Fora da política e do Brasil, Antônio Britto não deixa de acompanhar - e se preocupar com - a situação do país. Morando há dois meses nos Estados Unidos (a família está neste país há pouco mais de um ano), ele acredita que a eleição de outubro será a mais perigosa e dramática desde 1989 por conta da crise e da insatisfação da população.
Apesar disso, o ex-governador é otimista com o futuro do país.
- Às vezes, fico pensando que apenas o aprofundamento da crise leve à decisão de reformar tudo.
Nesta entrevista, concedida na quarta-feira passada por telefone, Britto analisa o cenário brasileiro, fala da importância da Reforma da Previdência e evita comentar o governo de José Ivo Sartori (MDB), seu ex-companheiro de partido.
Confira:
Pioneiro: O senhor está filiado a partido político no momento?
Antônio Britto: Há 16 anos não.
Por que o senhor saiu da vida pública?
Eu saí, e expliquei na época exaustivamente, porque achava que, primeiro, tinha tido, uma atividade curta, mas extremamente honrosa. Pude ser constituinte, ministro, governador, deputado em pouquíssimo tempo, entre os 33 e os 42 anos, e eu não me via fazendo a carreira política no sentido de não admitir a minha vida sem política. A minha política não era uma carreira. E também isso ficou claro na época, a atividade política naquela época já estava começando a mudar para pior, então eu achava que seria obrigado a fazer algumas coisas que eu não queria, que não tinha necessidade nem vontade de fazer. As minhas atividades iniciais não foram a política, não haveria nenhum problema de as atividades seguintes não serem a política.
O senhor pensa em voltar?
Claro que não. Não estou nem no Brasil. Aos 66 anos, se eu pretendesse voltar, eu teria usado algum dos últimos 16 anos. Foi uma decisão muito refletida, pensei muito. Depois de decidir, não tinha volta.
A que o senhor tem se dedicado agora?
Nesse momento, estou me dedicando à família. Pretendo, assim que eu me organizar melhor, escrever um pouco, me envolver com outras atividades.
Mesmo de longe, o senhor tem acompanhado a política brasileira?
Como cidadão, sim. Como qualquer pessoa, lendo jornais, vendo televisão.
O que o senhor tem achado do governo de José Ivo Sartori?
Faz 16 anos que saí da atividade partidária e eu nunca fiz, e tu vai me desculpar, não vou fazer agora, qualquer comentário que envolva questão partidária, questão eleitoral. Tenho o maior respeito, a maior admiração pelo Sartori e tenho certeza de que, na integridade dele, deve ter feito e está fazendo o máximo, mas eu realmente não acompanho detalhes. Não dá para você estar fora da política e colocar um pé dentro. Eu estou fora.
Mas o senhor acha, por exemplo, que medidas como o parcelamento de salário são necessárias ou poderia haver outra saída?
Eu duvido que haja ser humano que, podendo pagar, atrase. Não conheço nenhum caso nem na vida privada nem na vida pública. Nós estaríamos diante de um monstro suicida. Eu não acompanho, mas imagino que ocorra com ele o mesmo que tenha ocorrido com milhares de governantes.
A oposição diz que Sartori reedita seu governo por conta dos planos de privatizações...
De novo, eu não vou fazer comentários. Eu saí há 16 anos, não vou entrar de volta, entende? Se eu fizer um comentário sobre isso, eu estou comentando ou o governo ou a oposição, e isso é participar do debate eleitoral, ainda mais em um ano de eleições.
Falando em eleições, o que o senhor espera da eleição deste ano?
Eu acho que essa é a eleição mais perigosa, a mais dramática desde 1989, porque é a primeira em que, ao mesmo tempo, a gente soma uma grave crise das contas públicas, uma enorme insatisfação da população com saúde, segurança e educação, uma desesperança e um desânimo da população e, para terminar, uma falência dos partidos e do sistema eleitoral. Então, ficou do jeito que o diabo gosta. Bastaria um ou dois (fatores) para que a gente já estivesse numa situação complicada, mas nós estamos com os quatro piores fatores que poderiam cercar uma eleição. Acho que essa eleição é muito dramática para o futuro brasileiro. Não vejo, e aí é simplesmente olhando as pesquisas, nenhuma proposta até agora que ao mesmo tempo obtenha algum apoio popular e tenha condições de prosperar se vier a ser governo. Digo brincando que quem seria bom para governar não tem voto e quem tá com voto não seria bom para governar. E nós estamos a menos de 90 dias para as eleições. Como brasileiro e cidadão, é um quadro muito angustiante. Nas últimas eleições, havia esperança, havia propostas, você pode concordar ou não, mas havia. Minimamente, algumas estruturas partidárias funcionavam. Hoje, você tem uma eleição onde os dois principais partidos dos últimos anos, dos últimos cinco governos, estão destroçados, que são PT e PSDB. O MDB, infelizmente, se transformou, na maioria dos lugares numa gelatina geralmente a serviço do pior. E os outros partidos, salvo uma ou outra exceção, são muito mais uma atividade comercial onde se vende apoio e tempo de televisão do que propriamente um partido.
O senhor votará na eleição deste ano?
Vou.
Já tem candidato? Quem é?
