Ricardo Fabris, ex-vice-prefeito e autor das denúncias que derrubaram Daniel Guerra (Republicanos), viu o desenrolar do julgamento de impeachment de casa. Como servidor da Justiça do Trabalho, Fabris está de plantão e, nas horas de folga, acompanhou a votação pela televisão. Apesar do desfecho a favor do pedido protocolado por ele em outubro, Fabris não vê motivo para comemoração. Ele também admite que o afastamento de Guerra atende a interesses políticos, mas descarta que o ato foi uma vingança contra seu desafeto declarado.
Depois de muitos apontamentos que o senhor veio fazendo ao longo da gestão, chegou-se a esse desfecho. Como o senhor avalia?
Realmente era um desfecho que já estava previsto desde o início da leitura do processo, já se imaginava, se falava em bastidores que seria esse o resultado. Primeiro, não é um fato em Caxias do Sul que mereça celebração, comemoração. Em que se pese que tenha sido eu o autor da denúncia, isso nunca é bom, um impeachment para cidade, para o prefeito, mas por todos os episódios que eu vinha apontando desde 2017, que lá no início eu vislumbrava que iriam ocorrer nesta administração, é o melhor que poderia acontecer para Caxias do Sul. É episódio desagradável, lamentável e falo isso sem demagogia, mas necessário para Caxias do Sul modificar. Porque no ritmo em a desconstrução da sociedade estava sendo feita nesses anos, um ano a mais seria muito danoso. Só posso esperar que o prefeito Cassina consiga reorganizar e deixar Caxias do Sul novamente no ritmo e nos trilhos do desenvolvimento, que abra os canais de comunicação com todos os segmentos da sociedade, que Caxias volte ser a Caxias que já foi em outras épocas. E que depois disso tenhamos eleições e que a vida siga seu rumo.
Muito se falou que a gestão foi marcada por conflitos, judicializações e falta de diálogo. O senhor, que fez parte do início da gestão, faz mea-culpa?
Sim, faço porque tenho uma participação objetiva e direta, mas de certa forma é quase um conflito dialético, é sentimento conflitante porque tenho muito em mente porque colaborei e ajudei a construir essa administração. Participei da campanha, meu nome foi escolhido para concorrer a vice-prefeito, nós fomos eleitos, tinha uma expectativa muito grande, também passei por uma decepção e, desde o início, verifiquei e senti na pele. Como era difícil fazer a oposição de dentro da trincheira, percebi que estava isolado, não só pelo prefeito, mas por toda a administração, pelo partido. Me tornei em determinado momento uma figura política mal vista por boa parte da sociedade, da minha cidade de Caxias do Sul. Sou um caxiense de quinta geração e isso me incomodava muito, mas também tinha consciência, por ter participado da construção do governo, embora eu tivesse renunciado há praticamente um ano, de que tinha a responsabilidade de continuar lutando por aquilo que considerava melhor para minha cidade, o justo e o adequado para se fazer. Esse compromisso que firmei comigo mesmo que, até o final do ano que vem que seria o término do meu mandato se não tivesse renunciado, continuaria combatendo as irregularidades que havia constatado durante o período em que exerci a vice-prefeitura.
Algum dia o senhor e o Daniel Guerra chegaram a ser amigos ou foram apenas meros colegas de política?
Nós nunca fomos amigos, conheci o ex-prefeito Daniel Guerra no ano de 2016, início do ano, talvez final de 2015, quando eu estava envolvido na luta pela preservação do complexo histórico da Maesa. Ele, na época, era vereador que integrava a comissão para a preservação desse patrimônio. Nós nos conhecemos dessa forma, eu enviava sugestões ao gabinete do então vereador. Em um determinado momento, me convidou para ingressar no partido e concorrer a vereador. Aceitei e lá pelas tantas, com o desenrolar dos fatos, fui surpreendido com a escolha para ser o vice-prefeito da chapa. Mas nunca tivemos uma relação de amizade, nunca frequentei a casa dele, não tínhamos círculo de amigos em comum, enfim, situações dessa natureza.
A população apoiadora de Guerra ou não fala que essa decisão que levou ao afastamento do prefeito também atende a interesses de outras partes da cidade, partes políticas, que têm desejo em voltar a comandar a prefeitura. Como o senhor avalia essa questão?
