca de 40min, há uma semana da eleição 2020, é indissociável separar o médico do político. Ele mesmo reconhece que, apesar dos diferentes momentos históricos que separam o jovem do sessentão, há um elo que permanece, o humanismo.
— Agora vivemos uma conjuntura diferente, um momento histórico diferente. Naquela época, ainda vivíamos sob a ditadura, estávamos lutando para reconquistar a democracia. A juventude daquele período era mais engajada na luta democrática. Hoje é um momento diferente, não tem como traçar paralelos — argumenta.
Ao mesmo tempo, complementa dizendo que os valores daquele tempo permanecem enraizados.
— Nossos valores continuam a ser os mesmos. Os valores da justiça social, da democracia, da igualdade de oportunidades para todos e todas, da pluralidade, do reconhecimento da diversidade existente na sociedade e da solidariedade — enfatiza.
DEFESA DA VIDA
Por mais de um momento, Pepe trouxe à luz do debate a relação entre participação popular em confronto com a ideia do individualismo. E, foi além, conectando a visão de mercado, sobretudo em uma concepção neoliberal, como sendo contrária à vida.
— Não tenho dúvida de que, no médio e longo prazo, os valores de justiça social serão vitoriosos. Porque são valores que defendem a vida. Os contrários, que defendem o mercado, não defendem a vida. Não que o mercado e a iniciativa privada não sejam importantes, mas o altar dos deuses não pode ser o mercado. O altar dos deuses tem de ser a vida — defende.
DIVERSIDADE E IGUALDADE
Na mesma linha argumentativa, Pepe discorreu sobre um tema que, na sua visão, nem sempre é tratado com a profundidade que merece.
— O tema da igualdade não quer dizer que todo mundo seja igual. A sociedade é diversa e plural. A diversidade e a pluralidade têm de ser garantidas. Mas tem de haver igualdade de oportunidades. Na pandemia ficou evidente a desigualdade de oportunidades. Porque a criança e o adolescente, que têm uma boa conexão com a internet e equipamentos adequados, podem fazer educação à distancia mais adequada do que a criança ou adolescente que não tem isso — observa.
E complementa:
— Não podemos supor que o mercado resolva tudo. Esse discurso resolve gerando desigualdades. A iniciativa privada é importante, claro que é. Mas, se não tiver o poder público, que possa reduzir as assimetrias e diferenças, que use o orçamento público para fazer com que as desigualdades diminuam então temos de voltar às cavernas, onde o mais forte sobrevivia — questiona.
CARREIRA POLÍTICA
Desde a primeira eleição a que Pepe participou, em 1986, concorrendo a deputado federal, no período de gestação da Constituição Federal, já se passaram 34 anos. Nesse meio tempo, Pepe foi vereador (1989-1993), deputado estadual (1995-1996), o primeiro prefeito reeleito da história de Caxias (1997-2005), ministro do governo Dilma Rousseff (2011-2016), em três pastas distintas e, atualmente, em novo mandato na Assembleia Legislativa do estado.
— Por que, depois de tanto tempo, voltar à Caxias para concorrer à prefeitura? — pergunto.
— O que eu mais escuto, ainda hoje, é que ficou o legado na cidade da participação popular, por meio do Orçamento Participativo, e nosso trabalho na área da saúde. A nossa ideia é a de que coletivamente se discutem as prioridades. A prefeitura pode fazer muita coisa, mas não pode fazer tudo. Por isso, as pessoas têm de nos ajudar a estabelecer as prioridades.