Nos últimos 31 meses, 16 pedidos de impeachment contra prefeitos e parlamentares foram remetidos a Câmaras de Vereadores de quatro municípios da Serra. Praticamente um processo analisado a cada dois meses, desde o primeiro da série, protocolado em 25 de agosto de 2017, contra o ex-prefeito de Caxias do Sul Daniel Guerra (Republicanos). O político foi o maior alvo de processos: acumulou sete nos quase três anos em que comandou o Executivo.
O “substituto” de Guerra, Flávio Cassina (PTB), herdou a sina. Em pouco mais de um mês do governo tampão, já acumula dois pedidos de impeachment, o mais recente protocolado na última semana, cuja admissibilidade será votada na sessão do Legislativo da próxima quinta-feira. Além de Guerra e Cassina, prefeitos de Farroupilha, Gramado e Bento Gonçalves e vereadores de Caxias e Bento completam a lista de alvos de tentativas de impugnações.
Para cientistas políticos consultados pelo Pioneiro, a leitura diverge.
– No mínimo, já virou modismo. Especialmente no plano municipal, em que a legislação é mais frágil. Deveria haver novas regras para que as pessoas continuassem estimuladas a pedir impeachment, mas também mecanismos que protegessem as Câmaras de Vereadores, para que não ficassem reféns de avaliar todos (os processos) e ficassem aptas a decidir quando realmente tivesse fundamentações – avalia o sociólogo e doutor em Ciência Política João Inácio Pires Lucas.
– É um instrumento legal, justamente feito para a proteção da sociedade diante de governos que cometem ilegalidades se valendo de sua posição no Executivo. Contudo, ficou bastante claro que, ultimamente, o que ocorreu de fato foi a banalização. O impeachment vem sendo utilizado como instrumento político principalmente para enfraquecer Executivo – acredita o cientista político, mestre e doutor em Ciências Sociais Marcos Paulo dos Reis.
Do total de 16 pedidos, Caxias se sobrepõe, totalizando 11 processos abertos, sendo nove contra prefeitos e dois contra vereadores. Na sequência, Bento, com denúncias contra prefeito e vereador, e Farroupilha, com dois pedidos contra o prefeito. Gramado completa a lista, com um processo tendo sido arquivado contra o prefeito.
Sem efeito, na teoria
Dos 16 pedidos, dois resultaram em cassação até agora: de Daniel Guerra e do ex-vereador de Bento Gonçalves Moacir Camerini (PDT). Apesar de não necessariamente resultar no propósito teórico pretendido, Marcos Paulo acredita que o principal objetivo é justamente causar desgaste no Executivo, enquanto alguns parlamentares oposicionistas capitalizam a atenção para sua própria atuação:
– (O impeachment) é uma forma do Poder Legislativo pressionar o Executivo, suscitar questionamentos, mobilizar a oposição. Na maior parte das vezes, sabemos desde a origem que não vai ter resultados. O desgaste tende a ser muito maior no Executivo do que no Legislativo. A população pode até enxergar como iniciativa política sem êxito, mas o parlamentar capitaliza isso particularmente, mostra para a sua base que está atuante, principalmente para partidos de oposição.
Já Pires Lucas exalta o mecanismo como um modo de legitimar a insatisfação popular de forma indireta:
– Para um governante que esteja fazendo estrago grande, esperar uma próxima eleição pode ser muito tempo. Por isso, a ferramenta impeachment estabelece um certo ritmo (na relação entre Legislativo e Executivo) que evita decisões apressadas, radicais ou unilaterais (do Executivo). O mecanismo é bom, não diria que esteja banalizado. Ele sempre existiu, as pessoas só redescobriram.
Vulnerabilidade da legislação
A visibilidade que o pedido de impeachment gera midiaticamente está bastante relacionada com a mobilização dos vereadores que legalmente precisam avaliar a admissibilidade, ou não, de cada processo. Para João Inácio Pires Lucas, a funcionalidade do sistema é uma questão a ser ponderada.
– Na Câmara Federal, por exemplo, existem centenas de pedidos que são protocolados, mas não vão à discussão dos parlamentares imediatamente. Já no caso dos municípios precisam ser discutidos muito rapidamente, o que dificulta fazer uma filtragem – ressalta Pires Lucas.
Para ele, a adequação regimental poderia, em certa medida, reduzir os impactos da movimentação política.
