Denise Pessôa (PT) é uma das poucas vozes na Câmara de Vereadores a contestar a liberação do isolamento social em Caxias do Sul, cujas regras foram afrouxadas com decreto assinado pelo prefeito Flávio Cassina (PTB) na quinta-feira à noite. Ao Pioneiro, a parlamentar avaliou a postura de enfrentamento do poder público à crise do coronavírus. Confira:
Pioneiro: É uma das poucas vereadoras a contestar a liberação do isolamento. Qual sua posição oficial diante da flexibilização e da retomada da atividade econômica na cidade?
Denise Pessôa: Eu acredito, a gente viu em vários países mundo afora que sim, em alguns momentos têm de flexibilizar. Mas quais são as práticas utilizadas pelos países? Testagem e investimento na saúde. Tem de ter uma estrutura que comporte a demanda gerada pelo coronavírus. Porque precisamos lembrar que vão ter pacientes que precisarão do hospital pelo coronavírus, mas há pessoas que precisarão do sistema de saúde em outras situações e que, com a sobrecarga, não vão ter (leitos).
Então acha que há exemplos que o país poderia se espelhar?
Vários países demonstram exemplos positivos. Aqui próximo temos a Argentina. Dos 15 países com maiores números de pessoas contaminadas pelo coronavírus, mesmo que sejam subnotificados, o Brasil é o país que menos faz testes. Se Caxias testou cerca de 300 pessoas e dessas temos 41 casos positivos, a gente não pode entender que são 41 casos entre 510 mil habitantes. São 41 resultados positivos sobre 300 testes realizados. A leitura que as pessoas têm feito é incorreta. Além disso, há pessoas que são assintomáticas ou que fizeram teste rápido e não acharam ninguém com vírus, sendo que o teste rápido identifica pessoas a partir do oitavo dia de apresentação dos sintomas. Ele é muito frágil, se tirar antes disso pode ter um falso negativo. Por isso, a contaminação na cidade pode ser muito maior do que a oficial.
Acha que a cidade está despreparada então? Acredita que não seria o momento de voltar?
Exatamente. Questionei o secretário de Saúde quantos testes temos hoje para Caxias e qual a metodologia e ele não respondeu. Conseguimos levantar como está ocorrendo essa contaminação? Não. Pra mim, a saúde não está com gestão adequada. Não existe orientação na atenção básica, não existe orientação nas UBSs. Também não há estratégias para melhor explicar à população do porquê é importante usar máscaras, e por que é mais adequado ficar em casa.
Essa leitura que a senhora se refere que a população pode ter dos números... Ainda assim, as decisões de liberações são do poder público, que tem, teoricamente, o cenário esclarecido. Por que então essas decisões são tomadas?
Toda forma de ler dados expressa uma opinião, uma direção política. Quando tu age dessa forma, está dizendo que é uma "gripezinha" e que as pessoas não têm de se preocupar, aí você abre o comércio, abre a indústria. Acho que a gente não está preparado para as consequências dessas decisões. A saúde de Caxias não está preparada para essas atitudes. "Ah, estamos pensando em hospital de campanha." Perguntei quantos respiradores temos em Caxias, secretário da Saúde disse que não tem dado preciso. Então ele não justificou. Ele trouxe estimativa de como seria o processo, que até agosto teríamos em torno de 700 pessoas necessitando de UTI em função do coronavírus. Se dividirmos por mês, teremos muito mais demanda que comportamos. Tem pessoas com coronavírus que estão na UTI há semanas. A pessoa não fica na UTI um dia. Considerando que temos um hospital que atende 49 municípios da região. Então, se todos os municípios da região abrirem o comércio e não tiverem medidas de contenção, Caxias do Sul vai ser difusor do vírus. Vai entrar vírus aqui e daqui também vai para outras cidades.
Acha que falta esse entendimento de que quanto mais cedo adotarmos medidas de isolamento, mais rápido poderemos passar por essa crise? Isso acaba se fortalecendo com posicionamento de políticos, tanto da Presidência quanto da prefeitura?
