A empresa de consultoria e assistência técnica em agricultura e pecuária em que a titular da Secretaria Municipal da Agricultura (Smapa) de Caxias do Sul Camila Sirena é sócia com outras duas pessoas prestou serviço a particular no período em que a secretária exerce o cargo no governo Daniel Guerra.
Na quinta-feira, a reportagem teve acesso ao teor de um relatório de visitas e atividades da empresa da secretária, de nome fantasia AgPec Soluções em Agronegócio, realizado por um dos sócios, no dia 14 de dezembro de 2017. Camila tomou posse em janeiro do mesmo ano.
No documento, constam o nome e as visitas (três) realizadas em uma propriedade de dois hectares, com descrição de serviço de consultoria e assistência técnica na produção das laranjeiras da propriedade.
Conforme publicado pelo Pioneiro na quinta, a empresa de Camila e seus dois sócios atua no mercado desde 1º de abril de 2016. Ela também aparece como sócia em outra empresa, a S & S Capital e Participações Ltda, firma de administração, locação, compra e venda de bens próprios, que iniciou as atividades em 1º de novembro deste ano. Em contato com o Pioneiro nesta sexta-feira, Camila disse:
– Fui sócia-administradora da empresa e já resolvi essa situação (confira o contraponto completo da secretária abaixo).
Ela preferiu não responder sobre quando teria deixado a sociedade. Porém, uma consulta ao Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, da Receita Federal, feita às 19h desta sexta, indicava situação cadastral “ativa” para Camila na empresa Lovatel, Sandri e Vanin Assessoria Agronômica, nome jurídico da AgPec.
Na semana passada, o vice-prefeito Ricardo Fabris de Abreu (Avante) pediu ao prefeito a abertura de procedimento administrativo para apurar a participação das secretárias Renata Carraro (Turismo), Vangelisa Lorandi (Recursos Humanos) e Mirângela Rossi (Urbanismo), além de Camila, como sócias-administradoras de empresas ao mesmo tempo em que ocupam CC na administração. A exceção é Mirângela, que deixou a empresa da qual era sócia para assumir a secretaria municipal.
Segundo Fabris, a sociedade em empresas privadas configura infração à Lei Orgânica do Município, ao Estatuto dos Servidores Públicos Municipais e à Lei Federal 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa).
– Isso é irregular. Elas (secretárias) podem fazer lobby. A secretária da Agricultura, que tem o poder de fiscalização, é sócia de uma empresa de consultoria agrícola.
O QUE DIZ A LEI
Lei Orgânica Municipal
Art. 106. O Prefeito, o Vice-Prefeito, os Vereadores e os Servidores Municipais, bem como as pessoas ligadas a qualquer deles por matrimônio ou parentesco, afim ou consanguíneo, até o terceiro grau inclusive, não poderão contratar com o Município, seja a que título for, bem como ficam incluídas na presente proibição as pessoas jurídicas, das quais as mesmas pessoas tenham participação direta na administração destas, subsistindo a proibição até seis meses após findar as respectivas funções.
Parágrafo único. Não se incluem nesta proibição os contratos cujas cláusulas e condições sejam uniformes para todos os interessados.
Estatuto dos Servidores Públicos Municipais
Art. 242. Ao servidor é proibida qualquer ação ou omissão capaz de comprometer a dignidade e o decoro da função pública, ferir a disciplina e a hierarquia, prejudicar a eficiência do serviço, causar dano à Administração Pública, e especialmente:
XXII - exercer comércio ou participar de sociedades comerciais, exceto como acionista, quotista ou comanditário;
XXIII - ser diretor ou integrar conselho de empresas fornecedoras ou prestadoras de serviços, ou que realizem qualquer modalidade de contrato com o Município, sob pena de demissão do serviço público, inclusive quando se tratar de função de confiança do Município, bem como exercente de cargo em comissão;
XXIV - exercer, mesmo fora das horas de trabalho, emprego ou função em empresa, estabelecimento ou instituição que tenha relações industriais ou comerciais com o Município, em matéria que se relacione com a finalidade da repartição em que esteja lotado.
A PARTICIPAÇÃO DE CADA SECRETÁRIA
Em anexo ao pedido de providências ao prefeito Daniel Guerra, o vice Ricardo Fabris de Abreu encaminhou cópia dos registros das empresas na Junta Comercial, Industrial e Serviços do Rio Grande do Sul (JucisRS) em que as secretárias aparecem como sócias das empresas.
Camila Sandri Sirena, da Agricultura
É sócia da empresa Lovatel, Sandri e Vanin Assessoria Agronômica Ltda ME (AgPec), prestadora de serviço de consultoria e assistência técnica nas áreas de agricultura e pecuária, no mercado desde 1º de abril de 2016. Camila também aparece como sócia da S & S Capital e Participações Ltda.
O que disse a secretária
"Fui sócia-administradora da empresa e já resolvi essa situação. Minha condição como secretária da Agricultura jamais trouxe qualquer tipo de benefício pessoal ou à empresa, que também não teve nenhum tipo de contrato ou serviço prestado ao município no período em que estou à frente da Smapa."
Às 19h desta sexta-feira, consulta ao Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica indicava situação cadastral “ativa” para Camila na AgPec.
Renata Carraro, de Turismo
É sócia da Aquino Carraro Negócios Imobiliários e Representações Ltda, empresa de compra e venda de bens móveis e imóveis em atividade desde 11 de julho de 2014.
O que disse a secretária
"Nesse caso, quem responde é a comunicação do gabinete."
Vangelisa Lorandi, de Recursos Humanos
É sócia da microempresa que leva seu nome. O negócio presta serviço de treinamento e capacitação gerencial e profissional, além de organização de feiras, congressos, exposições e festas. A empresa iniciou suas atividades em 4 de abril de 2012.
O que disse a secretária
"Esse assunto, quanto às dúvidas levantadas pelo senhor Ricardo Fabris, temos orientação que deve ser tratado com a PGM (Procuradoria-Geral do Município) ou com a Comunicação."
Mirângela Rossi, de Urbanismo
Foi sócia da Effectiva Construtora e Incorporadora Ltda de 13 de maio de 2011 a 3 de janeiro de 2017. Ela deixou a empresa de construção, incorporação e comercialização de imóveis residenciais, comerciais e industriais três dias após o início do mandato de Guerra.
O que disse a secretária
"Quando fui convidada a ser secretária, a diretriz do governo é de legalidade para tudo. Eu entendi que não podia fazer parte de uma empresa e saí do contrato social (da empresa). Estava indo para outro trabalho e não podia cuidar de duas coisas ao mesmo tempo e nem posso. Não conheço na íntegra esse documento. Sei que está sendo tratado pelo gabinete do prefeito."
OUTROS CONTRAPONTOS
O que diz a prefeitura
Manifestou-se por meio de nota, bastante sintética.
“A administração municipal garante a legalidade dos seus atos, uma vez que essa é uma diretriz do governo, inclusive na escolha dos seus secretários.”
O que diz a Procuradoria-Geral do Município (PGM)
A reportagem pediu entrevista com o procurador-geral do município, Felipe Barreto Dal Piaz, para comentar a nova situação envolvendo a secretária da Agricultura. Segundo a assessoria de mprensa da prefeitura, a PGM não iria se manifestar em entrevista. A posição do governo municipal segue a mesma enviada ao Pioneiro.