Essa avaliação é absolutamente plausível e seria muita ingenuidade pensar de forma diferente. O impeachment é um processo político-administrativo. Evidentemente, as decisões são fundamentadas em aspectos legais previstos em lei, como ficou muito claro no relatório da vereadora Paula Ioris. Entretanto, a decisão é obviamente política. O que ocorre? Já tivemos seis pedidos de impeachment anteriores a esse, um deles inclusive firmado por 29 pessoas de diversos segmentos da sociedade, que também estavam fundamentados, porém, naquelas ocasiões não passaram. Por que passou agora? Porque isso se tornou uma exigência da população. A Câmara de Vereadores é quem representa, de fato, a população. Isso ficou muito claro e evidente nos pronunciamentos que cada um dos vereadores fez para a justificar o seu voto. Restou claríssimo que todos estão sofrendo cobranças de suas bases eleitorais, das comunidades para que afastassem o prefeito. Então, claro que existe uma decisão política. O afastamento do prefeito exige que seja composto um novo governo, mas isso é por um período curto, logo em seguida vamos ter eleições no próximo ano. Óbvio que há interesse político nisso, não poderia diferente.
Isso não pode ser interpretado como uma vingança da oposição e do ex-vice-prefeito que não foi ouvido pelo prefeito?
Compreendo a leitura. Discordo que seja vingança do ex-vice-prefeito. Eu não teria esse poder e essa capacidade de articular um fenômeno político dessa natureza. Veja bem, eu só tinha elementos contrários a mim. Para mim legitimar esse pedido de impeachment, abri mão do meu mandato, renunciei antes de ajuizar para me legitimar como cidadão afastado da política e não como um vice-prefeito que almejava, cobiçava o poder. Fazendo referência ao outro pedido, formulado por 29 pessoas, seria impossível eu ter acesso e articular um movimento dessa natureza. Esse movimento é popular, não consigo imaginar uma possibilidade dessas de se tratar de um impeachment por vingança, não tem cabimento.
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Se o senhor pudesse ter um diálogo com Daniel Guerra, gostaria disso futuramente ou as relações estão rompidas por tempo indeterminado?
Não gostaria, nem tenho a intenção de ter nenhum tipo de diálogo com ex-prefeito Guerra agora porque esse momento já passou. Fiz o possível e o impossível durante dois anos enquanto vice-prefeito para conversar, ser recebido e sequer atendia o telefone.
Sua vida política prossegue? Como fica?
Sim, prossegue porque sou envolvido com política, sou uma figura política, ex-vice-prefeito, minha imagem está associada a esse processo, embora eu tenha sido autor da denúncia e não do processo. Porém, não tenho pretensões de concorrer a cargo eletivo. Retomei minhas atividades no Judiciário Federal e vou me dedicar a isso. Não pretendo concorrer a cargo eletivos no momento.
Poderia listar os pontos que, ao longo da gestão, o senhor apontou ao governo de Daniel Guerra, mas nunca foi ouvido?
Tenho dezenas de pedidos e de alertas ao prefeito, todos por escrito e todos protocolados. Tem pastas e pastas de documentos, de proposições, de processos administrativos. O Caso Magnabosco é um. Tenho um relativo conhecimento de processo civil, uma carreira de quase 37 anos no judiciário, conheço alguma coisa. Outro caso é a questão de não ter concedido o aumento artificialmente na tarifa de ônibus no início de 2017, que já há um processo em curso pela concessionária de transporte urbano. Fiz reiteradas manifestações ao prefeito para que não agisse daquela maneira, que isso traria e vai trazer prejuízo financeiro para a cidade, salvo se o novo prefeito negocie com a empresa. Posso referir, por exemplo, a questão dos médicos, da demissão imotivada por meio de sindicâncias de roldão com o objetivo de abrir caminho para as empresas terceirizadas. Todos esses médicos que ajuizaram ações, eles retornaram, foram reintegrados via ordem judicial, vai ter um custo muito grande. Poderia referir os avisos que fiz quantos aos critérios de idoneidade de empresas que assumem contratos de gestão de saúde pública, as ditas organizações sociais, que também trazem um risco tremendo para a nossa cidade e assim vai.