Claro que ninguém estava preparado para isso. Mas vimos a China em dezembro começar a enfrentar essa situação. De dezembro até hoje já são mais de quatro meses. Na América Latina está todo mundo testando mais do que o Brasil. Isso quer dizer que o país não se interessou antes sabendo o que ia acontecer. Não teve planejamento. Temos um presidente que quer matar a população, quer fazer carinho no setor econômico, sendo que o fato de abrir o comércio não garante que as pessoas comprem. As pessoas estão desempregadas, estão perdendo trabalho. As pessoas estão querendo ter o que comer. Vamos diminuir prejuízo em 15 dias, mas em 15 dias vamos ter que fechar tudo de novo por muito mais tempo e com o peso de perder vidas em Caxias do Sul. É isso que não dá para admitir. Ganhando 15 dias com migalha de lucro e perdendo vidas para daqui 15 dias fechar tudo. É um carinho para o setor econômico que vai custar caro depois.
O que achou das medidas do governo estadual? Foi mais rígido, porém, acabou cedendo à pressão?
O problema foi recuar. Ele diz que tem estudo e tal. Acho que a medida de avaliar a cada 15 dias é positiva, mas aí recua no dia seguinte. Se tem um planejamento adequado, que parecia ter na coletiva que ele (governador) deu, não dá para na primeira pressão, abrir mão.
As medidas já foram tomadas, o que se pode fazer agora?
A gente sabe do decreto da abertura do comércio, então é necessário que haja fiscalização para que de fato esse decreto seja cumprido, mesmo com as restrições estabelecidas, o que acho muito difícil, porque a fiscalização do município é muito pequena. Quando foi fechado tudo, eu já recebia muitas denúncias de lugares que continuavam abertos. Então eu quero ver como a fiscalização vai ter pernas para monitorar todo o comércio de Caxias. É fingir que está fiscalizando. Como vereadora, estamos tentando orientar, passando indicações ao município de como se deve orientar a gestão. A gente segue fiscalizando, no sentido de denunciar quando tem algo errado, mas também propor formas de superar esse momento, que não vai ser curto, embora parte da população queira pensar que está tudo normal. Não, nem chegamos ao ápice ainda.
As ocorrências de violência doméstica caíram neste período de isolamento no RS. Mas a Polícia Civil acredita que é por falta de comunicação. Como a Procuradoria da Mulher percebe essa situação?
Estamos relacionados com várias Procuradorias da Mulher do Estado. Montamos uma rede online, temos encaminhado orientações e feito postagens no sentido de divulgar canais de denúncia. Pedi para a Secretaria (Municipal) de Segurança Pública, através da Coordenadoria da Mulher, que fizesse campanha nesse sentido. Não fizeram. Mas estamos divulgando esse material de forma online toda semana. Mas a gente sabe que, com essa história de ficar em casa, o agressor também está em casa. Então fica difícil para a vítima denunciar. O nosso apelo é que vizinhos apoiem essa mulher. No geral, há vizinhos que ouvem essa violência e podem fazer a denúncia.
A senhora falou que solicitações ao Secretário da Saúde não obtiveram respostas e que sugeriu a campanha da violência contra a mulher e também não. Está faltando diálogo por parte da gestão?
O que eu vou dizer... Não sei com os outros, alguns têm porta aberta, pelo que a gente percebe. Normalmente eu encaminho essas solicitações para o prefeito, vice, secretários. Muitos não respondem. Quando fazemos indicações pontualmente. alguns respondem, outros não. Mas muitas ações que sugeriram foram implementadas.
Está havendo mais diálogo do que o governo anterior?
Ah, com certeza. Mais do que o anterior não precisa muito também.
Acha que as eleições devem ser adiadas neste ano?
Acho que é cedo para afirmar isso. Acho que esse tema não está na roda neste momento. Quem força essa questão neste momento não está lendo a conjuntura, que é pensar em como vamos sobreviver a essa situação.
A senhora pretende disputar eleições, caso ocorram?
Estou como pré-candidata a vereadora pelo PT sim.
Como está vendo o processo de definição da candidatura do PT à prefeitura? Não está demorando demais?
Estamos preocupados com essa crise que vivenciamos. Essa é a nossa prioridade de momento.