– Seria preciso avaliar o que é possível rever, talvez tornar viável, por exemplo, que a própria Câmara, por meio de comissão, pudesse revisar os aspectos técnicos de cada pedido e verificar questões formais e legais para só posteriormente, caso confirmado, ser remetido ao plenário – complementa.
Reflexo de algo maior
Na visão do cientista político Marcos Paulo dos Reis, a frequência de uso do mecanismo responde a um comportamento que se consolida em todo o país.
– Reflete a posição social do país, de conflito generalizado. Há dificuldade cada vez maior de se criar consensos. O eleitor não tem mais paciência para aguardar um projeto político se consolidar. É um comportamento que está se espalhando e que não é só político. Os contrassensos estão cada vez mais complexos, e os pedidos tendem a se proliferar – destaca.
Os próprios efeitos, além do acirramento do debate político, atingem os partidos:
– É um problema da representação democrática como um todo. Tanto que os partidos políticos já perdem monopólio de representar pessoas no poder público. O processo de impeachment está sendo um dos canais pelos quais isso tem se manifestado. No passado recente, as elites políticas conseguiam conduzir as coisas de modo autônomo, agora as pessoas já não aceitam mais. O resultado de um impeachment em última instância sempre estará vinculado ao grau de aprovação popular – conclui.
Os pedidos
DANIEL GUERRA (REPUBLICANOS)
1º pedido
Protocolado em 25 de agosto de 2017. A denúncia não foi acolhida.
2º pedido
Protocolado em 19 de setembro de 2017. Também não foi acolhido.
3º pedido
Protocolado em 11 de dezembro de 2017 e assinado por 29 pessoas. Foi acolhido, mas, ao final,rejeitado.
4º pedido
Protocolado em 14 de junho de 2018, foi retirado no dia seguinte.
5º pedido
Protocolado em 17 de dezembro de 2018. Não foi acolhido.
6º pedido
Protocolado em 29 de agosto de 2019. Foi arquivado pela Câmara.
7º pedido
Protocolado em 27 de setembro de 2019. Acolhido pelos vereadores e aprovado por 18 votos a 4 em sessão- extraordinária que começou na sexta-feira, dia 20 de dezembro, e terminou no domingo, 22.
FLÁVIO CASSINA (PTB)
1º pedido
Protocolado em 14 de janeiro de 2020 e rejeitado pela Câmara.
2º pedido
Protocolado no dia 20 de fevereiro de 2020. Será votado na próxima quinta-feira.
RAFAEL BUENO (PDT)
:: Protocolado no dia 10 de fevereiro de 2020. Foi arquivado pela Câmara no dia 11 de fevereiro.
CHICO GUERRA (REPUBLICANOS)
:: Protocolado no dia 18 de fevereiro, foi rejeitado no dia 20 de fevereiro.
BENTO GONÇALVES
GUILHERME PASIN (PP)
:: Protocolado no dia 19 de outubro de 2017 e rejeitado pela Câmara no dia 23 de outubro.
MOACIR CAMERINI (PDT)
:: Protocolado em 11 de outubro de 2019. Foi aprovado pela Câmara Municipal em 21 de outubro de 2019. O pedido de cassação foi baseado no relatório da chamada CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Fake News. A comissão apontou que Camerini utilizou a estrutura do Legislativo para criar e manter perfis falsos em redes sociais, com o objetivo de divulgar materiais classificados como caluniosos e difamatórios contra colegas e outros políticos da cidade.
FARROUPILHA
CLAITON GONÇALVES
1º pedido
Protocolado em 4 de fevereiro de 2020, foi rejeitado pela Câmara por não preencher requisitos formais.
2° pedido
Protocolado no dia 12 de fevereiro, com as correções sugeridas. Repetiu a denúncia. A admissibilidade do pedido foi acolhida pela Câmara no dia 17 deste mês. Processo está na comissão processante que definirá parecer pela cassação ou arquivamento em relatório que será votado em plenário.
GRAMADO
JOÃO ALFREDO DE CASTILHOS BERTOLUCCI (PDT), O FEDOCA
Protocolado no dia 29 de abri de 2019, foi arquivado no dia 3 de maio. A denúncia acusava Fedoca de suposto crime de improbidade administrativa pela contratação de cargos em comissão (CCs) com relações familiares, o que caracterizaria nepotismo.