Não. Acho que estou como tudo que é brasileiro, esperando que aconteça algum milagre nos próximos 90 dias. A eleição do mundo democrático tem de ser um exercício de esperança, votar é manifestar esperança em alguém. Se ninguém assume a tarefa de gerar esperança, a eleição fica num clima muito ruim, porque passada a eleição, ao invés de um governo cercado de apoio, você pode ter uma crise cercada de todas as dificuldades que estão aí do sistema partidário, fora a economia, etc.
O senhor conviveu com o ex-presidente Tancredo Neves. Conhecendo como o senhor conheceu, que conselho o senhor imagina que ele daria hoje ao neto Aécio Neves?
Eu não sei, não vou ser porta-voz de uma pessoa falecida. O que eu acho é que o doutor Tancredo, o doutor Ulysses (Guimarães), o Mário Covas, o Leonel Brizola, no mínimo, estariam com as faces coradas, estariam vermelhos de vergonha do que está acontecendo no Brasil. Não estou me referindo a nenhum caso específico. Esse é um outro problema brasileiro, grande parte dos formadores de opinião está com problema oftalmológico, porque só enxergam as vergonhas causadas pelos outros. Nós temos de nos dar conta que praticamente todos foram engolidos nesse processo de destruição do sistema partidário e do ambiente político, então, não vai haver solução se não houver uma reforma que atinja a todos. Mas o que a gente vê é o PT que só consegue enxergar a corrupção do PSDB, o PSDB só enxerga a do PT, e por aí vai, e o MDB, aparentemente, não enxerga de ninguém.
O senhor falou em Reforma Política, mas eu queria falar também sobre Reforma da Previdência, porque o senhor foi ministro da Previdência no governo Itamar (Franco). É preciso, de fato, uma reforma na Previdência? E que reforma precisa ser feita?
Há 26 anos, percorri o Brasil alertando que a situação da Previdência era muito complicada e que ela ia acabar sugando os poucos recursos que o governo teria para outras áreas. De lá para cá, a única coisa que mudou é que piorou. O déficit hoje é muito maior, a necessidade de reforma é muito maior, é inacreditável que a gente não se dê conta de que começou a faltar e vai faltar cada vez mais recursos, e a razão é supersimples. O país está ganhando um milhão de sexagenários por ano nos próximos 20 anos, então, uma previdência equilibrada tem mais jovens, pessoas em idade laboral do que pessoas aposentadas. Quando tu começa a ter no setor público e no setor privado mais gente para receber do que gente para pagar, de duas uma: ou tu aumenta o que o pessoal que está pagando tem de pagar ou tu começa a não pagar quem tem de receber. É dois mais dois. E foi uma pena que o PT e o Governo Temer não tenham conseguido avançar na Reforma da Previdência, até porque tem aí uma demagogia contra o país. Quando o PT era governo, o PSDB era contra. Aí o PT vai para a oposição e passa a ser contra aquilo que era a favor quando estava no governo. Assim, a gente não constrói um país. Nos países mais avançados em termos de democracia, a briga eleitoral-partidária respeita ou preserva assuntos que não pertencem a partido, pertencem ao país como um todo. São feitos acordos duradouros. No Brasil, tudo entra no liquidificador da política partidária ou do interesse eleitoral, melhor dizendo.
No ano passado, o senhor foi condenado por improbidade administrativa devido a irregularidades na licitação para compra de um helicóptero em 1997. O senhor recorreu?
Quando saí do governo, o PT me presenteou com 126 ações. Cento e vinte e quatro já ganhamos e tem mais duas e tenho certeza de que em algum momento deste século a gente ganha. Digo isso porque é inacreditável que os fatos de 20 anos atrás ou que demorem 20 anos para decidir ou para julgar qualquer coisa e daí não interessa se é a favor ou contra. Mas tenho esperança de que, neste século, a gente consiga ser absolvido nas duas que faltam.
O senhor está há quanto tempo morando nos Estados Unidos?
A minha família há um ano e meio e eu, definitivamente, há dois meses. Eu só queria, como fui muito crítico ao longo da nossa conversa, me faltou a oportunidade de dizer uma coisa que eu te pediria a gentileza de ouvir, que é a seguinte: eu, apesar disso tudo, sou muito otimista em relação ao futuro de médio prazo do Brasil. Às vezes, fico pensando que apenas o aprofundamento da crise leve à decisão de reformar tudo. Mas essa reforma vai exigir que a população, que as pessoas de bem, Caxias do Sul, por exemplo, tem uma comunidade maravilhosa, que essas pessoas entendam que nós estamos no limite. Ou elas fazem alguma coisa, e não (se conformem com) a ideia ingênua de que ou os partidos, os políticos, os governos. Para usar a linguagem da Copa, a bola está com a sociedade. Se a sociedade não chutar em gol direito, o jogo não se ajeita. O jogo não depende de quem é eleito, esse jogo vai depender de eleitor. Temos uma crise gravíssima? Temos. Qual o grau de esperança? O fato de ela ser gravíssima, e que isso gere uma intensa mobilização que ainda não aconteceu, mas tem ainda três meses. Oremos. O povo de Caxias é também muito religioso, então pode aproveitar. Mobilização e oração.