Depois de criar desavenças com o então vice-prefeito Ricardo Fabris de Abreu, com os médicos do município, adversários políticos, entidades de classe e o movimento comunitário, o prefeito Daniel Guerra (PRB) abriu novo enfrentamento, agora com os procuradores do município.
O chefe do Executivo nunca escondeu o contentamento de nomear os servidores de carreira para ocupar a chefia da Procuradoria-Geral do Município (PGM). Em janeiro de 2017, o servidor de carreira Leonardo da Rocha de Souza tomou posse. A servidora Ana Cláudia Doleys Schittler era sua procuradora adjunta. Em novembro, Souza deixou o governo após ser aprovado em concurso público para professor em uma universidade de Santa Catarina.
Com a saída de Souza, Guerra nomeou Felipe Barreto Dal Piaz e Karin Comandulli Garcia, respectivamente, como procurador-geral e adjunta. Os dois ficaram no cargo por 14 meses e deixaram o governo no dia 31 de janeiro deste ano, quando ocorreu o rompimento definitivo da categoria com o governo.
Em reunião reservada, Dal Piaz expôs para Guerra os motivos para deixar o cargo. O prefeito ainda tentou convencer outros servidores a ocuparem os postos, mas teve o convite rejeitado.
Nos bastidores, entre os motivos para a saída da chefia da PGM estão a contrariedade dos procuradores com o tratamento dispensado aos servidores médicos e pedidos de reintegração de posse de centros comunitários, sem destinação específica.
Em represália aos procuradores que não quiseram mais assumir a PGM, Guerra passou a cobrar o ponto eletrônico da categoria. Desde terça-feira da semana passada, os procuradores registraram os horários de início e final da jornada de trabalho.
– (Eles) não quiseram mais compactuar com essa política equivocada. Falta de confiança mesmo. É prejuízo para a administração. Os procuradores cumpriam jornada superior levando trabalho para casa. Agora ficarão restritos ao horário – diz um servidor que pediu para não ser identificado.
Outra fonte que também prefere não ser identificada, uma procuradora, diz que a decisão do prefeito pegou a categoria de surpresa. A relação harmoniosa de outros tempos acabou com um comunicado por correspondência eletrônica.
– Fomos informados por e-mail de fim de tarde. Sem reunião prévia. Pelo menos se a ordem viesse precedida de uma reunião com os procuradores, com prazo para reorganizar a forma de conduzir o trabalho.
Trabalho extra em casa
A procuradora conta que tem alguns colegas que levavam processos em malas para trabalhar em suas residências e outros cumpriam jornada no sábado para atender à demanda diária e as audiências.
– A carga semanal de processos físicos é enorme, fora os prazos dos processos eletrônicos e os administrativos. Faremos as audiências e bateremos o ponto.
O procurador afirma que, com a adequação ao ponto eletrônico, a prefeitura terá que pagar hora-extra para os procuradores atenderem à demanda antes realizada em casa ou no sábado.
– O trabalho extra em casa não era contado. Agora, todo o trabalho deverá ser feito durante o expediente, que pode e será estendido (para dar conta de tudo).
Sem os ex-aliados, Guerra precisou nomear dois nomes de fora do quadro funcional para compor a PGM e auxiliá-los a executar suas determinações. Para isso, o chefe de Executivo nomeou no final de janeiro a advogada Cássia Kuhn, indicação política do PRB, como a nova procuradora-geral e Moser Copetti de Gois, como adjunto. Moser já deixou a função. Segundo a prefeitura, por motivos pessoais. Ele foi substituído por Geraldine Gollo de Oliveira, que já atuava no governo.
O QUE DIZEM
Associação dos Procuradores Municipais de Caxias do Sul
Por meio de nota, a presidente da presidente da Associação dos Procuradores Municipais de Caxias do Sul, Ana Cláudia Doleys Schittler, diz que, conforme a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o controle de ponto é incompatível com as atividades do advogado público. Confira trechos da nota:
"O ponto eletrônico é uma das formas de atestar a frequência do servidor, mas não a única. A Lei Complementar Municipal nº 3.673/91 prevê outros meios. Os procuradores do Município são advogados e, por isso, além de se submeterem ao Estatuto do Servidor Público Municipal, também se submetem ao Estatuto da Advocacia. Assim, é importante ressaltar que a não submissão ao ponto eletrônico nunca significou a não efetividade ou assiduidade ao trabalho e tampouco privilégio, ilegalidade ou imoralidade. Pelo contrário: os procuradores sempre tiveram uma excessiva carga de trabalho, sem estrutura adequada, fazendo com que muitos prazos processuais e pesquisas fossem realizados em casa. Nesse contexto, todas as administrações até aqui entendiam a dispensa do ponto eletrônico (que não significa dispensa de horário e presença ao trabalho). O Conselho Federal da OAB editou a Súmula nº 09: "O controle de ponto é incompatível com as atividades do Advogado Público, cuja atividade intelectual exige flexibilidade de horário." O exercício da advocacia não é compatível com o controle de ponto eletrônico. As funções abrangem questões complexas e que são trabalhadas pelo advogado no estilo “home office”, pois precisa cumprir os prazos judiciais, independentemente do cumprimento de carga horária, sob pena de responsabilização funcional."
Procuradoria-Geral do Município
A procuradora-geral do município, Cássia Kuhn, justificou que o ponto para os procuradores ocorre devido à cobrança por meio da Ouvidoria e de servidores.
"Não é uma decisão de governo, mas é uma equidade para que todos os servidores públicos registrem o ponto biométrico. Começou em 2017 com a cobrança do ponto dos médicos. Existiam pareceres de antigos procuradores amparando o prefeito que não houvesse o registro do ponto. Mas havia cobrança pela Ouvidoria e por parte dos servidores municipais. Procuramos organizar o controle da jornada de trabalho de 8 horas diárias para não obstaculizar o horário do procurador com os prazos de liminares e de audiências, mas tem que comprovar para a chefia imediata. Acabamos flexibilizando porque é um trabalho diferenciado. As 8 horas são suficientes para atender à demanda, e não creio que vá prejudicar o andamento do trabalho. Está previsto um regime de compensação de horário ou o pagamento de hora-extra. Todos os servidores devem cumprir seu horário dentro do ambiente de trabalho. Eles pediram para sair em janeiro. Eles (Felipe Barreto Dal Piaz e Karin Comandulli Garcia) não se sentiam mais com tempo para atender o gabinete e os processos deles."