O imaginário comum presume que encontros de chefes de Estado aconteçam em capitais cosmopolitas. Por isso, soou no mínimo inesperado quando Bento Gonçalves, município com cerca de 120 mil habitantes da Serra gaúcha, foi escolhido como sede da 55ª Cúpula do Mercosul, que ocorre a partir desta segunda. Denominado de Cúpula do Mercosul no Vale dos Vinhedos, o evento ocorrerá no Spa do Vinho, hotel cinco estrelas da região que abriga algumas das principais vinícolas do país.
A realização da 54ª Cúpula do Mercosul, em Santa Fé, na Argentina, teria sido a motivação para que o presidente Jair Bolsonaro (presidente rotativo do Mercosul no segundo semestre deste ano) pensasse em promover o encontro previsto no Brasil “longe” das capitais.
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— (O presidente) apreciou não ter sido numa capital (a cúpula na Argentina) e pensou em fazer a mesma coisa no Brasil. O (secretário-Geral das Relações Exteriores) Brandelli, que é de Garibaldi, sugeriu então o Vale dos Vinhedos, até porque o Mercosul tem tudo a ver com a questão de vinho — relata Deborah Villas-Bôas Dadalt, diretora-proprietária do Spa do Vinho.
Foi assim que, há cerca de quatro meses, o Planalto contatou Deborah.
— O gabinete da presidência ligou e disse 'o presidente gostaria que fosse neste hotel, vocês têm data?'. A gente tinha essa data. Muita gente especula que a data foi marcada em função das eleições, não, a data estava marcada em função do que o hotel e o presidente tinham de disponibilidade. Em menos de 20 dias conseguimos fechar o evento — explica Deborah.
O hotel, que costuma trabalhar com cerca de 120 funcionários, terá reforço de mais 130 para a semana. Não foi divulgada a estimativa de pessoas que devem circular pelo evento, porém, a proprietária do hotel informou que o local tem capacidade para 350 hóspedes e um centro de eventos próprio para recepcionar mil pessoas.
Além de Bolsonaro, a tendência os presidentes da Argentina, Maurício Macri, e do Paraguai, Mario Benítez, e a vice-presidente do Uruguai, Lucía Topolansky, participarão da reunião principal, na quinta-feira. Bolsonaro deverá pousar em Porto Alegre ainda no final da quarta-feira e, posteriormente, se dirigir de helicóptero a Bento.
Preparativos
Embora a chegada seja na "última hora", os preparativos iniciaram-se muito antes. De acordo com a proprietária do Spa do Vinho, há mais de um mês, representantes do Itamaraty fazem visitas recorrentes ao local. Apesar de ampla experiência em sediar eventos nacionais e internacionais de grande porte ("são a nossa especialidade", diz Deborah), o esquema de segurança foi especificamente pensado para acolher o número significativo de ministros e chefes de Estado. Apesar de tecnicamente se localizar em Bento Gonçalves (com parte da área pertencente a Garibaldi e Monte Belo do Sul), o Vale dos Vinhedos possui relativo afastamento da área urbana, o que pode facilitar a organização do esquema de segurança.
No estacionamento, carros de clientes se misturam com veículos do Exército e viaturas, que também circulam pelo Vale dos Vinhedos, cuja rotina não mudou, ainda.
— Estou impressionada com a capacidade de organização do Itamaraty. A rotina do hotel não foi perturbada de nenhum modo — comenta Deborah.
De hoje até sexta-feira, os serviços do hotel estarão reservados exclusivamente ao evento. Na quarta e na quinta-feira um trecho de cerca de dois quilômetros deve sofrer bloqueio (entre as vinícolas Tecnovin e Miolo) completo, com circulação de apenas pessoas credenciadas.
Município ofereceu apoio de segurança, logística e saúde
A escolha de Bento para sediar evento de tamanha importância reafirma a proximidade do município e o setor vitivinícola com o governo federal.
— Incrível para todos nós. Maravilhoso sermos lembrados, tanto como município como para sede. Sempre buscamos fazer divulgação como destino municipal nos mantermos próximos do governo federal. E o melhor é que essa decisão de fazer o evento em Bento partiu do Palácio do Planalto – exalta o prefeito de Bento Gonçalves, Guilherme Pasin.
Apesar de sediar a cúpula, o município teve participação reduzida na organização e limitou-se a oferecer apoio de segurança, logística/trânsito e na saúde, com bloqueios de leitos e disposição do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Pasin, entretanto, garante que a participação não trará prejuízos à população:
— Não haverá prejuízo algum à comunidade, que tem reconhecido a importância singular do evento para a nossa cidade. É um orgulho muito grande como município, Serra Gaúcha, Amesne e Região Uva e Vinho — destaca.
Embora ressalte que espera que o evento aproxime ainda mais a relação do município com o Governo federal, resguarda ressalvas sobre o contato com Bolsonaro.
— É uma ótima oportunidade estar com o presidente, mas existem momentos. Precisamos ter essa sensibilidade de ambiente, (o Bolsonaro) estará envolvido em discussões do bloco internacional. Agora, nos momentos de descontração, possivelmente levarei pautas objetivas daquilo que gostaríamos — salienta.
Setor na expectativa
O evento ocorre no coração da produção vitivinícola do país, setor impactado em diversas discussões econômicas em nível América do Sul, entre os quais, o acordo comercial com a União Europeia. Outra reivindicação do setor é a criação da Zona Franca da Uva e do Vinho, que abrange 26 municípios.
— Quando nos convidaram para sediar, a primeira coisa que pensamos foi quanto poderíamos projetar nome do hotel, do Vale dos Vinhedos, do vinho. Estamos muito envolvidos nessas questões — afirma Deborah Villas-Bôas Dadalt, diretora-proprietária do Spa do Vinho.
Questionada se após a realização do evento pretendia ser mais ativa na relação com o governo federal, Deborah disse que "espera boas notícias":
— Independente da posição ideológica, é a questão de o governo ser brasileiro e a gente ter que fazer com ele esteja próximo das nossas necessidades.
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